Ela conseguiu na Justiça autorização para tirar espermatozóide.
Uma mulher conseguiu autorização para retirar espermatozóides do noivo depois que ele morreu e agora luta pelo direito de conceber um filho do noivo morto. “Uma parte de mim, de todos meus sonhos de cinco ou seis anos tem de morrer junto com ele?”, diz Nara Azzolini. Ela e Bruno se conheceram na adolescência e tiveram um namoro rápido. Só se reencontraram cinco anos atrás; ela com 28 e ele com 31 anos. A paixão voltou com toda força. Eles queriam muito ter um filho. Estavam se planejando para isso. Mas uma fatalidade mudou o destino do casal para sempre.
“Ele teve um aneurisma. Falaram que o caso era irreversível, que ele não tinha como mais voltar, que ele teve sete isquemias, não tinha retorno, que o caso dele é sem retorno, que ia morrer nas próximas horas. Era só esperar”, disse a mãe de Bruno, Eliane Leite.
Foi o que aconteceu. Bruno morreu no ano passado. Mas a história de Nara e Bruno não acaba aí. Quando os pais e a noiva receberam a notícia de que as chances dele sobreviver eram pouquíssimas, juntos, eles tomaram uma decisão: Nara levaria adiante mesmo assim o seu sonho de ser mãe. “Você perde a pessoa que você ama e naquele momento você pode decidir que uma parte dele continuar, uma parte dos nossos sonhos, o único que pode ser dado continuidade”, contou Nara.
Nara e a família de Bruno procuraram um centro de fertilidade que funciona dentro de um hospital. “O que eles queriam era o congelamento do sêmen do rapaz. Assim que eles chegaram, nós orientamos que precisavam de uma autorização judicial por ser uma coisa incomum, por não existir uma legislação especifica sobre o assunto”, disse a médica Cecília Erthal.
Em menos de 12 horas, a família conseguiu autorização do juiz. “Foi um alívio, uma esperança de continuar uma vida. Um projeto que, naquele momento, era tudo que a gente queria”, disse Eliane.
Como foi feito?
Foi preciso fazer uma cirurgia. O paciente já estava em morte cerebral. “Morte cerebral significa que não existe mais o cérebro. Não manda comandos para o corpo para ele continuar vivendo e funcionando sozinho”, disse Maria Cecília Cardoso.
Os espermatozóides de Bruno estão congelados e podem ficar assim por mais de 20 anos.
Só que a batalha de Nara agora é conseguir na Justiça o direito de ter o filho do ex-noivo por meio de uma fertilização in vitro.
A discussão é polêmica e também está na novela “Escrito nas estrelas”. O personagem Daniel, antes de morrer em um acidente de carro, congelou seus espermatozóides. Agora o pai, interpretado por Humberto Martins, procura uma mãe para gerar um neto dele.
“Acho isso maravilhoso. Há uns anos atrás, isso nunca seria possível e hoje em dia toda evolução cientifica pode me proporcionar isso. Uma parte de mim, de todos meus sonhos de 5, 6 anos tem que morrer com ele? Que mal eu estou fazendo, quem eu estou prejudicando?”, disse Nara.
“Estamos pedindo o uso do material genético, ou seja, do sêmen de Bruno para que realmente seja efetivada a inseminação e a Nara possa gerar um filho dele”, explicou Adrienne Maia, a advogada de Nara.
Polêmica
Como será a opinião dos homens? Eles gostariam de ter um filho mesmo depois da morte? A reprodução após a morte envolve muita discussão. A lei deve permitir que uma criança já nasça órfã? E quais serão os direitos dessa criança?
“Esse é um ponto polêmico. A princípio, ela não teria direito a essa sucessão, direito a herança. O registro no cartório seria feito com o nome do pai, mas só isso, sem nenhuma outra repercussão no campo exatamente patrimonial. Sem falar nos problemas de ordem psicológica que essa criança pode vir a ter em razão da falta dessa figura paterna”, explicou o jurista Guilherme Calmon.
“Não me preocupa o fato de meu filho nascer sem um pai, mas ele vai ter estrutura familiar maravilhosa e vai ser amado muito mais que muitas outras crianças que nascem com pai. Ele vai ser amado e desejado”, defendeu Nara.
Paternidade após a morte
Outra questão importantíssima: como saber se o pai realmente gostaria que o seu filho fosse concebido e nascesse mesmo depois da sua morte?
“A doutrina jurídica tem entendido que, através de um documento, quer dizer, uma manifestação formal, escrita, de vontade para que essa manifestação possa ser utilizada depois da morte da pessoa”, disse o jurista Guilherme Calmon.
No caso do Bruno, ele não teve tempo para assinar, o que torna a situação mais complicada do que normalmente seria, disse o jurista.
No Brasil, ainda não existe lei sobre fertilização após a morte, apenas uma norma do Conselho Federal de Medicina determinando que os médicos colham material com autorização do doador. Como Bruno não deixou nada por escrito, o caso vai ter que ser julgado com base nos testemunhos de quem convivia com ele.
“No caso da reprodução assistida, eu não conheço nenhuma hipótese em que isso tenha acontecido. Se houver, vai ser a primeira vez no nosso judiciário, pelo menos que eu conheço. E aí o problema vai ser discutir se aquela prova testemunhal vai ser ou não considerada válida e importante em substituição ao documento”, disse o jurista Guilherme Calmon.
“Eu tenho certeza que gostaria de dar essa criança para nossa família, não para nós, para nossa família, porque seria uma criança que ia alegrar nossa casa de novo, porque a perda dele foi um rombo. A nossa casa ficou vazia sem ele e essa criança iria trazer alegria de novo”, disse Eliane, mãe de Bruno.