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Reforma política sem políticos: sociedade pode propor mudanças sem Congresso

Projeto de iniciativa popular, Constituinte e plebiscito também podem decidir sobre o tema

Paulo Whitaker/Reuters

“Queremos que esse dinheiro vá sustentar os gastos com projetos sociais”, afirmou Dilma

Eleita como solução para atender as demandas da população desde as manifestações populares de 2013, a reforma política não é tema novo no Congresso Nacional. Apesar de deputados e senadores se esforçarem para demonstrar interesse no assunto, há mais de uma década propostas que alteram o sistema político tramitam na Câmara e no Senado, sem nenhum resultado.

Mas, além de cobrar um efetivo debate sobre o assunto, a sociedade pode participar de maneira ativa na elaboração das novas regras. Há várias alternativas para a população se posicionar e apresentar contrapropostas às sugestões dos parlamentares, que têm interesses específicos no assunto.

Uma das opções é apresentar um projeto de iniciativa popular. Foi isso que a Coalização pela Reforma Política Democrática decidiu fazer depois de ver a proposta que está em tramitação na Câmara dos Deputados.

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Entidades como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), movimentos sociais organizados como o MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitorado), e centrais sindicais se uniram e elaboraram uma proposta para fazer frente ao projeto dos deputados. A principal bandeira da Coalizão Democrática é o fim da possibilidade de empresas financiarem campanhas políticas.

O projeto foi protocolado na Câmara com cerca de 500 mil assinaturas. A presidente do IFC (Instituto de Fiscalização e Controle), Jovita Rosa, explica que o objetivo é derrubar o projeto elaborado pelos deputados, que mantém o financiamento privado de campanha. Para a especialista, que participou diretamente da elaboração do projeto de iniciativa popular, é preciso acabar com o poder de influência das empresas nas eleições.

— A parte principal do projeto é a retirada da influência do poder econômico das eleições. Queremos um financiamento democrático: sai a empresa, entra o orçamento público e a participação do cidadão. O cidadão precisa se interessar mais pela política e contribuir, para se sentir participante e ajudar a fiscalizar.

Pela proposta, o financiamento público seria mantido e somente pessoas físicas poderiam fazer doações para campanhas políticas. O dinheiro iria diretamente para os partidos, e não para candidatos. Ainda assim, a quantia ficaria limitada a R$ 700 por doação e o cidadão poderia escolher apenas um partido para financiar.

Como o texto está parado na Câmara, a Coalização pela Reforma Política pretende coletar pelo menos 1,6 milhão de assinaturas – o equivalente a 1% do eleitorado brasileiro – para pressionar o Congresso a analisar a matéria.

Constituinte

Outra forma de fugir dos interesses políticos na formulação da reforma política é a convocação de uma Assembleia Constituinte Exclusiva para debater o tema. Nesse modelo, a sociedade elegeria pessoas fora do parlamento para discutir as questões e elaborar as modificações constitucionais necessárias para alterar o sistema político.

A deputada Luiza Erundia (PSB-SP) é uma das defensoras da ideia e já tomou a iniciativa dentro da Câmara. Ela apresentou um projeto que sugere a criação de um plebiscito para consultar a população sobre a convocação da Constituinte Exclusiva para reforma política.

De acordo com a deputada, não é possível deixar as decisões nas mãos dos parlamentares. Ela afirma que dentro do Congresso não haverá uma reforma política, mas sim mudanças pontuais que atendam os interesses de deputados e de senadores.

— Sou deputada há 16 anos, participei de todas as comissões especiais para elaborar uma reforma política, mas nenhuma delas chegou a termo. A minha experiência prática demonstra que se ficarmos a depender do Congresso não se terá uma reforma que repense o sistema político como um todo, e sim apenas uma ou outra regra eleitoral, que é o que tem ocorrido.

Por isso, Erundina sugere um plebiscito que pergunte à população: Você é a favor de uma Assembleia Nacional Constituinte Exclusiva e Soberana sobre o Sistema Político?

Somente se a maioria da sociedade concordar, a Constituinte seria convocada. O próximo passo, seria escolher os integrantes da Assembleia, que não poderiam ser deputados nem senadores.

O objetivo é fazer com que integrantes de movimentos sociais, sindicatos e teóricos participem do debate. Por isso, qualquer pessoa poderia se candidatar, desde que não tivesse mandato eletivo.

Para o cientista político da UnB (Universidade de Brasília) Antonio Flavio Testa, a Constituinte é uma alternativa melhor que deixar a discussão nas mãos dos políticos, mas não passa de utopia. O especialista acredita que a Assembleia não funciona na prática porque seria complicado eleger os constituintes.

— É uma solução menos problemática, melhor que deixar nas mãos dos partidos. Mas, não vejo viabilidade prática. Na teoria é muito bonito. Mas, é uma utopia. Na prática, quem seriam essas pessoas [constituintes]? Afunilaria a discussão, que seria comprometida.

O projeto da deputada Erundina está parado na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara.

Plebiscito

Outra maneira de garantir a participação popular na reforma política foi apesentada pela presidente Dilma Rousseff ainda em 2013. Árdua defensora do plebiscito, Dilma acredita que é preciso primeiro consultar a sociedade sobre as novas regras, para depois aprová-las no Congresso.

Em seu discurso de posse, no início deste ano, e na mensagem que enviou ao Legislativo, no início dos trabalhos parlamentares, Dilma cita a reforma política como essencial para o País. E sempre que tem oportunidade, a presidente defende o plebiscito. Foi assim, por exemplo, durante a campanha eleitoral.

— A participação popular é indispensável. O plebiscito tem poder [para aprovar a reforma política]. Eu acredito que ninguém tem força suficiente para ir contra uma decisão dessas.

Nas questões de interesse nacional, como a reforma política, o plebiscito deve ser convocado pelo Congresso. Se aprovado pelos parlamentares, a Justiça Eleitoral organiza a consulta popular.

Nesse caso, as pessoas devem votar se são contra ou a favor de uma norma, antes de proposta virar lei. O plebiscito perguntaria, por exemplo, se a população quer o financiamento público ou privado de campanha.

Mas, a proposta não teve aceitação no Legislativo. O argumento é de que não seria viável organizar as perguntas necessárias para um tema tão complexo. O cientista político da UnB concorda. Para ele, não há tempo de promover a discussão necessária.

— Pessoalmente acho o plebiscito inviável e desnecessário. Se você olhar as discussões dentro do Congresso sobre reforma política, você vai ver que não há consenso. É um tema complexo, que exige muita análise. Exigiria muita discussão, e não há tempo para isso.