‘Foi na Ufal que descobri minha vocação para Matemática’

Ascom/UfalFernando Codá Marques

Fernando Codá Marques

Na semana em que se comemora o dia do professor, conversamos com um ex-aluno da Ufal que consolidou a carreira de docente no Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa). Fernando Codá Marques tem a genialidade de um grande pesquisador e a simplicidade de homem ligado à família. O precoce talento dele para a área é confirmado com o título de mestre aos 20 anos e o de doutor aos 23, mas o grande marco nesse caminho foi a resolução de um problema que intrigava a comunidade científica desde 1965, a Conjectura de Wilmore, que previa a medida perfeita da superfície de uma boia.

O “problema da rosquinha”, como é chamado, conferiu reconhecimento ao pesquisador e a oportunidade de ter o nome cotado para receber o prêmio mais importante da Matemática, a Medalha Fields. Sempre muito solícito, O alagoano falou sobre essa ascensão na carreira, o ensino da Matemática, e o carinho pela instituição onde iniciou os trabalhos na ciência e onde descobriu sua vocação.

Ascom – Você ganhou notoriedade, principalmente, quando conseguiu resolver, com seu colega do Impa, um problema que existia há 50 anos. O que isso significou na sua carreira?
Fernando Codá (FC) – Teve um impacto muito grande, porque eu já venho dando contribuições, trabalhando de forma crescente, mas esse último trabalho sobre a Conjectura de Wilmore foi o ápice de tudo, porque era um resultado que todo geômetra conhecia e ainda estava sem solução, então resolver esse tipo de problema chama atenção da comunidade inteira, principalmente da maneira como a gente resolveu, que foi usando algumas ideias que ninguém esperava que pudessem ser úteis. Passei a viajar mais ainda, fizemos uma turnê nos Estados Unidos, na Europa, na Ásia e é um resultado que marca, a comunidade passa a te ver como “a pessoa que resolveu o problema da conjectura de Wilmore”.

Ascom – Qual a contribuição desse trabalho para as outras áreas da ciência?
FC – A Matemática é uma ciência abstrata, mas que também serve como uma linguagem ou dá as ferramentas para entender a natureza de alguma forma. A gente fica muito feliz quando descobre que a nossa contribuição tem essa ligação mais concreta com a aplicação, como é o caso da biologia, por exemplo. O nosso trabalho é sobre superfície do espaço, então, em biologia essas superfícies aparecem como membranas de uma célula. Claro que a nossa motivação vem mais da matemática mesmo, a gente quer descobrir as novas verdades matemáticas, mas ficamos felizes quando recebemos mensagens de alguns biólogos dizendo que tinham verificado aquilo ali em microscópio, é muito importante saber dessa aplicação em outras áreas. Se a Matemática para, eventualmente a Física vai parar, consequentemente a Engenharia vai parar; então, temos que andar em todas as frentes.

Ascom – Aos 33 anos você é tratado como um gênio! Você se acha um gênio?
FC – Não. É difícil quantificar um gênio. Eu sinto que tenho uma vocação para a Matemática, descobri isso desde pequeno, mas nunca me achei um gênio. Sempre me cobro muito, estudo muito e diria até que tenho uma certa facilidade, mas nunca me vi como a figura de um gênio (risos).

Ascom – Quais são suas expectativas para o prêmio Fields, considerado o Nobel da Matemática, que será entregue durante o International Congress of Mathematicians (ICM – Congresso Internacional de Matemáticos), na Coreia do Sul, no ano que vem? E o que isso pode representar para o Brasil?

FC – Embora seja difícil, eu procuro evitar pensar muito nisso por causa da ansiedade, que atrapalha. Claro que todo matemático, desde o início da carreira, sonha em um dia poder ganhar esse prêmio, então a gente já fica muito contente em ter o nome comentando, porque figurar na lista já é uma grande honra. Eu quero continuar pesquisando, trabalhando e, se vier, vai ser bom, mas tentar evitar pensar porque deixa a gente um pouquinho nervoso (risos).

Todo o processo de escolha é sigiloso, você não sabe nem quem é o comitê. As pessoas comentam do meu nome principalmente porque eu fui convidado para ser plenarista e porque existe um limite de idade, só pode ganhar o prêmio até os 40 anos, por isso os plenaristas que têm até essa idade são possíveis candidatos. Eu já palestrei no ICM em 2012, mas será a primeira vez que serei plenarista; é um número mais seleto, porque é escolhida apenas uma pessoa de cada área, então já é um prestígio muito grande ser convidado para ministrar uma plenária.

Ascom – Como você enxerga os incentivos de hoje para esta ciência na formação de base, a exemplo da Olimpíada de Matemática?
FC – São incentivos extremamente positivos. Eu nunca fiz Olimpíada de Matemática, porque, na época, não tinha chegado ainda no meu colégio. Eu até reclamo com o pessoal que organiza hoje que, se tivesse aparecido, eu teria feito! Mas acredito que atualmente está muito difundido e, sempre digo que talento surge em qualquer lugar, só precisa incentivar a encontrar esses talentos; então, a Olimpíada é uma forma de detectar as pessoas que têm uma vocação específica para área. Com relação ao ensino, boa parte das pessoas não gosta de Matemática porque, geralmente, teve um professor que não ensinava da maneira mais interessante possível. Eu acho que poderiam explorar um pouco mais da ligação com a realidade e incentivar a parte divertida da Matemática, que é o componente lúdico. Eu gosto do que eu faço porque eu acho divertido. Acho que tem muito a melhorar ainda, mas, está no caminho certo.

Ascom – Você acredita que no Instituto de Matemática da Ufal ou em algum lugar de Alagoas pode haver um novo Fernando Codá?
FC – Com certeza! Acho que deve sim existir e, muitos desses, são perdidos por falta de estímulo. Às vezes, não tem estrutura na escola, não tem um professor que estimule, uma família que incentive, ou seja, os pais e os professores são fundamentais nesse processo. Esses talentos existem, mas é preciso acreditar nisso e ir em busca deles.

Ascom – A base da sua formação foi em Alagoas. Qual a importância da Ufal nesse processo e nos caminhos que você decidiu seguir?
FC – A Ufal foi muito importante porque foi dentro dela que eu descobri essa minha vocação para a Matemática. Eu sempre gostei, desde criança, mas eu tinha um pouco daquela ideia meio equivocada de que na Matemática já está tudo feito, que não existe Matemática nova, e eu mudei essa visão entrando na Universidade, assim que comecei a ler livros de Matemática mais avançada, ligada à pesquisa. Aprendi que esse é um assunto muito dinâmico, que descobertas estão sendo feitas a todo momento. Sempre tive excelentes professores na Ufal, tanto na Engenharia Civil quanto na Matemática, um deles é o professor Hilário Alencar, que foi meu orientador de Iniciação Científica, onde me possibilitou descobrir esse caminho. Eu tenho muito carinho pela Ufal, sempre volto aqui e tenho ajudado a organizar um evento anual [Workshop de Geometria Diferencial] que traz matemáticos do exterior e do Brasil para Maceió. Quero ter sempre essa ligação com o pessoal daqui.

Ascom – Todos que se referem a você evidenciam sua simplicidade. Isso ajuda de que forma?
FC – Em vários aspectos, principalmente no relacionamento com as pessoas. Eu gosto muito de estar entre meus familiares, meus amigos, então ajuda nessa parte social, eu acho. Mas eu sou simples porque é meu jeito mesmo; eu faço as coisas que eu gosto e me identifico muito com as outras pessoas.

Ascom – Como você descreveria o alagoano Fernando Codá?
FC – Acho que sou uma pessoa muito apegada às minhas raízes, tanto à minha terra, Alagoas, quanto à minha família. Faço questão de vir várias vezes por ano, ficar na casa dos meus pais, porque, sempre fomos uma família muito unida. Eu me definiria um filho da terra que está fazendo carreira fora. Eu saí de Alagoas, mas Alagoas não saiu de mim (risos), estou sempre com um pezinho aqui.

Fonte: Ascom/Ufal

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