Ideologia de gênero: que monstro é esse?

Recentemente, tenho visto e lido uma espécie de comoção social contra o que se convencionou chamar de “ideologia de gênero”, que, segundo se diz, seria uma onda ideológica que estaria prestes a ser alastrada nacionalmente, por meios dos planos estaduais e municipais de educação.

Segundo li, inclusive de pessoas com relevante grau de instrução, a “ideologia de gênero” seria responsável por, nas escolas, doutrinar as crianças de que elas não tem formação sexual definida, que meninos e meninas podem “escolher” que identidade de gênero e até que orientação sexual seguir. Segundo os mais catastróficos, isso seria o início para o fim da sociedade, criando uma massa uniforme de pessoas, sem valores, sem ética, apta a ser dominada por regimes totalitários.

Antes de demonstrar quão falaciosa é essa história toda, deixem-me esclarecer alguns pontos sobre “gênero”.

A sexualidade humana é formada por três esferas: sexo, gênero e orientação sexual. “Sexo” é o que conhecemos por macho e fêmea, é algo biológico, definido pelo organismo. Homem e mulher, para ficar mais fácil. “Gênero” é a construção psicocultural do universo “masculino” e do universo “feminino”. Em palavras simples, dizer que azul é cor de homem ou rosa é de mulher, faz parte da esfera “gênero”. Que o homem brinca de carro e a mulher de boneca, quem diz é o “gênero”. Que homem deve usar calça e mulher saia, coisa do “gênero”. Por fim, “orientação sexual” é a atração afetiva para o sexo. Se essa atração parte de uma pessoa para outra do sexo oposto, tem-se os heterossexuais. Se para o mesmo sexo, homossexuais. Se para ambos, bissexuais.

Pois bem. Na maioria dos casos, as pessoas tem sexo, gênero e orientação sexual alinhadas à maioria. “Maioria” e não “normalidade”, frise-se. Digo isso porque nem tudo que não faz parte da maioria deve ser tido como anormal. Retomo: Na maioria dos casos as pessoas tem sexo, gênero e orientação sexual alinhadas. O macho tem identidade de gênero masculina e é heterossexual. A fêmea tem identidade de gênero feminina e é heterossexual.

Há porem casos – e muitos casos, mas não a maioria – em que as esferas da sexualidade têm outro padrão de alinhamento. Ocorre, por exemplo, quando um macho tem identidade de gênero feminina e orientação sexual homoafetiva. Veja-se que, embora tenha caracteres biológicos de macho, a construção mental que essa pessoa tem de si (que pode aflorar desde muito cedo ou pode durar uma vida inteira para que aflore ou para que essa pessoa consiga se aceitar) é de um gênero diferente. O homem se vê identificado com as coisas de mulher, num processo tão natural quanto o que ocorre com o homem que se identifica com o gênero masculino. É quase um instinto. Não dependeu de construção, de ensinamento, de trauma ou de qualquer outro fator. Alguma determinação inexa fez com que o homem tivesse identidade de gênero feminina.

Como os três elementos da sexualidade são autônomos, pode ocorrer, por exemplo, de um homem ter identidade de gênero masculina e orientação sexual homoafetiva. Ou seja, o homem é biologicamente macho, tem identidade masculina (no falar, no vestir, no portar, etc) mas é sexualmente atraído por pessoas do mesmo sexo.

Há, por exemplo, os homens que, biologicamente machos, se identificam no gênero feminino e tem orientação sexual heteroafetivas. São o que se denominam “crossdresser”. Vejam: são homens heterossexuais que se vestem de mulher. Há vários casos. Podem procurar na internet. Isso mostra como os elementos da sexualidade agem de forma diferente.

Compreender essas três esferas da sexualidade e entender que elas nascem com o ser ajuda de forma muito relevante para a tolerância à diversidade. Do mesmo modo que você, que está lendo esse texto, tem suas esferas de sexualidade definidas desde a mais tenra idade, sendo impossível que alguém, com qualquer doutrinação, consiga mudá-las, as pessoas que são homossexuais, as pessoas do sexo biológico “homem” mas que se identificam no gênero como mulher, as mulheres biológicas que se identificam no gênero masculino, etc, também tem suas esferas bem definidas. Repito: É algo tão natural e tão instintivo que não como lutar contra. O que pode haver – e há muitas vezes – é o acobertamento dessa condição pessoal. É o que pejorativamente se chama de “ficar no armário”. Quem fica no armário sabe o que é. Mas tem medo de enfrentar, tem medo de se aceitar e, talvez, você, sem se dar conta, contribui para manter viva essa cultura do medo.

Não tema! Ninguém consegue mudar esfera de sexualidade de ninguém. Nenhum homem heterossexual passará a ter inclinação homoafetiva porque viu, leu ou respeitou alguém assim. Nem mesmo seu filho ou filha, se já não tiver nascido gay ou lésbica, conseguirá aprender a gostar de algo que seu instinto não determinou. Cada nasce com seu padrão sexual (suas esferas) posicionadas e ninguém transfere ou ensina a alguém a gostar do que não gosta. Faça o teste: se imagine se identificando com o gênero diferente do que hoje você se identifica. Se imagine sendo atraído sexualmente pelo sexo diferente do que hoje você é atraído. Há como mudar isso em você? Não! Nem em ninguém! Cada um já é o que é.

Voltando à questão da “ideologia de gênero”, consultando o Plano Nacional da Educação, Lei Federal 13.005/2014, constatei que não existe, em nenhuma parte do texto, sequer a palavra “gênero”. A única orientação em matéria “sexual” está no item 7.23 e a prescrição é para que se combata qualquer forma de violência, inclusive a doméstica e a sexual. Nada há de construção de uma nova sociedade baseada em estimulo sexual, incesto, masturbação, pedofilia, zoofilia, como andei lendo por aqui. Nos Estados e Municípios também não há orientação alguma para esse apocalipse que estão fomentando. A orientação é uma só: menos violência, mais tolerância, mais respeito.

Estou muito convencido de que as questões das esferas da sexualidade precisam ser mais divulgadas, conhecidas e compreendidas. Não para estimular ninguém a ser isso ou aquilo, porque, como dito, nenhuma doutrina pode mudar o que é inato em cada ser. Estas questões precisam ser discutidas, pelos pais com seus filhos, no momento certo, na hora apropriada, de forma educativa, para que os filhos e as pessoas em geral possam entender que ser diferente da maioria não é ser melhor nem pior. Que o amiguinho que tem jeito diferente não precisa ser tratado de forma diferente. Que pessoas não precisam ser apontadas, discriminadas, violentadas ou mortas por terem nascido como nasceram. A ideologia que temos que pregar e defender é justamente essa: a do respeito.

* É jornalista, bacharel em direito e oficial da PMAL

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