Uruta dizia sempre em Anadia

Dentre as figuras folclóricas da minha terra, este personagem teve um papel relevante nas relações humanas. Sem querer fazer nenhum estudo sobre o comportamento das pessoas, nem tão pouco estudar o caráter, apenas relatar como a vida nos revela seus mistérios.
Senão vejamos: Um marceneiro de ofício que trabalhava o ano inteiro, de sol a sol, sempre com suas roupas esfarrapadas, sujas de suor da labuta, com acréscimo da poeira do tempo, tudo normal para quem se dedicava com todo amor a esse trabalho.

Profissão digna de respeito desde primórdios, pois, São José também tinha o mesmo ofício. Na nossa terra, haviam marceneiros famosos como Manoel Eugênio, Manoel Avim, Adelmo Bento, Cordelho Jacó. Uruta era um biótipo alto, magro, cabelos negros e lisos, possuía músculos bem definidos, podemos assim dizer, um atleta, mas não era bonito.

A beleza que possuía ficava plantada dentro da sua alma, convenhamos de difícil acesso, é bem verdade. Esquecido por muitos, que só o procurava em caso da necessária utilização de seus préstimos, sua arte com a marcenaria lhe rendia elogios, pois, transformava madeira em verdadeiras obras de artes. Mas, quando chegava o carnaval a coisa mudava completamente, Uruta se transformava, deixava de ser tímido, comprava uma roupa de linho branco, tomava um banho caprichado, penteava os cabelos com brilhantina, e o seu maior orgulho era poder ostentar pelo menos dez, lanças perfumes da marca Rod ouro, para gastá-las no período de momo, com o paletó cheio do saboroso perfume, que nem todos na época o possuíam. Saia festa a fora a comemorar. “Sempre é carnaval, tudo é carnaval vamos embora pessoal”!

Nas ruas de Anadia o frevo se espalhava e a alegria era contagiante, e dentre os foliões quem mais se destacava era o personagem alegre e feliz, Uruta. Repetindo sempre com um gesto cordial a todos que lhe solicitava, com seu lenço branco distribuía porres e mais porres de lança. E por ai começava a lição de vida, estando recheado, cheio do envolvente perfume os amigos eram muitos e todos ao seu redor.

Quando notava que seu estoque estava por terminar. Constatava e logo exclamava, estão indo embora os amigos! Pegando carona na música genial do mestre Dominguinhos, Amizade Sincera que diz:
“Amizade sincera é um santo remédio
É um abrigo seguro
É natural da amizade
O abraço, o aperto de mão, o sorriso
Os verdadeiros amigos
Do peito, de fé
Os melhores amigos
Não trazem dentro da boca
Palavras fingidas ou falsas histórias
Sabem entender o silêncio
E manter a presença mesmo quando ausentes
Por isso mesmo apesar de tão raro
Não há nada melhor
Que um grande amigo.

Uruta praticava da sua forma e maneira a lição do amigo, mesmo sem ter escrito ou ouvido esta canção, mas, com gestos simples e praticando o que a letra da música nos mostra, nos fazendo refletir. Amigo, palavra chave para se ter sucesso na vida, acredito eu…
E entre essa história, o choro e o gemido de uma sanfona, uma taça de vinho, acabei perdendo um parceiro de silêncio, Abílio.

Consciente do tamanho da lacuna que o camarada Abílio nos deixou. Assim como Uruta, chego a afirmar, simplificando e sendo econômico com as palavras, para descrever a enorme perda, atônito com as surpresas que a roda da vida nos prega. Posso confessar constatando: Fiquei desfalcado no meu estoque de coisas boas que a vida me deu.

(*) Ex-secretário de Estado

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