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Crônicas e Agudas por Walmar Brêda

Walmar Coelho Breda Junior é formado em odontologia pela Ufal, mas também é um observador atento do cotidiano. Em 2015 lançou o livro "Crônicas e Agudas" onde pôde registrar suas impressões sobre o mundo sob um olhar bem-humorado, sagaz e original. No blog do mesmo nome é possível conferir sua verve de escritor e sua visão interessante sobre o cotidiano.

Todas as postagens são de inteira responsabilidade do blogueiro.

O miau

 

Estava sentado no balcão de  barzinho, quando notei ao meu
lado um conhecido meu. Tratava-se de um jovem que há muito eu admirava pelo empreendedorismo à frente do seu negócio, o qual administra com a dose certa de cautela e ousadia. Apesar de seu sucesso profissional, o rapaz possuía  hábitos simples, sem a ostentação tão típica de muitos jovens bem sucedidos, o que aumentava ainda mais minha admiração e respeito, embora não o conhecesse intimamente.
Pois bem, começamos a jogar conversa fora onde conversávamos sobre mercado, negócios, economia, administração, investimentos e outros assuntos afins, num papo leve e agradável.  Num certo momento, comentei que a vida não era fácil e que tínhamos que correr sempre  atrás,  e ao falarmos sobre o custo de vida, citei como exemplo o alto valor da minha conta de luz. Ele se admirou e falou despudoradamente:
-A minha era para ser o mesmo valor se eu não tivesse um “gato” há mais de 15 anos!
Acho que ficou estampado em meu rosto o meu espanto e desapontamento, tanto que ele insistiu:
-Rapaz, se a gente não fizer isso não tem como ter as coisas. É um valor absurdo!
Mas o estrago já estava feito. Quanto mais ele se justificava, menos eu conseguia disfarçar minha decepção por tal declaração, que trazia embutida todo um conceito de desonestidade metida a esperta que expunha exatamente a face negativa de nós brasileiros. Como não tinha intimidade alguma com ele, apenas comentei:
-É verdade, mas você sabe que estamos todos nós pagando a sua conta de luz…
Depois disso, ficou um leve desconforto no ar, tanto que não demorou muito, pedi a conta e fui embora.
Causou-me  espécie o desassombro em me falar da  sua desonestidade ao roubar sistematicamente a energia em sua casa. Se porventura eu tivesse o descaramento de fazer o mesmo um dia, não revelaria nem para mim mesmo, quanto mais para um conhecido na mesa  de um bar. Esse despudor foi o que mais me chamou atenção e talvez tenha sido o mais grave. Lembrei-me imediatamente de alguns amigos que me confessaram terem colocado um gato de energia em seus apartamentos novos assim como puseram o sofá, o armário embutido e a mesa de jantar – alguns até chamando-me de besta por não ter um bichano também.
Analisando friamente a situação, o que vemos aqui? Como um país pode prosperar, quando um empresário bem sucedido põe um “gato” com o intuito de pagar menos energia, alegando candidamente que “se não for assim não dá para se ter as coisas”? Com essa alegação, poderia justificar também  roubos de cargas, suborno de fiscais, venda de produtos falsificados e um leque de outros delitos , porém permitidos e justificáveis em nome de uma vida mais confortável.
Talvez esse rapaz nunca tenha parado para refletir sobre a gravidade de seu comportamento, ou talvez nem se importe e acredite mesmo que está certo e o resto que se exploda. O certo é que isso é o que afunda nosso país – afirmo isso sem exagero algum.
Então, já perto de ir embora, fiz uma pergunta justa:
-Mas, você também colocou um gato nas suas lojas?
Ele então respondeu “claro que não” como se eu tivesse feito uma pergunta absurda. Acontece que obviamente a partir dali eu poderia concluir qualquer coisa após a sua confissão – afinal, a caixa de Pandora já estava aberta. Finalmente, despedi-me sem disfarçar o impacto que aquele fim de conversa me causou.
Espero que de alguma forma aquilo tenha servido para provocar-lhe alguma reflexão – mas, com certeza não. Pode até ser que tenha me achado besta, assim como o tal amigo meu, mas prefiro dormir na minha cama em paz – mesmo que o ar-condicionado esteja levando parte do meu suado dinheirinho e com isso fique ainda mais difícil  eu “ter as coisas”.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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