Sobre Perder

Hoje, uma leitura de tarô trouxe o tema do medo de perder, de pagar preços, de que tudo tem consequência. Tão curiosa a sincronia, desse tema, com essa lua cheia em Touro, de hoje. Touro que se apega porque não quer perder, e perder não é pagar um preço? Então me veio esse poema da Elizabeth Bishop, que é tão 8 de Copas. Esta que é a carta dos vícios emocionais justamente porque, em seu lado positivo, é também a carta da renúncia — renunciar pra não viciar — do saber desistir e perder uma coisa, que, às vezes, até já nem serve, pra ganhar outra, que sirva melhor. Taurinos, se identificam? O que é familiar e seguro acaba mais importante do que o prejuízo ou o benefício que traz, não é? Agarramo-nos até ao que é veneno, doença, sofrimento.

(Pra sair de um cacoete, fixação, obsessão, dependência de qualquer tipo, o mortal não tem que renunciar a alguma coisa? Sim, isso funciona como uma mágica. Quebra o encanto. A quem aceita perder, nada pode matar.)

E, assim, o mortal vai ficando vivo, ganhando tempo, des-aceitando ser imortal. Perdendo.

No 8 de Copas, Psiquê desce as escadas para o mundo dos mortos para fazer o seu último trabalho (e isso, talvez, envolva morrer — essa carta é fantástica, já falei dela antes!), mas, ela, a essa altura, já sabe que morrer não é um problema. Que só ganha mesmo quem sabe perder. Pois então, perder não é um problema? Não, porque está incluído no pacote. É um ‘não-problema’ vitalício. (E aqui corrobora a carta da Roda da Fortuna, com seu “tudo passa”). O perder, é o passar-mor!

E o que não passa não está vivo. (E um problema, mesmo, pode ser não fazer o que precisa ser feito.) Escolher é preciso. E escolher é perder. E não escolher pode ser um tipo de morte lenta e angustiante? Pode. Então perder logo e mais rápido pode levar à ‘morte’ como deve ser, aquela que permite renascer, recomeçar, ‘passar’. Para a próxima coisa, para o passo que espera mais adiante (agoniado, pois não chegamos ainda). (Minha psicanalista falou que “perder é tão estruturante”. Plutão deve achar a mesma coisa… Embora, minha psicanalista não deva querer saber de Plutão. Não, não quer.)

Saber renunciar é a porta de saída do quartinho da dúvida, e a entrada no mundo dos adultos, os “mortos”. Psiquê desce as escadas na direção da morte e aprende a desistir para, assim, existir.

(lembrando que a lunação do mês é no Escorpião, o expert em entregas, solturas, fusões e mortes, das mais mortíferas às mais bem morridas.)

….

A ARTE DE PERDER
Elizabeth Bishop

A arte de perder não é nenhum mistério;
Tantas coisas contêm em si o acidente
De perdê-las, que perder não é nada sério.

Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,
A chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Depois perca mais rápido, com mais critério:
Lugares, nomes, a escala subseqüente
Da viagem não feita. Nada disso é sério.

Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
Lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Perdi duas cidades lindas. E um império
Que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.

Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo
que eu amo) não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser mistério
por muito que pareça (Escreve!) muito sério.

 

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