Paciente com lúpus diz que cloroquina manipulada ficou 700% mais cara

Patrícia Nolasco precisa tomar hidroxicloroquina manipulada; medicamento teve alta de 576% — Foto: Arquivo pessoal

Após uma queda volumosa de cabelos, a professora Patrícia Nolasco, de Belo Horizonte (MG), descobriu que tem lúpus, uma doença autoimune e sem cura. Há pelo menos cinco anos, os sintomas estão sem se manifestar graças ao tratamento com hidroxicloroquina, até então conhecida apenas por quem tinha o mesmo diagnóstico e precisava fazer uso do medicamento.

Mas, nos últimos meses, após a hidroxicloroquina ser associada, sem evidências científicas, ao tratamento da Covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2), ela viu o preço aumentar na farmácia de manipulação que costumava comprar o medicamento.

“Não posso ficar sem medicamento. Minha doença está controlada, mas eu tenho que continuar o tratamento pelo resto da vida”, disse a professora.

A Associação Nacional dos Farmacêuticos Magistrais (Anfarmag), que reúne farmácias de manipulação de todo o país, confirma a alta no valor do medicamento no Brasil todo.

A justificativa, diz a entidade, seria a alta do dólar nos últimos meses, que afeta o preço dos insumos importados; e o aumento da demanda de substâncias que tenham sido relacionados à pandemia do novo coronavírus.

Por recomendação do seu médico, Patrícia sempre optou por fazer a fórmula manipulada, mas agora vai comprar o medicamento pronto, que não sofreu reajustes, e dividi-lo ao meio.

“Por eu ser muito magra, não podia comprar pronto da farmácia, que é de 400 mg e é muito forte para mim. Por isso, sempre fui à mesma farmácia para manipular a fórmula indicada, que é de 300 mg. Agora, vou comprar o outro e dividir ao meio”, contou.

Patrícia diz que pagava em torno de R$ 130 em um frasco com 90 comprimidos manipulados. Há três meses, entretanto, precisou desembolsar R$ 290. Neste mês, quando procurou a farmácia de manipulação, o valor saltou para R$ 1.112,80, uma alta de 756%.

A reumatologista membro da Associação Mineira de Reumatologia Maria Fernanda Guimarães explicou que é praxe a indicação de fórmula manipulada ou de intercalar a medicação por dias da semana, já que a dosagem deve ser por peso do paciente. “Se o medicamento for sulcado, com divisão própria ao meio, ainda é possível dividir, sem prejuízos”, afirmou.

Se ficar sem a hidroxicloroquina, o lúpus pode voltar a manifestar os sintomas que, além da queda de cabelo, vão a vermelhidão da pele e até comprometimento dos rins.

“Existem muitos riscos para os pacientes que ficam sem o remédio. Ele diminui a mortalidade a longo prazo. Diminui chance de ter recaída da doença. Ele modula o sistema imune do paciente, melhora colesterol, diminui chance de trombose”.

Para comprar a hidroxicloroquina, é necessário ter receita médica, que fica retida nas farmácias.

Desde o início da pandemia do novo coronavírus, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump; e do Brasil, Jair Bolsonaro (sem partido), passaram a defender o uso da hidroxicloroquina como aliada no tratamento de Covid-19.

O uso do medicamento para este fim, entretanto, não tem evidências científicas. Ainda no final de maio, o primeiro estudo que recomendava o uso de hidroxicloroquina associada à azitromicina para tratamento de pacientes com Covid-19 foi tirado do ar. A medida foi tomada pelos autores franceses após críticas à metodologia adotada; e à publicação de um outro estudo na revista médica The Lancet, que apontava a falta de eficácia do medicamento no tratamento da Covid-19. Os resultados, inclusive, sugerem piora a quem recorre ao tratamento. 

G1 entrou em contato com a farmácia onde Patrícia manipula o medicamento e a atendente confirmou o reajuste. Informou, ainda, que a alta se deve à dificuldade para conseguir matéria-prima do fornecedor.

Em uma outra rede de farmácias da capital mineira, que também faz medicamentos manipulados, a atendente também relatou a dificuldade e encarecimento de insumos para produzir o medicamento.

Escassez de matérias-primas

A dificuldade para a compra de matéria-prima utilizada na produção da hidroxicloroquina não acontece somente em Minas Gerais, segundo a Associação Nacional dos Farmacêuticos Magistrais (Anfarmag), que reúne farmácias de manipulação de todo o país. Desde março, a associação acompanha a dificuldade para obtenção de insumos no Brasil.

Em pesquisa realizada com associados, há quatro meses, 40,1% dos entrevistados apontavam dificuldade com disponibilidade e preço de insumos. Em junho, o percentual já era de 65,4%. Segundo a Anfarmag, algumas matérias-primas chegaram a ter reajuste de mais de 2.000%.

A justificativa, segundo o farmacêutico e diretor executivo da Anfarmag Marco Fiaschetti, seria a alta do dólar nos últimos meses, que afeta o preço dos insumos importados. O aumento da demanda de substâncias que tenham sido relacionados à pandemia, como vitaminas C e D, que são relacionadas à imunidade, também levou a reajuste, segundo a entidade.

“O que a gente vem observando desde o começo de toda a pandemia é uma inflação bastante significativa na cadeia fornecedora da farmácia. Não só hidroxicloroquina, mas um conjunto de matérias primas que estão sendo demandadas pela sociedade e estão tendo os seus preços muitíssimo aumentados”, afirmou .

Fiaschetti explicou ainda que as farmácias de manipulação geralmente têm farmacêuticos como proprietários e são de menor porte, o que pode afetar na dificuldade para negociar preço de insumos.

“É comum ter que administrar por volta de 2 mil itens. Como são pequenas empresas não compram estoques para um ano, não compram caminhão de matéria prima, cada vez que precisa se abastecer no mercado de provimento, o preço está maior. Ou a farmácia repassa parte para o consumidor ou deixar de produzir o medicamento”.

Até a publicação desta reportagem, o G1 aguardava retorno da Associação Brasileira dos Revendedores e Importadores de Insumos Farmacêuticos (Abrifar) sobre a alta no preço dos insumos.

Fonte: G1

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