Empresário preso na Tris in Idem afirma ter feito pagamentos a Witzel quando governador afastado ainda era juiz federal

Na segunda denúncia contra o governador afastado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), a Procuradoria-Geral da República (PGR) cita o depoimento de Edson Torres, um dos presos na Operação Tris in Idem.

Torres afirmou ao Ministério Público Federal (MPF) que fez pagamentos a Witzel em 2018, quando o governador afastado ainda era juiz federal.

No depoimento, Torres disse que, em troca, assim que Witzel se elegeu, cada grupo que havia ajudado procurou espaços no governo para ter retorno do dinheiro investido — e o desvio, segundo o depoente, chegou a R$ 50 milhões só na Saúde.

Depoimento após prisão
Após deixar a cadeia, Torres, apontado como sócio do presidente nacional do PSC, Pastor Everaldo, decidiu prestar um depoimento ao MPF — segundo os procuradores, para confessar os crimes que cometeu.

O empresário narrou ao MPF que conversou com Everaldo sobre a necessidade de dar um “conforto e uma segurança financeira para o então juiz federal”. “Caso ele pedisse demissão e se perdesse a eleição, não teria a garantia dos vencimentos que recebia enquanto juiz”, depôs.

Torres disse que marcou reuniões com alguns empresários. “Mas, diante da perspectiva mínima de chance da eleição, houve poucos interessados”, disse.

Em setembro de 2018, por exemplo, Witzel tinha 2% das intenções de voto, segundo pesquisa Ibope.

Segundo Torres, o doleiro Victor Hugo Cavalcante se interessou, e o grupo acertou uma arrecadação de R$ 980 mil.

O empresário afirmou ao MPF que esse dinheiro foi pago em espécie a Witzel durante quatro meses em cinco parcelas de aproximadamente R$ 150 mil.

Edson Torres confessou aos procuradores que entregou a primeira parcela ao Pastor Everaldo; outra a Lucas Tristão; e a terceira e a quarta teriam, segundo Torres, sido pagas por Victor Hugo.

O empresário afirmou que entregou pessoalmente a última parcela em uma sala onde estavam Witzel e Everaldo. Torres disse que abriu uma pasta, retirou maços de dinheiro de R$ 50 mil, cada, e entregou ao Pastor Everaldo, “que repassou a Witzel, que colocou em uma bolsa que estava levando”.

‘Caixinha da propina’ em troca
Edson Torres explicou em depoimento que os grupos que ajudaram Witzel ainda na campanha escolheram espaços no governo para reaver os investimentos.

“Segundo confessado por Edson Torres, do início do governo (em janeiro de 2019) até junho deste ano, essa ‘caixinha da propina’ na Secretaria Estadual de Saúde arrecadou vantagens indevidas no valor de aproximadamente R$ 50 milhões”, diz o MPF.

Ainda, segundo Edson Torres, a propina era sempre exigida em espécie. Em regra, o percentual variava de 3% a 7%.

E ficou combinada a seguinte divisão:

15% para o próprio Torres;
15% para Victor Hugo Cavalcante;
30% para Edmar Santos, ex-secretário de Saúde;
40% para a estrutura do governo — que englobaria Everaldo e o governador.
O rateio é o mesmo que havia sido informado por Edmar em delação premiada.

Transferências de escritório
Os investigadores descobriram que a empresa Atrio-Rio, ligada ao empresário Mário Peixoto, repassou R$ 225 mil entre julho e outubro de 2018 para o escritório Tristão do Carmo e Jenier advogados associados, do qual o ex-secretário estadual de Desenvolvimento Econômico, Lucas Tristão, era sócio majoritário.

Pela quebra de sigilo fiscal de Witzel, foi possível identificar que o então candidato recebeu do escritório de Tristão R$ 412 mil ao longo de 2018.

Para os investigadores, era uma forma de viabilizar a transferência indireta de valores de Mario Peixoto para Witzel.

Caderno com anotações
Helena Witzel foi denunciada por ter recebido pagamentos de empresas suspostamente ligadas a Mario Peixoto por serviços nunca prestados.

Na Operação Tris in Idem, os investigadores encontraram um caderno dentro da bolsa dela.

Nele, em uma página, anotações de empresas, meses e valores.

Em outra página, datas, valores e os nomes das empresas, como Dpad, Coop e Quali —suspeitas de ter pagado por serviços nunca prestados, pra esconder o repasse de propina.

A Polícia Federal comparou as letras com outros documentos e concluiu que a primeira tabela foi escrita por Wilson Witzel. A segunda, por Helena.

Os investigadores acreditam que, pelo caderno, o governador afastado tinha conhecimento dos pagamentos suspeitos.

A segunda denúncia
Nesta segunda-feira (14), a PGR denunciou Witzel ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) pela segunda vez. Agora, Witzel é apontado como líder de uma organização criminosa que teria montado um esquema para o desvio de recursos públicos.

Além de Witzel, foram denunciados:

Helena Witzel, primeira-dama;
pastor Everaldo Pereira, presidente nacional do PSC;
Edmar Santos, ex-secretário de Saúde;
Lucas Tristão, ex-secretário de Desenvolvimento Econômico;
Gothardo Netto, ex-prefeito de Volta Redonda;
Edson Torres, empresário;
Victor Hugo Barroso, doleiro;
Nilo Francisco da Silva Filho;
Cláudio Marcelo Santos Silva;
José Carlos de Melo;
e Carlos Frederico Loretti da Silveira.

A denúncia aponta o governador Witzel como chefe de uma organização criminosa lastreada em três pilares:

o primeiro grupo seria encabeçado pelo empresário Mario Peixoto;
o segundo, por Pastor Everaldo, Edson Torres e Victor Hugo Barroso;
e, por fim, o terceiro grupo seria comandado pelo empresário José Carlos de Melo.

O documento é assinado pela subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo.

“Nesse diapasão, a organização criminosa, somente com esse esquema ilícito de contratação de organizações sociais na área de saúde, tinha por pretensão angariar quase R$ 400 milhões de valores ilícitos, ao final de quatro anos, na medida em que objetivava cobrar 5% de propina de todos os contratos”, diz a denúncia.

Além da condenação penal, o MP pede que Wilson Witzel perca o cargo de governador do Rio em definitivo. Também quer que os denunciados sejam condenados a pagar indenização de, no mínimo, R$ 100 milhões.

Em nota (confira íntegra abaixo), o governador afastado do Rio criticou o que chamou de um “vazamento de processo sigiloso para me atingir politicamente”.

“Reafirmo minha idoneidade e desafio quem quer que seja a comprovar um centavo que não esteja declarado no meu Imposto de Renda, fruto do meu trabalho e compatível com a minha realidade financeira”, diz Witzel.

Advogados de outros citados negaram o envolvimento dos acusados nos ilícitos e disseram que ainda não tinham tomado conhecimento da íntegra da denúncia (veja os posicionamentos abaixo).

Outra denúncia no STJ
Em outro procedimento contra Witzel no STJ – resultante da operação Tris In Idem no fim de agosto –, o ministro Benedito Gonçalves decidiu suspender o prazo de resposta a Witzel e outros denunciados pelo Ministério Público.

O ministro entendeu que é preciso esclarecer as alegações, feitas por advogados dos investigados, de que não houve acesso à íntegra dos documentos que servem de base para a denúncia do MP.

Suspeita de desvios
A decisão que levou ao afastamento do governador faz parte da operação Tris In Idem, que investiga irregularidades e desvios em recursos da saúde do Rio de Janeiro. A primeira denúncia ao STJ foi feita pelo Ministério Público Federal no âmbito dessa operação.

A PGR afirma que o governo do RJ estabeleceu um esquema de propina para a contratação emergencial e para liberação de pagamentos a organizações sociais (OSs) que prestam serviços ao governo, especialmente nas áreas de Saúde e Educação.

A suspeita é de que o governador tenha recebido, por intermédio do escritório de advocacia de sua mulher pelo menos R$ 554,2 mil em propina. O MPF descobriu transferência de R$ 74 mil de Helena Witzel para a conta pessoal do governador.

A descoberta do esquema criminoso teve início com a apuração de irregularidades na contratação dos hospitais de campanha, respiradores e medicamentos para o enfrentamento da pandemia do coronavírus.

Witzel tem dito que jamais cometeu atos ilícitos, não recebeu valores desviados dos cofres públicos e que continuará trabalhando para “demonstrar a verdade”.

O que dizem os denunciados
Wilson Witzel, governador afastado do Rio
“Mais uma vez, trata-se de um vazamento de processo sigiloso para me atingir politicamente. Reafirmo minha idoneidade e desafio quem quer que seja a comprovar um centavo que não esteja declarado no meu Imposto de Renda, fruto do meu trabalho e compatível com a minha realidade financeira. Todo o meu patrimônio se resume à minha casa, no Grajaú, não tendo qualquer sinal exterior de riqueza que minimamente possa corroborar essa mentira. O único dinheiro ilícito encontrado, até agora, estava com o ex-secretário Edmar Santos.”

Helena Witzel, primeira-dama do Rio
O advogado José Carlos Tórtima, que defende Helena Witzel, disse que ainda não teve conhecimento dos autos e que só se pronunciará quando isso acontecer.

Pastor Everaldo, presidente do PSC
“A defesa do Pastor Everaldo esclarece que ainda não teve acesso à íntegra da investigação e da delação que embasaram sua prisão, ocorrida há 20 dias. A defesa informa que a nova de denúncia não está juntada aos autos processo e que não comentará trechos de processo que corre em segredo de Justiça. O Pastor Everaldo, que sempre esteve à disposição das autoridades, reitera sua confiança na Justiça e na sua libertação”, diz a nota enviada pelos advogados.

Edmar Santos, ex-secretário de Saúde
A defesa do ex-secretário afirmou que não comentará a denúncia.

Lucas Tristão, ex-secretário de Desenvolvimento Econômico
A defesa de Lucas Tristão afirmou que “repudia o vazamento seletivo de informações contra o mesmo que ocorrem desde o início destas investigações”, e que “não teve acesso ao conteúdo da referida denúncia”.

Victor Hugo Barroso, doleiro
A defesa de Victor Hugo afirmou, em nota, que foi surpreendida pela denúncia e irá se manifestar após estudo. “De todo modo, cabe dizer que Victor Hugo sempre negou a prática de delito. E, ao ensejo de seu depoimento, na Polícia Federal, assim se manifestou”, dizem os advogados.

José Carlos de Melo
“A questão inicial que se deve destacar é qual crime cometeu, que influencia seria essa, com Governo do Estado do Rio uma pessoa que não conhece o Governador. Qual a vantagem aferida? A denúncia parte de hipótese equivocada, não havendo base para uma acusação (apenas a palavra do delator) e conjecturas inquisitórias”, afirmou, em nota, o advogado Raphael Mattos.

Fonte: G1

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