Reforma administrativa ‘fake’ não afeta principais destinatários de privilégios, diz especialista

A proposta de reforma administrativa enviada pelo governo ao Congresso não afeta os principais destinatários de privilégios, uma vez que não abrange os membros dos poderes (parlamentares, procuradores, magistrados, entre outras categorias), segundo Gustavo Binenbojm, professor de direito administrativo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).

Binenbojm participou ao lado do presidente da Sociedade Brasileira de Direito Público, Carlos Ari Sundfeld, de um painel virtual sobre o assunto, promovido pelo Ibmec nesta quinta-feira (8) — mesmo dia em que a Frente Parlamentar Mista da Reforma Administrativa lançou no Congresso uma proposta de inclusão dos atuais servidores públicos e dos membros de poderes na reforma administrativa.

Entre os dois especialistas, há consenso sobre a necessidade da reforma administrativa, para reduzir gastos injustos e aumentar o grau de eficiência do serviço público.

O professor da Uerj classificou como “pouco ousada” a proposta da equipe econômica pelo fato de o texto não alterar as regras para os atuais servidores, atrasando, segundo ele, os efeitos econômicos da medida.

Para Gustavo Binenbojm, um dos “problemas” da proposta – que aumentaria a assimetria dentro do serviço público – é essa exclusão dos membros dos poderes.

“Muitos dos considerados privilégios que são enfrentados pela PEC [Proposta de Emenda à Constituição], como a previsão de férias anuais de 60 dias, a aposentadoria como uma punição – que, na verdade, soa mais como um perdão ou benção para o servidor que responde a algum processo disciplinar – são garantias que existem, sobretudo, no regime jurídico dos membros de poder, aqueles que foram excluídos da incidência da PEC. Se acena de um lado com a abolição de alguns desses privilégios, mas, por outro lado, se excluem os principais destinatários desses privilégios, como uma espécie de reforma administrativa fake”, declarou Gustavo Binenbojm.

Segundo o especialista, a justificativa dada pelo governo para não mexer com essas categorias — a de que o presidente não dispõe da iniciativa para tratar dessa questão — não é verdadeira.

“É fake news. O governo sabe que, em propostas de emenda, a iniciativa é de um terço de deputados ou senadores ou do presidente da República ou — algo que jamais acontecerá — de mais da metade das assembleias legislativas estaduais”, afirmou.

“Isso foi uma justificativa pseudo-jurídica para uma decisão política de excluir os membros de poder da reforma administrativa, evitar o desgaste político do governo com os membros dos poderes, o que resulta na preservação dos privilégios”, acrescentou o professor da Uerj.

O debatedor também disse que a única justificativa para a decisão do governo de não mexer nas regras para os atuais servidores é política. “Porque os futuros servidores não fazem greve, não fazem lobby no Congresso, não votam contra o governo”, afirmou Binenbojm.

Essa distinção, na avaliação do especialista, é “arbitrária”. “Isso transfere os efeitos dessa reforma para daqui a 15, 20 anos. Então me parece uma proposta, para dizer o mínimo, pouco ousada do governo federal em relação às mudanças da administração pública que exigem soluções atuais e as mais imediatas possíveis”, disse.

Para Binenbojm, a PEC do governo tem poucas chances de andar rápido e deve consumir quase todo o ano de 2021 em discussões no Congresso. Por isso, segundo ele, seria necessário estabelecer estritamente os pontos que dependem de reforma da Constituição e o que seria possível fazer por meio de leis infraconstitucionais.

‘RH do Estado’

O presidente da Sociedade Brasileira de Direito Público, Carlos Ari Sundfeld, defendeu o que chamou de “desconstitucionalização do RH do estado”, que, segundo ele, seria retirar da Constituição algumas normas que tratam do funcionalismo público, a fim de que o Congresso possa, por leis complementares, diminuir desigualdades e aumentar a eficiência do Estado.

“Nós temos que caminhar com reformas legais que são urgentes para diminuir a desigualdade, para aumentar a eficiência e, se formos pensar em aprovar emenda constitucional sobre o tema da função pública, dos agentes públicos, dos servidores, tem que ser uma PEC para tirar o RH público da Constituição e dar para o Congresso Nacional o poder de fazer por lei complementar aquilo que se tem querido fazer de modo fracassado por meio de emendas constitucionais”, disse Sundfeld.

Sundfeld acentuou a necessidade de se buscar mudanças com propostas de lei ordinária.

“Eu queria destacar a possibilidade e a necessidade de nós mexermos em pontos vitais por meio de lei ordinária. O professor Gustavo já mencionou o tema da avaliação de desempenho para fins de desligamento de servidores, que é uma flexibilização da estabilidade, que pode ser feita por lei complementar hoje e, portanto, é um exemplo importante”, completou o especialista.

Fonte: G1

Veja Mais

Deixe um comentário

Vídeos