Madalena, resgatada de trabalho análogo à escravidão, comemora aniversário pela primeira vez

Madalena Gordiano comemorou o aniversário de 48 anos com festa pela primeira vez — Foto: Reprodução/ Fantástico

história de Madalena Gordiano, que passou 38 anos por situação análoga à escravidão em Patos de Minas, segue sem prazo de recebimento da indenização pedida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e Defensoria Pública da União. O professor Dalton Rigueira, com quem ela vivia e era responsável por submetê-la à condição de escravidão doméstica, ofereceu um carro e o próprio apartamento como garantias de pagamento, mas depois retirou a proposta, antes que ela fosse homologada pela Justiça. O imóvel, o veículo e parte das contas dele estão bloqueados.

Desde os 8 anos ela teve de trabalhar na casa da família do professor. Madalena morava na casa dos patrões, não tinha registro em carteira, nem salário mínimo garantido ou descanso semanal remunerado. Em reportagem do Fantástico neste domingo (11), Madalena contou como foi comemorar pela primeira vez um aniversário, após 8 meses do resgate da casa onde viveu. Com uma nova rotina, agora ela tenta aproveitar também os períodos da vida que foram interrompidos.

Nova vida

 

Madalena Gordiano viu o mar pela primeira vez na última semana — Foto: Reprodução/ FantásticoMadalena Gordiano viu o mar pela primeira vez na última semana — Foto: Reprodução/ Fantástico

“Nunca fui feliz assim. Antes eu era triste. Muito triste. Hoje eu sinto que estou bem. Coração limpo. Estou libertada. Estou livre”, contou ela ao Fantástico.

 

Desde que se viu livre, Madalena passou a aproveitar coisas que nunca tinha conseguido. Foi para a praia pela primeira vez e até voltou com os estudos. Já os cabelos viraram símbolo de uma vaidade, que havia sido reprimida por quase quatro décadas.

“Não podia fazer unha, passar um esmalte vermelho. Hoje eu já passo vários esmaltes e tenho três cabelos”, ressaltou.

 

Para a assistente social Thais Teófilo, como Madalena “pulou toda essa etapa da primeira infância, não viveu adolescência, hoje passa por esse processo. Ela volta muitas vezes na infância, ora é adolescente, ora é adulta”.

Inspiração

 

 Madalena Gordiano com boneca que ganhou de Leda Lúcia, que também foi resgada em situação análoga à escravidão — Foto: Reprodução/ FantásticoMadalena Gordiano com boneca que ganhou de Leda Lúcia, que também foi resgada em situação análoga à escravidão — Foto: Reprodução/ Fantástico

Madalena se transformou no rosto mais conhecido da luta contra o trabalho escravo doméstico no Brasil. O caso dela repercutiu na imprensa do mundo todo. Depois que a história de Madalena foi divulgada, só nos primeiros seis meses deste ano 15 trabalhadoras foram libertadas, conforme apuração do Fantástico.

Entre elas, está Leda Lúcia dos Santos, que foi resgatada em situação análoga à escravidão em Salvador (BA). Ela inclusive teve o caso de Madalena citado na denúncia que a libertou. Por conta disso, presenteou Madalena com uma boneca no aniversário. “Aproveita bem essa boneca, foi feita com muito carinho para você”, disse Leda em ligação para Madalena.

Agora, livre e servindo de inspiração para outros casos como o dela, Madalena afirmou: “Hoje eu sinto que eu estou bem. Coração limpo. Estou libertada. Estou livre”.

Processo

Madalena segue aguardando uma resposta da Justiça do Trabalho, que ainda não tem prazo para concluir o processo. O Ministério Público Federal investiga o professor Dalton Rigueira, a mulher Valdirene e as duas filhas do casal Raíssa e Bianca, pelo crime de submeter Madalena à condição análoga à escravidão.

“A trabalhadora na condição análoga de escrava no âmbito doméstico é alguém que trabalha para a família. Então, temos que sempre que pensar que a família toda é beneficiada”, disse Márcia Orlandini, coordenadora da Clínica do Trabalho Escravo sobre as outras pessoas citadas na ação.

Dalton Rigueira também é investigado por apropriação indébita. Isso porque Madalena tinha direito a duas pensões, mas segundo o MPT, além de ficar com todo o dinheiro dessas pensões, ele ainda fez cinco empréstimos consignados em nome dela. Em junho, o último dos cinco bancos cancelou o empréstimo.

Em áudio enviado ao Fantástico, o advogado da família, Brian Epstein disse que:

A família vai apresentar como proposta de acordo, disponibilizar todos os bens que possuem. Constitui de um apartamento financiado e um carro. Tal qual eles se encontravam em janeiro de 2021. A família nega ter praticado qualquer conduta que se assemelhe a práticas análogas à escravidão em desfavor da senhora Madalena”.

História antes dos resgate

 

Madalena Gordiano no quarto onde vivia — Foto: Reprodução/FantáticoMadalena Gordiano no quarto onde vivia — Foto: Reprodução/Fantático

Madalena Gordiano contou como chegou até a família. Ainda criança, ela bateu na porta da casa da professora Maria das Graças Milagres Rigueira para pedir comida.

“Fui lá pedir um pão, pois eu estava com fome, ela falou que não me dava se eu não morasse com ela”.

 

A matriarca da família se ofereceu para adotá-la e a mãe de Madalena, que tinha nove filhos, concordou. Mas a adoção nunca foi formalizada.

Depois de 24 anos, a diarista foi trabalhar para o filho de Maria das Graças, o professor Dalton César Milagres Rigueira, onde vivia nas mesmas condições e de onde foi resgatada, em Patos de Minas.

Madalena Gordiano foi resgatada pelo MPT e Polícia Federal em Patos de Minas no dia 27 de novembro de 2020. Segundo investigação, ela viveu desde os oito anos de idade nestas situações.

A diarista, que não terminou os estudos, morava na casa dos patrões, não tinha registro em carteira, nem salário mínimo garantido ou descanso semanal remunerado.

De acordo com o auditor fiscal Humberto Moteiro Camasmie, ela dormia em um quarto pequeno e sem janelas. A mulher trabalhou primeiro para a matriarca da família e depois para o filho, que é professor universitário.

Fonte: G1

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