FPI visita agrofloresta com cultivo de plantas alimentícias não convencionais no Sertão

Projeto-piloto em Inhapi pretende promover a soberania alimentar de pequenos agricultores

Uma sigla nova para uma prática ancestral. É assim que Domênica Didier define o uso das chamadas Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs). Colaboradora do projeto Ecofarma – Quintais Tradicionais, iniciado há cerca de um ano e meio na zona rural de Inhapi, no Sertão de Alagoas, a servidora pública aposentada voltou à ativa movida pelo amor à natureza, mas, principalmente ao que ela considera sua peça fundamental: o ser humano. E nada melhor para isso do que pela abordagem da nutrição. “Minha luta maior é pela desconstrução do deserto alimentar”, diz a bióloga se referindo aos alimentos industrializados consumidos massivamente.

Para apresentar o que ela considera uma alternativa de alimentação saudável, nutritiva e que garante segurança alimentar, ela e seu companheiro no projeto, o técnico agrícola Claudemir Moreira, receberam a visita da da Fiscalização Preventiva Integrada (FPI) do São Francisco nesta quinta-feira (1/12) para mostrar o que considera um “paraíso”: uma agrofloresta que ocupa um hectare (o equivalente a um campo de futebol) com cerca de 150 espécies vegetais nativas entre hortaliças, frutas, além de criação de abelhas sem ferrão – a meliponicultura – e de tilápias num pequeno tanque.

Capitaneado pela Central das Associações de Agricultura Familiar (Ceapa), com financiamento da Fundação Banco do Brasil (FBB), em parceria com a Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarnh), Universidade Federal de Alagoas (UFAL), entre outros, o projeto Ecofarma – Quintais Tradicionais tem a participação de 120 agricultores, dentre os quais 20 indígenas Koiupanká, 20 quilombolas e 20 assentados da reforma agrária coordenados por uma equipe multidisciplinar. Mesmo sendo um projeto-piloto, as práticas agroecológicas já são replicadas numa comunidade tradicional próxima, o quilombo Aguadinha. Segundo a bióloga, que é ligada à Semarh, todo o projeto é estruturado nos quatro pilares da agroecologia, que contemplam aspectos ambientais, sociais, econômicos e culturais.

O conceito das PANCs é de um retorno às origens. É a utilização de plantas, ou partes de plantas, como sementes, vagens e flores, na alimentação humana, seja na forma in natura ou em preparos culinários. Assim como o quint agroflorestal, o uso da plantas alimentícias não convencionais foi trazido para o projeto pela bióloga, que trabalha com PANCs há 22 anos “Queremos devolver à comunidade os sabores já bem conhecidos pelos mais antigos, resgatar essa memória afetiva ancestral, porque comida também é cultura”, pontua Domênica. E foi justamente o viés cultural do projeto que chamou a atenção da FPI.

Reforçando as práticas agroecológicas, com uso de técnicas sustentáveis e nenhum tipo de agrotóxico utilizado no plantio, até mesmo a pintura das construções do projeto, como o tanque da piscicultura, é feita à base de pigmentos naturais. “Além de proporcionar o aproveitamento integral dessas plantas, que são naturalmente mais resistentes às intempéries da natureza e pragas, a alimentação com PANCs aliada ao manejo agroecológico proporciona o reflorestamento de áreas degradadas”, afirma Domênica. Graças à diversidade de plantas, toda uma biodiversidade é garantida, com a própria natureza se encarregando do resto. Espécies de árvores nativas, por exemplo, brotam das sementes deixadas pelos pássaros.

Acompanhando o trabalho da Equipe de Comunidades Tradicionais e Patrimônio Cultural da FPI, a promotora de Justiça Lavínia Lavínia Silveira, uma das coordenadoras da fiscalização, reconheceu o enorme potencial do projeto. “Além da difusão do conhecimento aplicado aqui para as comunidades tradicionais e pequenos agricultores, e da inclusão dessa alimentação saudável e nutritiva na merenda escolar, o projeto também proporciona uma melhoria na renda desses pequenos agricultores. Quando vemos um projeto como esse, percebemos o quanto às vezes estamos pisando numa “mina de ouro” sem perceber”, comenta a representante do Ministério Público do Estado de Alagoas (MP/AL), em referência ao potencial financeiro do projeto para a agricultura familiar, que é o modelo para o qual o Ecofarma foi pensado.

Soberania alimentar- E, de fato, as receitas culinárias criadas pelo projeto já estão sendo comercializadas pelos agricultores. No início, o projeto tinha como foco as plantas medicinais, mas logo ao ser convidada para o projeto, Domênica percebeu o quanto o salto adiante seria muito maior ao garantir a alimentação saudável e, principalmente, o que ela considera soberania alimentar. E, para isso, o projeto conta com um banco de sementes, que dão autonomia ao pequeno agricultor, livrando-o da dependência de terceiros ou do Governo. E, a afinal, uma alimentação rica em nutrientes vai tornar uma pessoa mais saudável, “mas quando tiver alguma doença, pode contar com as ervas, cascas e raízes extraídas da agrofloresta para se tratar, como a barbatimão ou aroeira, por exemplo, de ação antibiótica ou os lambedores, a base de mel e própolis, um excelente anti-inflamatório, e que ainda ajuda na imunidade”, pontua Domênica. “O que hoje denominamos PANCs são, simplesmente, a medicina natural utilizada pelos mais antigos”, acrescenta.

Juntamente com a Moringa, a Ora Pro Nobis é um dos carros-chefe da culinária da Ecofarma. As duas representam a maior parte da comercialização dos produtos do projeto. Vegetal rico em proteínas (28% a cada 100 gramas), a Ora Pro Nobis contém todos os nove aminoácidos essenciais ao ser humano, incluindo triptofanos, que atuam no estímulo à produção de serotonina pelo cérebro. Além de regular a pressão arterial, a planta também proporciona bem-estar. E como uma das primeiras regras da gastronomia nos ensina a querer “comer com os olhos”, o aspecto visual das receitas à base das PANCs é tão importante quanto seu valor nutricional. Por isso, após conhecer a agrofloresta, a Equipe de Comunidades Tradicionais e Patrimônio Cultural da FPI foi convidada para um banquete preparado pelos anfitriões: numa mesa minuciosamente decorada, com direito a flores comestíveis, mel de abelhas direto dos favos e suco de umbu, lá estava a Ora Pro Nobis, em forma de broa, de massa para pão e até um “sushi vegano” que utiliza as próprias folhas da planta em vez da folha feita com a alga marinha do sushi convencional.

Qualidade de vida – Um dos principais objetivos da FPI é justamente a melhoria da qualidade de vida dos povos da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. Preventiva, a fiscalização tem um caráter educativo, bem mais que punitivo. E, num projeto como o quintal, que já se espalha por comunidades tradicionais, como a dos quilombolas de Aguadinha – também visitada pela FPI – encontra um modelo de atuação exemplar. Pela sua atuação no projeto, Domênica Didier concorre ao Prêmio Ações Inovadoras do Estado de Alagoas, na categoria servidor público. “O mais inovador do projeto é que ele leva essa cultura para os mais jovens, que se tornam os disseminadores mais importantes dessa forma de ver a alimentação e a relação com o cultivo de alimentos em harmonia com a preservação da natureza”, afirma Domênica. “Com a experiência, aprendemos que muitas das condições que definem uma agrofloresta acabam nos mostrando que elas são nada mais do que os nossos antigos quintais”, finaliza.

Equipe 10 – A Equipe 10, responsável pelas comunidades tradicionais, é composta por Ministério Público Federal (MPF), Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Instituto do Meio Ambiente (IMA), Secretaria de Estado da Mulher e dos Direitos Humanos (Semudh), Rede Mulheres de Comunidades Tradicionais (RMCT), Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) e Batalhão Ambiental da Polícia Militar (BPA).

Fonte: Assessoria

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