Efetividade e eficácia na transparência salarial entre mulheres e homens

O Direito do Trabalho e a legislação trabalhista vivem, historicamente, o drama de sua efetividade e de sua eficácia, gerado, especialmente pelas circunstâncias sociais, econômicas e culturais. A eficácia de uma regra de direito ou de proteção social, no caso da legislação trabalhista, decorre da condição de obter o resultado desejado pelo legislador. Neste sentido, a Lei nº 14.611/2023, que dispôs sobre a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens, tratou de forma efetiva de hipótese de combate à discriminação de gênero, gerando a expectativa de sua eficácia no plano real, a depender de regulamento que deveria ser objeto de regulamentação.

No dia 23 de novembro, o governo federal publicou o Decreto nº 11.795 que, atendendo o disposto na Lei nº 14.611, regulamentou, ou pelo menos tentou regulamentar, os mecanismos de transparência salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens, cuja finalidade, para dizer o óbvio, é dar eficácia à proposta do legislador.

O decreto trouxe os mecanismos de controle na transparência salarial e de critérios de remuneração que são aqueles já anunciados pela lei, ou seja (1) o relatório de transparência salarial e de critérios remuneratórios; e (2) o plano de ação para mitigação da desigualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens.

O relatório de transparência salarial e de critérios remuneratórios implicará a necessidade de que as empresas informem objetivamente a sua política salarial, considerando os diferentes cargos e funções, apontando os critérios de acesso quando mantiver plano de cargos e salários e, ainda, relativamente ao salário, o decreto regulamentador vai a detalhamento quanto ao valor de todas as verbas salariais, inclusive as previstas em norma coletiva, que componham a remuneração do empregado, aí incluído o terço de férias e o aviso prévio indenizado (sic).

Relativamente às comissões pagas, comum no setor de comércio, as diferentes faixas de percentuais deverão demonstrar os critérios objetivos de percentuais de comissões. Quando se tratar de gratificações, que o decreto traz a expressão de forma genérica, presume-se que sejam as de natureza salarial e não as que são pagas por eventos especiais e de forma esporádica. No mesmo sentido, a participação dos trabalhadores nos lucros não fará parte do relatório de transparência a menos que o Ministério do Trabalho passe a confundir gratificação com participação nos lucros, negociada nos termos da Lei nº 10.101 de 2.000.

Claro está que o relatório de transparência salarial e de critérios remuneratórios, considerando sua objetividade descritiva, não deveria ser objeto de críticas ou questionamentos pelo Ministério do Trabalho, exceto se demonstrar flagrante afronta à lei ou evidente discriminação entre mulheres e homens no pagamento de salários ou de acesso a cargos. A publicação será semestral, nos meses de março e setembro de cada ano. Ficarão as empresas a mercê da aprovação pelo Ministério do Trabalho e, caso este, por seus agentes, considere que a empresa está discriminando salários entre mulheres e homens ou que haja critérios remuneratórios incompatíveis com o princípio legal, será obrigatoriamente implementado um Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens com medidas, metas e prazos, além de, entre outros, criação de programas educativos para capacitação de gestores a respeito do tema da equidade entre mulheres e homens, capacitação e formação de mulheres para o ingresso, a permanência e ascensão no mercado de trabalho.

A efetividade e eficácia de uma norma caminham juntas e se complementam. A existência da lei nem sempre, em direito do trabalho, tem significado, na prática, sua eficácia em razão de fatores econômicos, sociais e culturais. O tempo poderá consolidar a proposta da lei da igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens, mas dependerá da boa vontade e paciência dos agentes da fiscalização.

*Paulo Sergio João é advogado e professor de Direito do Trabalho da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)

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