Concessionária que administra Cemitério em SP cobra R$ 523 para uso da capela; família se revolta e faz cerimônia do lado de fora

Parentes de PM enterrado no local relata que já tinha pagado R$ 5,2 mil por sepultamento, mas empresa se recusou a abrir a capela para orações. Uso do espaço era gratuito antes de ser entregue à iniciativa privada. Grupo Maya confirma cobrança por hora, mas diz que não foi procurada pelos parentes.

A família do PM aposentado Elisier Ceballos, de 65 anos, está indignada com o que chama de “maior ultraje que o policial já viveu na vida”, na hora da morte.

Vítima de um problema de saúde causado por um longo tratamento contra o câncer, o 3º sargento da Polícia Militar foi enterrado no sábado (20) no Cemitério da Saudade, em São Miguel Paulista, Zona Leste de São Paulo.

Montagem/g1/Acervo pessoal

Despedido do PM aposentado Elisier Ceballos, de 65 anos, no Cemitério da Saudade, em São Miguel Paulista, Zona Leste, no último sábado (20).

Antes do sepultamento, os familiares quiseram fazer uma oração final de despedida na presença de amigos e dentro da capela do cemitério, mas relatam que foram impedidos de usar o espaço pela administradora do local.

Segundo a família, a capela – que era um equipamento público e gratuito antes da privatização dos cemitérios da capital paulista pela gestão Ricardo Nunes (MDB) – agora cobra mais de R$ 500 por hora para que as famílias possam se despedir dos entes queridos.

A solução para o impasse diante da cobrança, segundo o irmão do policial, foi pedir ao coveiro, do lado de fora da capela, que abrisse o caixão do falecido para que as últimas homenagens pudessem acontecer.

“Nunca vi isso na vida. Uma capela, que é chamada casa de Deus, fechar as portas para um filho querido na hora da precisão e da morte. É ultrajante e uma humilhação sem tamanho pra todos nós que ficamos e para meu irmão, que serviu ao Estado durante toda sua vida”, disse o comerciante Alessandro Ceballos.

 

Despedida de PM do lado de fora da capela do Cemitério da Saudade — Foto: Arquivo pessoalDespedida de PM do lado de fora da capela do Cemitério da Saudade — Foto: Arquivo pessoal

O irmão do PM viajou do Espírito Santo para São Paulo para se despedir e disse ter ficado “indignado” com o que ocorreu no sábado.

“A gente já tinha pagado R$ 5.200 pelo sepultamento e todas as taxas. Como ele era PM muito querido, o velório foi na 2º Batalhão da Polícia Militar onde ele trabalhou a vida toda. Não íamos fazer velório no cemitério, mas, mesmo assim, a empresa nos cobrou R$ 500 pelo velório que não ocorreu. Quando a gente disse que não queria velório, eles disseram que iam abater o preço, mas só descontaram R$ 200 no valor final”, contou o irmão.

“Acontece que o Batalhão da PM ficava a uns seis quilômetros de distância do cemitério. E muitos amigos não conseguiram se despedir. E quando a gente chegou para o sepultamento, muita gente estava lá. Um amigo pastor se propôs a fazer uma oração de despedida. Pedimos para usar a capela por 15 minutos. Mas eles negaram abrir sem o pagamento da taxa”, narrou o comerciante.

“Foi humilhante e dizer que a gente está indignado é pouco. Porque alguém que dedicou a vida pra salvar a sociedade, não merecia passar na morte o maior ultraje que já viveu na vida”, declarou o irmão.

Os irmãos Alessandro e Elisier Ceballos durante pescaria em família. — Foto: Acervo pessoalOs irmãos Alessandro e Elisier Ceballos durante pescaria em família. — Foto: Acervo pessoal

O que diz a concessionária

O g1 ligou no novo serviço funerário do Cemitério da Saudade, administrado pela concessionária Grupo Maya, e foi informado que o valor para usar capela é de R$ 523 a hora. A quantia é cobrada à parte dos demais custos de sepultamento, velório e demais taxas.

Por meio de nota, o Grupo Maya confirmou a cobrança da taxa e informou que o sepultamento contratado pela família do PM Elisier Ceballos não incluía despedida no cemitério e, portanto, não previa a disponibilidade da capela.

“Com relação aos serviços contratados e prestados para a despedida do Sr. Elisier Ceballos, cabe esclarecer que o velório ocorreu no dia 19/04, às 21h, no 2º Batalhão da Polícia Militar, na Avenida Amador Bueno da Veiga, 2774, com o sepultamento direto agendado para às 8h do dia 20/04. Informamos que o sepultamento direto, como no caso, não envolve uma despedida no cemitério”, declarou.

Fachada do Cemitério da Saudade, na Avenida Pires do Rio, em São Miguel Paulista, Zona Leste de São Paulo. — Foto: Reprodução/GoogleStreetViewFachada do Cemitério da Saudade, na Avenida Pires do Rio, em São Miguel Paulista, Zona Leste de São Paulo. — Foto: Reprodução/GoogleStreetView

A concessionária disse, ainda, que “em nenhum momento a equipe do atendimento do cemitério foi acionada pela família para a solução do problema”.

“Na chegada ao cemitério a família quis realizar uma despedida rápida, entrando em contato com colaboradores do Grupo Maya responsáveis pela operação no campo, os mesmos informaram que para a utilização da capela deveriam buscar o atendimento e realizar o pagamento das respectivas taxas, considerando que os serviços previamente contratados não incluíam esse novo pedido. Então um colega do homenageado providenciou cavaletes para a urna funerária e a despedida ocorreu, durante 23 minutos, à frente da capela”, afirmou.

“Ressaltamos que em nenhum momento a equipe do atendimento do cemitério foi acionada pela família para a solução do problema. Assim que chegou ao nosso conhecimento para a solução e acolhimento da família, o sepultamento do Sr. Elisier já havia ocorrido”, declarou a nota do Grupo Maya.

O que diz a Prefeitura de SP

A SPRegula, empresa que gerencia os serviços funerários concedidos à iniciativa privada na Prefeitura de SP, disse que “está analisando o caso citado pela reportagem, ocorrido no Cemitério da Saudade, e será solicitado esclarecimentos à concessionária”.

A empresa também afirmou que a cobrança “está prevista no contrato de concessão dos serviços funerários e cemiteriais para casos específicos, como homenagem fora das dependências do cemitério”.

Grupo Maya confirma por WhatsApp cobrança feita pela capela no Cemitério da Saudade. — Foto: Reprodução/g1Grupo Maya confirma por WhatsApp cobrança feita pela capela no Cemitério da Saudade. — Foto: Reprodução/g1

CPI na Câmara Municipal

O contrato de concessão com as empresas administradoras entrou em vigor em março de 2023 e completou um ano no mês passado.

Mas os problemas observados nos cemitérios continuam os mesmos de antes.

Além das questões de segurança e infraestrutura, usuários de todas as regiões da cidade têm reclamado dos preços altos dos serviços e de cobranças desnecessárias das empresas administradoras.

Por isso, vereadores da oposição na Câmara Municipal de SP querem criar uma CPI que investigue a atuação das empresas privadas neste primeiro ano de contrato com a Prefeitura de SP.

Entretanto, o requerimento de CPI do vereador Arselino Tatto (PT) tinha conseguido, até esta quarta-feira (24), apenas 16 assinaturas das 19 mínimas necessárias para ser protocolado no Legislativo.

Os vereadores Adriano Santos e Arselino Tatto, do PT, que querem uma CPI que investigue as concessionárias dos cemitérios da capital paulista na Câmara Municipal. — Foto: Montagem/g1/Divulgação/Rede CâmaraOs vereadores Adriano Santos e Arselino Tatto, do PT, que querem uma CPI que investigue as concessionárias dos cemitérios da capital paulista na Câmara Municipal. — Foto: Montagem/g1/Divulgação/Rede Câmara

Um dos parlamentares que assinou a proposta é o vereador Adriano Santos (PT), ex-PM que foi amigo do sargento Ceballos.

“Foi muito desrespeitoso o que fizeram com a família desse amigo tão querido. Além da dor da viúva Nilzete e dos filhos, ter que passar por isso no dia mais difícil da vida deles é humilhante. Não dá pro grupo Maya e as outras empresas continuarem operando dessa maneira”, afirmou o vereador.

Adriano Santos conta que as reclamações dos moradores da Zona Leste em relação ao Cemitério da Saudade se multiplicam a cada dia.

“Ontem, dez horas da noite, um amigo meu da região me ligou pedindo ajuda porque ele não estava conseguindo enterrar o pai. Não tinha vaga ontem, não tinha hoje, só vão enterrar amanhã. A situação é gravíssima e a Prefeitura não toma providência”, declarou o petista.

PM Elieser e sua família — Foto: Arquivo pessoalPM Elieser e sua família — Foto: Arquivo pessoal

Íntegra da nota do Grupo Maya

“Antes de mais nada, gostaríamos de ressaltar que o Grupo Maya, desde a assunção dos serviços, no dia 07 de março de 2023, vem trabalhando para melhorar a prestação dos serviços cemiteriais e funerários nos Cemitérios do Bloco 3, sempre em atenção as regras dispostas no Contrato, nas legislações aplicáveis e atendendo os interesses dos usuários dos serviços.

Com relação aos serviços contratados e prestados para a despedida do Sr. Elisier Ceballos, cabe esclarecer que o velório ocorreu no dia 19/04, às 21h, no 2º Batalhão da Polícia Militar, na Avenida Amador Bueno da Veiga, 2774, com o sepultamento direto agendado para às 8h do dia 20/04. Informamos que o sepultamento direto, como no caso, não envolve uma despedida no cemitério. Na chegada ao cemitério a família quis realizar uma despedida rápida, entrando em contato com colaboradores do Grupo Maya responsáveis pela operação no campo, os mesmos informaram que para a utilização da capela deveriam buscar o atendimento e realizar o pagamento das respectivas taxas, considerando que os serviços previamente contratados não incluíam esse novo pedido.

Então um colega do homenageado providenciou cavaletes para a urna funerária e a despedida ocorreu, durante 23 minutos, à frente da capela. Ressaltamos que em nenhum momento a equipe do atendimento do cemitério foi acionada pela família para a solução do problema. Assim que chegou ao nosso conhecimento para a solução e acolhimento da família, o sepultamento do Sr. Elisier já havia ocorrido. Prestados os devidos esclarecimentos, e respondidas as perguntas formuladas, a Concessionária Grupo Maya reafirma o seu compromisso e respeito aos munícipes, usuários dos serviços prestados”.

Fonte: g1

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