Fotógrafo de Nova York registra em Brasília imagens e histórias de gays

Kevin Truong/DivulgaçãoRegistro feito pelo fotógrafo Kevin Truong em Brasília, onde está para ensaio com gays brasileiros

Registro feito pelo fotógrafo Kevin Truong em Brasília, onde está para ensaio com gays brasileiros

Nascido em um campo de refugiados da Malásia, filho de um “coiote” que viabilizava travessias marítimas de vietnamitas que desejavam deixar o país, o fotógrafo Kevin Truong enfrentou uma série de dificuldades ao longo de seus 32 anos de vida. De família católica, não foi fácil se assumir gay. Mas foram essas experiências pessoais que inspiraram o projeto que nasceu como trabalho de faculdade e acabou ganhando o mundo, o blog “The Gay Men Project” (O projeto sobre homens gays, em tradução livre).

Kevin fotografa homens de todo o mundo e publica, no blog, um relato de cada um deles sobre como descobriram que são homossexuais. Depois de fotografar 500 pessoas em 11 países, o fotógrafo radicado em Nova York chegou na última quinta-feira (13) a
Brasília para registrar a história de gays da capital do Brasil.

A finalidade do projeto, segundo ele, é fornecer aos homossexuais um espaço para compartilhar suas histórias e sentimentos. O blog é ainda
um canal para que as pessoas compreendam melhor a vida de quem decidiu assumir, para si mesmo e para todos, que é gay. “O preconceito é normalmente baseado no desconhecimento. É muito mais fácil dizer: ‘sou contra o casamento gay’ do que dizer ‘sou contra a possibilidade de o Kevin se casar’. Com o blog, damos rosto, personalizamos a questão dos gays”, afirmou Kevin, em entrevista ao G1.

A ideia de criar o “The Gay Men Project” surgiu há cinco anos, depois de um trabalho na faculdade de fotografia que cursava em Nova York. Na época, Kevin fotografou jovens gays por quatro meses e, ao expor as fotos na sala de aula, percebeu que os colegas não queriam apenas ver as imagens, mas também conhecer a história desses homens.

“A partir daí decidi criar o blog e abrir espaço para que os homens fotografados pudessem contar suas experiências como homossexuais, principalmente o momento em que ‘saíram do armário’”, disse. No ano passado, ele conseguiu US$ 30 mil em doações pela internet para viajar pelo mundo e retratar a realidade de gays de todos os continentes.

Uma das primeiras paradas, em outubro do ano passado, foi o Brasil. Kevin fotografou em São Paulo e no Rio de Janeiro homens de todas as idades e condições sociais, inclusive nas favelas do país. Na ocasião, o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) topou participar do projeto e foi fotografado por Kevin no aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro.

Neste ano, ele decidiu voltar ao Brasil e dedicar uma semana de trabalho a Brasília. “É curioso como o Brasil pode aparentar ser aberto e festivo em vários aspectos, mas muitos gays me disseram não se sentir plenamente à vontade em sair de mãos dadas ou se assumir no trabalho. Pelo que percebi, a luta pelos direitos LGBTs ainda está no início, ainda há vários desafios a serem enfrentados. E isso também estimula meu trabalho”, disse Kevin.

O fotógrafo afirmou ter achado a comunidade gay de Brasília “acolhedora”, na comparação com a experiência que teve no Rio de Janeiro e em São Paulo. Nos cinco dias que passou em Brasília até agora fotografou dez homens, entre advogados, chefs de cozinha e estudantes. “Pelo que conversei até agora com as pessoas, a comunidade LGBT é mais aberta aqui, pelo menos na região central. E a cidade é muito interessante, moderna, com uma boa diversidade cultural”, disse.

Outros países

Depois da capital, Kevin embarca para a França, África do Sul, Quênia, Coreia do Sul e Dubai. Em Dubai e no Quênia é proibido ser gay. “Vou tirar fotos de um homem homossexual em Dubai que não vai mostrar o rosto. Serei discreto nesses países e espero não ter problemas”, disse.
Segundo Kevin, o maior desafio até hoje foi tirar fotos no Vietnam, país de seus pais. Lá as tradições fazem da homossexualidade um tabu. “Os vietnamitas também são extremamente reservados. É um povo com dificuldade para ser abrir.”

Apesar das diferenças culturais e religiosas em cada país que visitou, Kevin observa uma semelhança nas histórias dos gays que conheceu pelo mundo – a dificuldade no processo de descoberta da homossexualidade.

“O que há de semelhante é a experiência, o processo de se assumir gay. Você reconhece ter uma singularidade que já é percebida pelas demais crianças. Então, você assume essa diferença, o fato de ser gay e não heterossexual. Depois disso, ainda há um processo de aceitar esse fato para si mesmo. Por último, existe o momento de decidir se vai dividir isso com os outros, com a família e a sociedade”, relata o fotógrafo.

Experiência pessoal

A própria experiência de Kevin é um exemplo claro das dificuldades que muitos jovens enfrentam ao decidir se querem ou não compartilhar o fato de ser gay. Ele relata que não foi fácil se abrir para a família, o que só aconteceu quando tinha mais de 20 anos.

Kevin foi criado pela mãe e as irmãs depois que a família fugiu do Vietnam em um pequeno barco. Na travessia de 12 dias entre o Vietnam e a Malásia, ele estava na barriga da mãe. Nasceu oito meses depois na Malásia.

Com vistos obtidos por uma tia que era casada com um soldado norte-americano, Kevin e a família embarcaram para os Estados Unidos. Lá, frequentou escolas públicas e conseguiu uma bolsa para estudar fotografia em uma renomada universidade de Nova York.

Desde criança percebia que tinha interesses diferentes da maioria dos meninos e sofria bullying. Por crescer seguindo preceitos católicos, se sentia culpado por sentir atração por outros garotos. “Eu rezava e pedia perdão todos os dias”, conta.

Foi somente quando tinha entre 19 e 20 anos que assumiu para si mesmo que era gay. “Um dia eu estava andando de carro, olhei no espaço e disse: ‘Eu sou gay’. Foi o primeiro passo para aceitar o fato de ser homossexual”, disse. Mas a orientação sexual continuou sendo um segredo.

“Um dia uma das minhas irmãs perguntou se eu era gay e eu respondi que sim. Ela reagiu com muita naturalidade. Então, contei para a outra irmã, que também aceitou bem. Percebi que passei anos travando um diálogo interno e doloroso, vivenciando um conflito sozinho, quando era muito mais simples se abrir”, contou. Mas contar para a mãe foi um processo mais difícil.

“Quando eu contei ela ficou triste, se culpou pelo fato de eu ser gay. Pesou o fato de ela ser muito católica. Ficamos dois anos sem tocar no assunto.” Segundo Kevin, a criação do blog permitiu que sua mãe compreendesse melhor o que é ser gay.

“Ela me acompanhou na viagem ao Vietnam e traduzia os diálogos com os homens gays que eu fotografei. Foi conhecendo o meu trabalho e a história desses homens homossexuais que ela mudou a forma de enxergar o fato de eu ser gay”, disse.

Assim como conseguiu sensibilizar a mãe, Kevin espera que o blog ajude a reduzir o preconceito contra os homossexuais. “Com o blog, eu consegui mudar a visão da minha mãe. Se eu puder sensibilizar uma pessoa, para que entenda melhor o que é ser gay, esse projeto já terá valido a pena.”

Fonte: G1

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