Estudo revela os perfis das mulheres presas

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Há diferentes modos de encarar a vida na prisão. É isso o que revela um estudo realizado pelo Instituto de Psicologia (IP) da Universidade de São Paulo, que analisou o cotidiano das penitenciárias femininas da capital paulista. Embora fatores como a solidão sejam comuns, as internas formam grupos e têm experiências diferentes. A pesquisa intitulada “Por entre as grades: um estudo sobre o cotidiano de uma prisão feminina” é de autoria da psicóloga Fernanda Cazelli Buckeridge.

Segundo a pesquisadora, há o costume de pensar nas mulheres presas de maneiras extremistas: ou elas são vítimas e cometeram crimes porque não tiveram escolha ou têm uma natureza ruim e merecem castigos severos por isso. Fernanda observou, no entanto, que no cotidiano tais estereótipos não se sustentavam e que não era possível classificá-las nesses dois grupos. “, tanto que elas têm parentes e amigos na mesma situação (financeira) que não cometeram nenhum ato criminoso”, diz. ”Para poder oferecer um olhar interno honesto e que problematizasse de fato o cotidiano das penitenciárias observadas, foi preciso sustentar estas tensões e o tempo todo evitar cair nestas posições polarizadas (vitimas versus pessoas de natureza ruim)”.

No período da pesquisa, a psicóloga atuou nas penitenciárias através de uma ONG. Fernanda acredita que as atitudes da ONG e sua posição de sigilo na prisão incentivaram as presas a se abrirem, contando a respeito de seu cotidiano. O trabalho, orientado por Paulo de Salles Oliveira, professor do IP, foi realizado em duas penitenciárias femininas da cidade, com observações feitas no cotidiano da prisão e com cartas escritas pelas detentas.

Segundo a pesquisadora, havia algumas atividades disponíveis para as mulheres, como uma escola e uma fábrica. A fábrica, usada por empresas externas ao sistema carcerário, fornecia trabalho temporário. A remuneração recebida era, predominantemente, enviada para a família. “Muitas delas tinham um sentimento de culpa muito grande por estarem ali, então mandavam o dinheiro para fora”.

A autora do estudo destaca que uma característica marcante entre as presas era o sentimento de solidão, de que não podiam confiar em ninguém. “Elas estavam juntas, mas sozinhas”, diz a psicóloga. Embora existissem situações de solidariedade (quando uma delas tem um problema de saúde ou entra em trabalho de parto, por exemplo), os casos de amizade são raros.

Perfil

A maior parte das mulheres em penitenciárias são jovens (de 18 a 30 anos) de classe baixa. Apesar da pouca idade, no entanto, elas muitas vezes parecem mais velhas. E as que já têm mais idade expressam pontos de vista diferentes. Um dos assuntos que causa divergência é em relação à ação de facções criminosas no local. Na penitenciária do estudo há um grupo dominante e as mulheres mais velhas, por terem mais experiência, não acreditam que a facção ofereça proteção real às detentas.

A psicóloga destaca que muitas vezes a prisão era uma figura comum na historia de vida dessas mulheres. Muitas têm parentes presos ou já foram detidas anteriormente. Privadas de liberdade, essas mulheres sentem falta dos filhos e temem o exemplo que podem dar. “Elas tinham muito medo do filho entrar naquele ambiente em que elas vivem, então era raro que os filhos fossem visitá-las. A maioria das visitas é de mulheres. Diferentemente do que acontece em uma prisão masculina, não é comum a visita do parceiro”, revela. Outro aspecto ressaltado por Fernanda é a força da religião. Segundo a pesquisadora, as mulheres apontaram que a religião as ajudava a encontrar sentido para a situação que viviam..

Muitas das mulheres que estavam presas durante o período do estudo ainda esperavam por um julgamento. De acordo com Fernanda, nesta fase o sentimento maior é de aflição. “Ao receberem sua sentença e saberem quanto tempo exatamente ficariam por lá, o jeito de encarar a prisão e o dia-a-dia lá dentro também mudava”, diz.

A forma calorosa com que foi recebida pelas detentas também foi algo ressaltado pela pesquisadora. “É impressionante que mesmo dentro de um contexto árido elas ainda tenham essa capacidade de acolher alguém”, diz. A psicóloga acredita que a importância do estudo consiste em tentar criar relevo para a questão, para o cotidiano dessas mulheres, mas sem cair no estereótipo de “vítimas” ou de que o sistema é muito brando.

“Fora isso, também é importante para refletir em que medida o cotidiano observado pode dizer algo acerca do contexto social em que vivemos e sobre as sensibilidades manifestadas pela opinião pública diante da violência, que levam à estigmatização destas mulheres como vítimas ou como vilãs”, arremata.

Fonte: USP

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