“Aquela tecnologia, ao mesmo tempo que me expôs, também me salvou. Mas não me arrependo de jeito nenhum. Deus dá força para a pessoa lutar contra todo tipo de mal”. A afirmação é de Fabiano Silva Ferreira, de 20 anos, ex-coroinha que diz ter sofrido abusos sexuais pelo monsenhor Luiz Marques Barbosa, da Igreja de Arapiraca, em Alagoas.
O caso veio a público graças a um vídeo gravado por um amigo do jovem, que também era coroinha, e exibido em audiência na CPI da Pedofilia há uma semana. Segundo o rapaz, o monsenhor tinha relações com ele desde os 14 anos, algumas vezes nas dependências da igreja. “Aquela vida que eu levava não é vida pra ninguém”. O monsenhor, diante do vídeo, reconheceu que havia praticado ato sexual com o ex-coroinha, mas disse que tinha sido apenas aquela vez.
Ferreira sabia que estava sendo gravado e diz que não se arrepende de ter aceitado para poder denunciar o monsenhor. Até então, afirma, ninguém acreditava na história.
Medo e insegurança
Da janela da casa do jovem, onde ele recebeu a reportagem do iG, é possível avistar a torre da igreja em que o monsenhor Luiz Marques Barbosa, de 83 anos, rezava. A porta da casa não tem grades nem portões. A casa de chão batido e telhado sem forro tem os cômodos e cozinha separados por uma cortina improvisada: um lençol azul pendurado na porta. A segurança policial solicitada pela CPI da Pedofilia do Senado ao Estado de Alagoas parece distante do local.
“Foi pedida nossa segurança pelo senador Magno Malta e o governador concedeu. Mas quem dá a segurança é a Polícia Militar. E a Polícia Militar não tem condições de dar essa segurança porque tem que fazer o trabalho ostensivo. A gente está conversando pra ver o que dá pra fazer, mas tá complicado. Acho que até a semana que vem está resolvido”.
Com boné na cabeça, o jovem diz temer pela sua segurança e conta que a PM, o juiz e até o senador pediram para ele ficar em casa e não se expor. “O monsenhor conhece muita gente poderosa e tem muitas pessoas que, mesmo com todas as provas que apresentaram, dizem que estamos mentindo e estão do lado dele. É uma pessoa muito influente e endeusada aqui. Por isso corremos risco”, explica. O pai interrompe e conta que queria que o rapaz viajasse a São Paulo por um tempo, por segurança.
"Padre é como pai"
Com o pai, o pedreiro Sebastião, aprendeu certa vez que o padre da paróquia deveria ser tratado como se fosse um pai. De riso fácil e tímido, Seu Sebastião é um homem muito religioso. “Ando com as palavras de Deus no bolso. Sou uma pessoa que crê em Deus. E confiava muito nesse padre”, conta seu Sebastião, que hoje não passa em frente à igreja para não escutar “conversa de cabra nenhum”.
O filho não quer que o pai se envolva com o escândalo que saiu do agreste alagoano para ganhar repercussão internacional. “É o único que trabalha na casa e quero preservar”, diz o jovem, que faz apenas uma queixa: ter perdido “todos os amigos” desde que o caso veio à tona. “Todos se afastaram”.
Hoje, o menino que gostava de sair, “de jogar uma bolinha” e acessar a internet não consegue circular pela cidade sem ser notado. “Estou muito visado, as pessoas ficam apontando. Passo e elas ficam olhando”.
O escândalo colocou fim também ao namoro com uma garota da cidade, por imposição dos pais dela. “Na hora que Deus achar que é necessário, que é certo, a gente volta. Não gosto de falar dela pra não expor ainda mais…”
"Justiça"
Sobre as acusações de que ele e outros dois rapazes da cidade tentaram obter vantagem ilícita dos religiosos e também colocaram à venda o vídeo comprometedor, o ex-coroinha é categórico: “de forma alguma. Olha a minha casa, você vê que é muito simples. Graças a Deus já foi extinta essa coisa [suspeita] de extorsão. O senador falou que não tinha nada a ver. É coisa de pessoal que não consegue raciocinar direito. Acho que isso está esclarecido”, diz, sem citar que um inquérito está aberto na Polícia Civil de Alagoas para apurar a suspeita.
Ele diz que não pensa em indenização, “só em justiça”, e que chegou a ser ameaçado, mas não dá detalhes sobre o episódio. Por conta do escândalo, diz não saber sequer o que fazer da vida a partir de agora. “Não pude trabalhar depois do que aconteceu, só terminei o ensino médio. Não tenho nem condições de fazer cursinho nem de prestar vestibular. Não sei nem o que quero estudar.”
Em entrevista ao iG, o promotor de Arapiraca José Alves de Oliveira Neto afirmou que não pode solicitar a proteção do rapaz à Justiça porque o pedido foi feito diretamente à CPI, e não à Promotoria.