Portugal prepara o velório de Saramago

Foto: AFPSaramago: romance 'O Evangelho segundo Jesus Cristo' gerou polêmica com Igreja Católica.

Saramago: romance ‘O Evangelho segundo Jesus Cristo’ gerou polêmica com Igreja Católica.

Funcionários da Câmara de Lisboa preparam na manhã deste domingo o local em que será feito o velório do escritor português José Saramago, morto na véspera aos 87 anos.

O corpo do ganhador do Nobel, que morreu em sua casa na ilha espanhola de Lanzarote, deve chegar a Portugal às 12h45 locais (8h45 do Brasil), e o velório deve começar às 14h locais (10h do Brasil)

No meio da manhã, ainda não havia público no local, só jornalistas, funcionários e policiais.

O governo português decretou luto oficial de dois dias pela morte de Saramago. O prefeito de Lisboa, Antonio Costa, declarou que é um "orgulho para a cidade receber mais uma vez Saramago. Ele lembrou em comunicado que Lisboa foi "uma causa que Saramago abraçou" quando presidiu a assembleia municipal em 1990 e assegurou que seu "legado é inestimável".

O corpo de Saramago deve chegar ao aeroporto de Figo Maduro, nos arredores da capital, em um avião da Força Aérea Portuguesa.

O funeral segue até 0h e reabre no domingo de 9h a 11h.

Os familiares terão uma área reservada e poderão pedir o fechamento das portas ao público.

Às 12h de domingo, terá início a cremação, no cemitério de Alto de São João.

Parte das cinzas deve ficar em Azinhaga do Ribatejo, onde o escritor nasceu e o restante deve seguir para Lanzarote, nas Ilhas Canárias, onde ele vivia com a esposa, a jornalista e tradutora Pilar del Río.

A Câmara de Lisboa ainda não tem estimativa de quantos visitantes deverão passar pelo funeral. Um policial estima em "milhares". A escritora Nélida Piñon, que está na Espanha, representará a Academia Brasileira de Letras na homenagem ao escritor.

O corpo de Saramago foi velado em uma biblioteca que leva o seu nome na cidade de Tías, em Lanzarote. O prefeito de Tías, José Juan Cruz, decretou três dias de luto pelo escritor de "Ensaio sobre a cegueira", que estava com 87 anos e sofria de leucemia e problemas respiratórios.

A notícia da morte de José Saramago repercutiu imediatamente em todo o mundo, inclusive entre representantes da Igreja Católica em Portugal, com quem o escritor mantinha uma relação conturbada por abordar de forma polêmica temas religiosos em obras como "O evangelho segundo Jesus Cristo", de 1991, e "Caim", seu romance mais recente, de 2009.

O diretor do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura da Conferência Episcopal Portuguesa, Padre José Tolentino, e o porta-voz da conferência, Padre Manuel Morujão, disseram que o país perde um "expoente" e que a igreja perde um crítico com o qual soube dialogar constantemente. "Seja como for, o diálogo nunca foi cortado e sempre foi possível", disse padre Manuel Morujão, sobre o escritor, que se declarava um ateu.

"[Saramago] combatia as religiões com fúria, dizia que elas nos embaçam nossa visão. Mesmo assim não consigo deixar de pensar que adoraria que neste momento ele estivesse tendo que dar o braço a torcer ao ser surpreendido por algum outro tipo de vida depois desta que teve por aqui", declarou o cineasta brasileiro Fernando Meirelles, que adaptou "Ensaio sobre a cegueira" para o cinema em 2008.

Segundo sua mulher, Saramago passou mal após tomar o café da manhã e recebeu auxílio médico, mas não resistiu e morreu. Ele sofria de leucemia e, nos últimos anos, havia sido hospitalizado em várias oportunidades devido a problemas respiratórios.

"Hoje, sexta-feira, 18 de junho, José Saramago faleceu às 12h30 horas [horário local] na sua residência de Lanzarote, aos 87 anos de idade, em consequência de uma múltipla falha orgânica, após uma prolongada doença. O escritor morreu estando acompanhado pela sua família, despedindo-se de uma forma serena e tranquila", diz uma nota assinada pela Fundação José Saramago e publicada na página do escritor na internet.

O escritor vivia na ilha de Lanzarote, nas Canárias, desde 1993 com sua esposa, com quem se casou aos 63 anos.

Expoente da literatura mundial
Saramago era um dos maiores nomes da literatura contemporânea, vencedor do prêmio Nobel de Literatura no ano de 1998 e de um prêmio Camões – a mais importante condecoração da língua portuguesa.

Entre seus livros mais conhecidos estão "Memorial do convento", "O ano da morte de Ricardo Reis", "O evangelho segundo Jesus Cristo", "A jangada de pedra" e "A viagem do elefante". O mais recente romance publicado pelo escritor foi "Caim", de 2009. Antes de morrer, ele estava trabalhando em um livro sobre tráfico de armas, que chegou a batizar de "Alabardas, alabardas! Espingardas, espingardas", mas deixou inacabado.

O estilo de escrita de Saramago era caracterizado, entre outras experimentações de linguagem, pelos parágrafos muito longos e o uso incomum de pontuações. “Sua literatura era densa e sofisticada e, mesmo assim, era lida por um grande público. Essa é a maior proeza de sua vida”, analisa o professor Frederico Barbosa, que ensinava Saramago em cursinhos de São Paulo e é também diretor do espaço cultural paulistano Casa das Rosas.

"Ensaio sobre a cegueira", que conta a história de uma epidemia branca que cega as pessoas, metáfora da cegueira social, foi levado às telas em um produção hollywoodiana filmada pelo cineasta brasileiro Fernando Meirelles (de "Cidade de Deus") em 2008. O autor, normalmente avesso a adaptações de suas obras, aprovou o trabalho de Meirelles.

Saramago era considerado como o criador de um dos universos literários mais pessoais e sólidos do século XX e uniu a atividade de escritor com a de homem crítico da sociedade, denunciando injustiças e se pronunciando sobre conflitos políticos de sua época. Em 1997, escreveu a introdução para o livro de fotos "Terra", em que o fotógrafo Sebastião Salgado retratava a rotina do movimento dos sem-terra no Brasil.

Em 2008, uma exposição sobre o trabalho de Saramago foi exibida no Brasil. "José Saramago: a consistência dos sonhos" trazia cerca de 500 documentos originais e outros tantos digitalizados, reunidos em um formato que, misturando o tradicional e a tecnologia moderna, levavam o visitante a uma agradável e rara viagem pela vida e pela obra do escritor português.

Fonte: G1

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