Salão Nobre

Parou em frente da UNINOVE. Dirigiu-se a uma vendedora ambulante, sentada debaixo do toldo da barraca de cachorros quentes. “Bom dia! Onde fica o Parque da Água Branca?”, perguntou. “Olha, você vira na próxima esquina à direta e, atravessando a avenida, sai nele”, respondeu. “Muito obrigado”, agradeceu o rapaz. “Não há de quê”, ela sorriu.

A gentileza da vendedora o animou. É do tipo que seria gentil até se estivesse com clientes gritando pedidos nos seus ouvidos. Pelo menos foi a impressão que ficou. “A pessoa é o que é até debaixo da água. Espírito maneiro não muda com a maré”, palavras de um carioca ouvidas na adolescência e que ele gravou.

Por que perguntar o endereço se ele havia anotado na agenda semana passada quando recebeu a incumbência de acompanhar o evento? Porque tinha dúvida. Nunca abandonou o ditado quem-tem-boca-vai-a-Roma.

Na guarita, o roteiro dado pelo vigilante soou tão confuso que pensou estar esquecendo o português. “Nada. Deve ser a pressa”, acalmou-se. Primeiro, parou no local onde havia barracas oferecendo produtos típicos franceses. É o ano da França no Brasil. Gostou da banda de fanfarra. Ah, guloseimas e crepes a rodo. Artistas cênicos andando de um lado para outro. Segundo, circulou num espaço no qual jovens exercitavam o parkour.

De repente, o semancol o despertou. Estava no lugar errado. Uma cerimônia de inauguração não podia ter toda aquela animação. Era mais formal. Apesar dos risos, tapinhas nas costas e dos beijos de chegada ou de despedida, longe estaria da alegria do come, arrota, grita e brinca. Descobriu onde ficava o Salão Nobre e para lá seguiu.

A inauguração refere-se à instalação de indústrias franco-brasileiras, além de nova infraestrutura para o instituto de pesquisa, na área de biocombustível. Era o coroamento de meses de trabalho árduo desde a reunião na Guiana Francesa entre os chefes de Estado do Brasil e da França.

Antes de localizar o senhor que contratou seus serviços de intérprete, ele achou uma pesquisadora do instituto de biocombustível que conhecia de longa data. Foi ao encontro dela. Que alegria. Ainda mais que ela estava disposta a prosear, sorrindo. Ela o fez se sentir bem. Da sacada, podiam ver a arena encharcada devido à chuva que caíra desde a noite passada. Há mais ou menos duas horas, a água cessou.

O sol ia se mostrando e aquecia o papo e os corpos. A única coisa que o frustrou foi ela estar de óculos escuros a princípio. Ver o brilho dos olhos dela o encantava. Mas se viu compensado com o entusiasmo com que ela mantinha a conversação. Ela mencionou as vantagens do parque, como legítima frequentadora, visto que mora a poucas quadras. “É ótimo para quem tem filhos…”. Nos lábios, dançava o sorriso. O intérprete tinha pouca intimidade com a pesquisadora, mas ainda assim diria que a presente animação não é traço rotineiro dela. Por ser raro, talvez seja o que o faz apreciar com mais deleite.

Qual o motivo da alegria da moça? O instituto, uma vez ampliado pelo convênio Brasil-França, oficialmente anunciado nesta cerimônia, incrementará incentivos financeiros e técnico-científicos à pesquisa desenvolvida por ela e equipe há mais de três anos.

Ça va?”, ele ouviu a voz atrás de si. Era o trabalho que o chamava. Animado pelo sorriso da moça, pela conversa gostosa que teve, ele tomou coragem e mergulhou na tarefa de acompanhar o chanceler francês, fazendo com esmero o papel de intérprete. O salão estava lotado, obrigando-o a se aproximar o máximo possível para ouvir o complicado sotaque bretão. O hálito do chanceler adentrou nas narinas.

A alegria que a moça sem querer proporcionou o fez imune a qualquer desgosto.

Fonte: Ronaldo Duran, escritor

Veja Mais

Sorry, nothing to display.

Deixe um comentário

Vídeos