Primavera Passada

Nunca a palavra volúvel cutucou tanto minha cabeça quanto nos últimos dias. A causa? A primavera que está prestes a chegar. Sou promotor na comarca de Presidente Prudente, e minha rotina é uma das mais duras, pelo menos no meu ponto de vista. Defensor público é cargo ingrato. Meu cliente é aquele que não tem condições de arcar com custas de um advogado particular. Visto a classe de baixa renda ser desproporcional num país tão rico como o Brasil, eu literalmente vivo mergulhado nos processos.

Talvez por isso a experiência que tive na primavera passada me fez tão bem. Uma recém-concursada promotora chega durante o outono e me subjuga de modo irresistível que me forçou a passar o inverno inteiro na árdua labuta do flerte. As declarações que saltavam de minha boca eram as mais sinceras possíveis, uma vez que não sou do estilo don Juan, que tem na conquista um passa-tempo. Ao contrário, sou extremamente reservado e meu clímax vem mais da defesa acertada do meu cliente do que de batalha amorosa.

Sendo ela noiva, a situação se complicava ainda mais. Em meu juízo perfeito jamais mexeria com mulher comprometida. Suas crises com o noivo, o briga-termina-namora-recomeça, serviam para me atiçar. Será que ele a merecia? Bastava eu a ver chorando pelos cantos, para a resposta ser não. Motivava-me na tentativa de conquista. Flores, e bombons, e horas de conversas, e rios de elogios. Sim, ela fumava pra caramba. Sim, eu sempre me esquivei dos fumantes.

A vida corria leve quando ela me dava sinal verde, que estaria gostando do meu papo, de minhas carícias. A primavera de 2005 tinha chegado. Beijamos-nos, almoçamos algumas vezes em restaurantes. Até cheguei a sugerir se ela me quisesse, largaria minha carreira. Pediria exoneração e iria com ela para outro estado, pois ela temia o ciúme do noivo.

Caso de amor para quem ouve soa banal, mas para quem sente é situação extraordinária. Meses envolto numa conquista. É algo que tira da rotina. As horas voam quando se está do lado de quem se ama. Quando longe, é um arrastar de tempo, uma falta de rumo, um desespero.

Hoje? Murchou o entusiasmo. Trabalhamos juntos, sim, mas meu coração deixou de acelerar quando a vejo. Parei de ficar em seu encalço. Vai ver culpa da sua rejeição para comigo. Estou desencantado. Nada nela me chama atenção, quero forçar um desejo, mas murchou. Nada é mais arrasador do que a idéia de termos tido um fracasso.

Ela quer que sejamos amigos. E eu também. Mas vou levar tempo para realmente fazer esta ponte.

Agora a primavera está às portas. Minha poesia sumiu, as declarações românticas petrificaram-se, o sentimentalismo enrijeceu. Aquele tempero especial que os apaixonados levam na alma evaporou. Volúvel? Poderia ter lutado mais? Ainda que não a conquistasse, pelo menos uma parte da admiração não deveria ter permanecido?

Fonte: (*)É professor e autor.

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