A máscara da emergência e a fraude com ambulâncias do SAMU

A farsa montada pela Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro foi desmascarada.

A reportagem exibida pelo programa Fantástico, da Rede Globo na última edição de domingo, 4, mostrou um esquema de corrupção montado a partir de um processo simulado de dispensa de licitação, no qual invoca-se a ocorrência da situação de emergência, para encobrir a intenção dos responsáveis, de elidir o princípio da licitação para favorecer uma determinada oficina e, certamente, obter dividendos financeiros com a fraude.

Os autores do processo fraudulento, naturalmente, subestimando a inteligência geral, forjaram um processo, onde se propõe a contratação direta da empresa RUI OFICINA, para um contrato de 3 meses de prestação de serviços de manutenção, alegando situação de emergência, baseados, apenas, na pífia suposição de que, apenas por tratar-se de ambulâncias que servem ao Serviço de Atendimento Móvel de Urgência, ou o mais conhecido SAMU, que atende pelo fone 192, isto por si só, já lhes serviria de base legal para o ato ilícito.

É evidente que um esquema como esse, não pode estar apenas sob a tutela de pequenos funcionários, principalmente considerando-se as cifras envolvidas, em torno de 2,3 milhões de reais, o suficiente para adquirir uma nova frota equipada de ambulâncias, bem como, os aspectos formais e legais envolvidos no processo que, naturalmente, requereu, pareceres técnicos e jurídicos para a sua provação final, o que demonstra, com clareza, que existem vários culpados e poucos responsáveis na fraude.

Do malfadado processo, extraem-se vários aspectos que contribuem para dar-lhe o aspecto de fraude, dentre elas podemos, em primeiro lugar, destacar a exorbitância do valor contratado, que caracteriza superfaturamento e, mesmo que estes valores não estivessem superfaturados, ainda assim, esta não seria uma proposta vantajosa para a administração, uma vez que, se eram suficientes para se adquirir uma frota novinha de ambulâncias devidamente equipadas, certamente não deveriam ser dispendidos para pagamento daquelas ambulâncias danificadas. O mais sensato nesse caso, seria investir essa quantia em novas ambulâncias e aquelas avariadas e encostadas,levadas a leilão público, cujo saldo do arremate também poderia ser reinvestido em novas aquisições.

O outro aspecto é de natureza legal, ou seja, na verdade a situação emergencial na qual tentaram respaldar a fraude, foi "fabricada", ou seja, é evidente que as 23 ambulâncias, de um total de 74 adquiridas em 2005, e que encontravam-se "depositadas" em uma garagem, não quebraram todas de uma só vez, a medida em que foram quebrando ou sofrendo acidentes, foram sendo encostadas. Essa atitude dos responsáveis caracterizou o que classificamos de INCÚRIA ADMINISTRATIVA, expressão que encontra tradução na falta de providência, na negligência, na irresponsabilidade, descaso, na improvidência, resumindo, ao invés de providenciarem as recuperações e manutenções à medida em que as ambulâncias iam sendo avariadas ou quebrando, iam sendo armazenadas, sem que providências fossem tomadas, que pudessem devolvê-las ao devido uso de forma gradativa, sem maiores prejuízos.
O acúmulo de viaturas quebradas e avariadas pode até não ter sido deliberado, mas não elimina a culpa dos incuriais e a contratação dos serviços de recuperação jamais poderia ocorrer da forma como ocorreu, pois, a constatação da existência de incúria administrativa excluiu, por descaracterização, a situação de emergência, ainda mais, levando-se em conta que o prazo do contrato firmado com a oficina foi de 3 meses, tempo suficiente para que ocorresse até mesmo uma licitação, na modalidade de concorrência, que tem prazo de trinta dias. De tal sorte que, dentro de 90 dias (prazo do contrato), cabe perfeitamente uma licitação de concorrência com prazo de 30 dias, ficando 60 dias para a execução do objeto.

A Lei de licitações (8.666/93) prevê a possibilidade de contratação direta com dispensa de licitação em diversas situações. O molde no qual os responsáveis pela fraude pretenderam enquadrar está previsto no Art. 24, inciso IV, que reproduzimos:

É dispensável a licitação: Nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada a urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços e outros bens, públicos ou particulares e somente para os bens necessários ao atendimento da situação…

A intenção dos legisladores, ao esculpirem tal possibilidade no texto da lei, não era outra, senão, a de que as unidades administrativas viessem a contratar com terceiros, aquele objeto, cujo resultado não permita esperar por formalidades em excesso e as delongas que lhe são peculiares, para não resultarem em prejuízos a pessoas e bens públicos ou particulares, mas a motivação para sua ocorrência não pode ser provocada, nem em decorrência da incúria do agente público, tem que ser decorrente de fatos fortuitos, da imprevisão. Essa é uma interpretação doutrinária do texto legal.

Assim, entendo, salvo melhor juízo, que o processo de dispensa de licitação da Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro encontra-se eivado de vícios e passível de nulidade, além de aplicação das sanções administrativas e penais a quem lhe deu causa, conforme já antecipa o art. 89 da lei de licitações que, inclusive, prevê pena de detenção de 3 a cinco anos, e multa para aqueles que dispensarem licitação, deixando de observar as formalidades legais pertinentes.

(*) Consultor Especializado para Assuntos de Licitações e Contratos e diretor da Chancey Consultoria e Recursos Humanos.

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