Caindo no Real

Ao longo da minha vida de repórter, não sei bem quantas greves tive que cobrir pelo jornal em que trabalho. Professores, policiais civis, médicos etc. Em sua essência, todos – até o etc – buscavam condições dignas de vida, que quer dizer basicamente melhoria salarial. Hoje me encontro do lado de lá da notícia (quer dizer, não me encontro em lugar nenhum, uma vez que o jornal está em greve, portanto não há notícia).

Por falta de pagamento, os jornalistas da Tribuna de Alagoas cruzaram os braços. A direção do jornal também, já que não está nem aí para as negociações. E por culpa da greve, tenho andado meio sumido. Aliás, muitas coisas têm sumido nos últimos dias, uma delas é o dinheiro. Com a crise estabelecida, é preciso inventar. Principalmente desculpas para os credores, que batem à porta a todo instante.

Driblar cobrador, aliás, tem sido uma arte. Futebolística, é bom que se frise. Sem dinheiro, é preciso usar as táticas do Ronaldinho Gaúcho para fugir do adversário. Porque essa história de conta se vencer é fácil. Difícil é convencer de que, na vida, o importante não é vencer, mas competir. Sei de alguns colegas que têm comido o pão que o diabo amassou.

Mas não repartem com ninguém, porque sem dinheiro, o pão amassado tem sido a única fonte de alimento. No meu caso, ainda não caí na real. Falta-me justamente o Real para isso. Minha única cédula – com a qual eu pensava em passar o final de semana – era falsa. Descobri quando fui à venda, comprar um miojo pro almoço de domingo.

O vendedor olhou a nota de dois reais, colocou-a contra a luz e me devolveu. Está muito azul, disse. É de fome, respondi. Não, não é o senhor. É o animal da nota, ponderou, apontando a tartaruga marinha no verso da cédula. Deve ser porque ela mora no mar, e o senhor já viu o mar de Maceió? Azulzinho da silva, tentei convencê-lo.

Não teve jeito. Instantaneamente, pegou de volta o miojo e me mostrou uma nota de cinqüenta reais igualmente falsa. Deve ter sido feita pelo mesmo falsário, enraivou-se. (Não sei se foi o mesmo, mas que a onça estava mais vermelha, estava). Vendo meu desapontamento, tentou me convencer de que o seu prejuízo fora maior. Ao final, saí do estabelecimento com fome e com a falsa convicção de ter lucrado 48 reais.

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