Barriga de nordestino

Bucho, bochecha, buchudo e buchada; sexta-feira na beira da lagoa a pedida é uma camarãozada, uma gamela de siri-mole ou a tradicional peixada. A buchada, entretanto, é menu que ronda por todas as redondezas deste torrão caeté, e só é boa quando preparada de um dia pro outro. Mesmo com toda a trabalheira no seu preparo, parodiando Fernando Pessoa, tudo vale a pena se a gula não é pequena.

As coisas têm que está de acordo com as exigências das quituteiras de plantão, como a saudosa proprietária do buraco da Zefa que era freqüentado até por governador pra comer seu tempero alagoano. Até artistas globais já sentaram nos tamboretes da Zefa mastigando de boca cheia. Contam que certo dia alguém pediu no meio do almoço, de casa cheia, a garrafa de pimenta rabo de macaco, aquela das boas, e gritou: – Eita nega duma mão boa da gota!

Dizendo isso, o cabra estribufou-se no chão, caindo do tamborete já meio cheio de pileque, no canto da porta que dava pra cozinha, na hora em que a empregada passava com uma cerveja bem gelada nas mãos. Por armação, quem sabe lá de algum exu safado do pegí lá do quintal, a garrafa cheinha despencou nos possuídos do desmiolado.

Agora pense na dor! Maria, no entanto não se fez de rogada e jogou logo uma garrafa de água bem gelada no escroto do dito cujo, que já demonstrava uma cara melancólica de sofrimento. Quem estava por perto nem ligou, e alguns até diziam: Isso acontece! E tome garfada na boca cheia. Nesses ambientes era só confraternização, misturava-se comerciante com servidor público; pistoleiro, artistas e prostitutas; operários e políticos.

Vendo essas travessuras no meio de uma sexta-feira, lembrei-me de Jairo boliviano na peixada de dona Marinha lá pras bandas das lagoas do sul. O latino de tanto comer ficou meio piongo. Naquele instante levantou da mesa meio arreganhado como quem queria defecar, e terminou defecando mesmo na base do estímulo do leite de coco da peixada, ingrediente que nem toda tripa mal acostumada agüenta. Esses incidentes sempre acontecem na casa de gente que tem panela boa. E por aqui não falta quem saiba preparar uma comida caseira aos moldes do saudoso bar do Catenga; Buraco da Zefa; Bar do Maurício; Bar Garcia; Macarronada do Edson, e assim por diante.

Maceió é que é lugar pra se viver, porque aqui a gente com tudo se ajeita. Isso afirma dona Marinete, moradora do Tabuleiro que levou sua filha a São Paulo pra fazer certo tratamento médico. Lá ela viu o povo só comendo grão e folha. Carne nem pensar! Sardinhas e berinjelas eram constantes no dia a dia. Quando lhe cobraram na rua R$ 3,00 num refrigerante e R$ 5,00 numa cerveja ela se recusou a comprar.

Deixando a comida de restaurante de lado, ela foi até ao supermercado (cheio de carestia), fez umas compras e resolveu cozinhar. O cheiro da comida inundou o prédio em que ela estava e a vizinhança malandra começou bater na porta pra querer provar do tempero. Como alagoana ela não podia passar sem uma carne fresca ou de sol, coisa rara na mesa do paulista comum. E dona Marinete caçoava dos vizinhos pela vida cara de São Paulo dizendo:
– Sou nordestina, sou sofrida. Minha terra é pequena e simples, mas é abençoada e bela. E o nosso povo na sua brejeirice, é gente de barriga cheia.

Veja Mais

Sorry, nothing to display.

Deixe um comentário

Vídeos