ENTREVISTA: Governador João Alves

“Transposição vai acabar com a foz do São Francisco”
Roberto Vila NovaGovernador João Alves é contra a transposição

Governador João Alves é contra a transposição

Ex-ministro do Interior e governador de Sergipe pela terceira vez, com direito a tentar a reeleição em 2006, o engenheiro João Alves Filho (PFL) é ácido nas críticas ao projeto de transposição das águas do Rio São Francisco para abastecimento do chamado Nordeste Setentrional – ele prevê a morte da foz do São Francisco, citando o exemplo do Rio Colorado, nos Estados Unidos. “Nesse caso, os Estados mais prejudicados são Sergipe e Alagoas”, avisou.

E para mostrar que a sua posição não é luta bairrista ou mesquinhez, o governador sergipano aponta a reação de Minas Gerais e da Bahia, que também são contrários ao projeto. “Ora, Minas Gerais e a Bahia não são Estados doadores. Por que eles são contrários ao projeto? Porque a transposição inviabilizará outros projetos à montante da Barragem de Sobradinho”, explicou.

Autor de vários livros sobre transposição, o governador João Alves diz que não é contra os projetos que beneficiam os sertões do Ceará, do Rio Grande do Norte, da Paraíba e de Pernambuco (o chamado Nordeste Setentrional), mas aponta outras saídas, como a exploração das águas interiores (subsolo); da reserva acumulada nos açudes e barragens; das lagoas que o Rio Tocantins forma no oeste da Bahia e até mesmo o Rio São Francisco, desde que a sua vazão seja reforçada.

“Para usar uma linguagem popular, vamos dizer que o Rio São Francisco está na UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) e o paciente que está na UTI não pode ser doador de sangue; pelo contrário, ele precisa de sangue”. O governador lembrou é contra o projeto de transposição desde a época do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), de quem era aliado.

Por que o senhor é radicalmente contra o projeto de transposição do Rio São Francisco?

Porque é um projeto eleitoreiro, cujo principal interessado é o ministro Ciro Gomes (Integração Nacional), que é candidato ao governo do Ceará em 2006. É um projeto eleitoreiro para o Ceará em 2006. O ministro (Ciro Gomes) fala de transposição impondo o projeto sem qualquer discussão. Ele (Ciro Gomes) não leva em conta as conseqüências que advirão com a morte da foz do São Francisco.

E quais seriam as conseqüências?

As mesmas que ocorreram no Rio Colorado, por exemplo. Eu visitei a Califórnia, a convite do governo norte-americano, para conhecer o projeto de irrigação de 4,5 milhões de hectares. Imagine o que é isto apenas é um Estado, considerando-se que em todo o Nordeste brasileiro existem apenas 300 mil hectares irrigados. É uma beleza, uma coisa fantástica, mas do lado dos Estados Unidos. Eu fui conhecer a foz, do lado mexicano; fui por conta própria, apenas pela curiosidade e fiquei estarrecido ao constar que o Rio Colorado secou 100 quilômetros em direção à foz, comprometendo toda a região mexicana cortada pelo rio. Mas, os norte-americanos não se importam; eles chamam os mexicanos de macaquitos. Concluindo: o delta do Rio Colorado salinizou, porque o mar avançou.

O senhor conhece outros rios que também sofreram essas conseqüências?

O Rio Amarelo, na China, passava quatro meses do ano seco numa faixa de 550 quilômetros; depois dos projetos que retiram água do seu leito chega a passar hoje até nove meses seco. O próprio Rio Nilo, o Rio da Civilização Mundial, o Rio da Bíblia, também está morrendo na foz devido às alterações no seu curso. O Rio Ganges, também; a versão dos ingleses, que consideraram a Índia inviável, foi desmentida com a irrigação, mas, para deixar um hectare no deserto produtivo gasta-se com água o equivalente ao volume destinado ao abastecimento de uma população de dez mil pessoas. É por isso que, na Conferência sobre Água promovida pelo Banco Mundial, no Colorado-EUA, chegou-se à conclusão de que, nesse século em que estamos vivendo, teremos mais guerras por causa da água do que tivemos no século passado pela disputa do petróleo. E isto pode ocorrer porque a população cresceu em progressão aritmética, enquanto a demanda por água cresce em progressão geométrica.

O senhor falou sobre a China. Mas, os chineses não fizeram a transposição do Rio Yang-tse para o Rio Amarelo?

É verdade, mas veja que eles levaram cinqüenta anos discutindo o projeto. Isso me chamou a atenção quando eu visitei a China e perguntei ao técnico chinês que nos acompanhou. Eu perguntei: por que vocês, que vivem sob um regime de partido único, um regime comunista, levaram cinqüenta anos discutindo a transposição de um rio? E o técnico me respondeu: a política passa, os governos passam, mas a China fica, os chineses ficam. Então, não posso concorda com o governo Lula, quando ele tenta empurrar a transposição goela à dentro da população. A diferença entre o projeto de transposição apresentado pelo governo Fernando Henrique Cardoso e o apresentado pelo governo Lula é exatamente a falta de discussão sobre a proposta. No governo Fernando Henrique o projeto foi encaminhado ao Congresso Nacional.

O senhor já detectou alterações na foz do Rio São Francisco?

Posso citar o caso do município Brejo Grande, onde havia um povoado chamado Cabeço, que ficava numa ilha. Lá existiam entre 150 e 200 casas; não tem mais nenhuma em pé porque o mar avançou e destruiu tudo.Também a Ilha Arambipe foi dividida em duas. Na divisa entre Alagoas e Sergipe, nos municípios de Propriá-SE e Porto Real do Colégio-AL, você pode pescar peixes marinhos. De lá até a foz são cerca de 100 quilômetros e você encontra peixes que antes só se adaptavam no mar. Isto significa dizer que esse curso do Rio São Francisco já está alterado, está salinizado.

Qual seria a conseqüência mais grave que a transposição poderia trazer para Sergipe?

Sessenta por cento dos habitantes de Sergipe são abastecidos com água do Rio São Francisco. Além disso, temos projetos de irrigação no semi-árido e a perspectiva de ampliação desses projetos, para o atendimento de milhares de famílias no semi-árido sergipano, está comprometida com a transposição. Como já falei, Minas Gerais e a Bahia, que não são Estados doadores de água do Rio São Francisco, são contrários à transposição porque sabem que, depois dela (da transposição) o Rio São Francisco não tem mais capacidade de ceder água para outros projetos, todo o seu volume estará comprometido. Eu fui eleito governador de Sergipe e vou lutar para defender os interesses dos sergipanos.

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