Estrangeiros são incluídos no Cadastro Nacional de Adoção

Massimiliano Simei, Lia Carosi e Fernando (Foto: Massimiliano Simei/Arquivo pessoal)
Massimiliano Simei, Lia Carosi e Fernando (Foto: Massimiliano Simei/Arquivo pessoal)

O Cadastro Nacional de Adoção já conta com pretendentes estrangeiros. Os primeiros 16 entraram na fila à espera de uma criança do país nos últimos dias, de acordo com a Corregedoria Nacional de Justiça.

Apesar de uma resolução permitindo a inclusão de residentes no exterior ter sido aprovada há mais de um ano pelo Conselho Nacional de Justiça, ela só foi colocada em prática agora, após a reformulação da ferramenta, em maio deste ano. O novo cadastro simplifica operações e possibilita um cruzamento de dados mais rápido.

A expectativa é que a medida interrompa a curva de queda nas adoções internacionais. O número registrado em 2014 é o menor desde 1999. Foram 126 registros, ante 217 em 2013.

Antes da inclusão no cadastro, os estrangeiros precisavam se habilitar nas comissões específicas dos tribunais de Justiça e ficavam restritos às crianças disponíveis nos estados em questão – périplo similar ao enfrentado pelos adotantes nacionais antes da implementação da ferramenta, em 2008. Agora, os residentes no exterior terão acesso a todas as crianças aptas no país. São 5.561 hoje.

A resolução do CNJ diz que a adoção internacional só será realizada após esgotada a possibilidade da adoção nacional, mas “representa uma oportunidade para infantes acolhidos serem colocados em uma família substituta”.

Para George Lima, coordenador-geral da Autoridade Central Administrativa Federal (Acaf), ligada à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, além da maior possibilidade de adoções nos próximos anos, a medida deixa o processo mais transparente. “É importante que haja um critério, o que já existe para os pretendentes do país. Se um residente no exterior for incluído antes, por exemplo, vai ter preferência em relação a outro na mesma situação.”

Além do advento no cadastro, outro fator que deve alavancar o número de adoções, segundo Lima, é a recente admissão de quatro entidades dos EUA na Acaf, que é o órgão responsável por credenciar entidades que ajudam a intermediar as adoções.

Ele credita a queda nas adoções internacionais ano a ano à gradual diminuição de restrições feitas pelos pretendentes brasileiros e a um consequente aumento nas adoções. Mas ressalta que a crise econômica global também é um dos principais entraves. “É uma adoção muito cara. É preciso pagar a tradução dos documentos. É necessário reconhecer firmas, fazer autenticação das cópias. Além disso, os pretendentes precisam passar 30 dias com a criança no Brasil. Ou seja, há gastos com hotel, com as taxas dos organismos internacionais.”

O coordenador-geral da Acaf refuta a hipótese de que exista um receio crescente com casos de tráfico humano que faça diminuir o número. “Faz parte de um senso comum acreditar que a adoção internacional é o mesmo que entregar a criança para um desconhecido. E pelo contrário: ela é muito mais supervisionada e fiscalizada que a adoção nacional. Há um prazo de dois anos de acompanhamento. Trata-se de um processo muito seguro se feito de acordo com a legislação.”

O juiz Fabian Schweitzer, da Comissão Estadual Judiciária de Adoção do Paraná, ressalta a importância do ato. “A adoção internacional é a que demanda mais cuidado, pois a criança precisa também ser muito bem preparada e ‘querer’ ser adotada por estrangeiros. Mas sou defensor dessa adoção por estrangeiros sempre que uma adoção nacional não for possível”, afirma.

A expectativa de que mais crianças ganhem uma nova família se explica pelo perfil pretendido pelos estrangeiros, que não fazem tanta restrição quanto à idade e a grupo de irmãos como os brasileiros. Segundo o cadastro, só 6% dos pretendentes aceitam crianças de 7 anos ou mais – sendo que elas representam 88% do total (veja outros números na página especial).

Perfil estrangeiro
Dados da Associazione Italiana Pro Adozione, tabulados a pedido do G1, mostram que, de um universo de 554 adoções internacionais feitas desde 1998 com a ajuda da entidade, 62% envolveram crianças de mais de 7 anos. As menores, no entanto, quase sempre estavam ligadas a algum irmão mais velho. Mais de um terço das adoções foi feita com um grupo de irmãos. Além disso, 68% das crianças eram pardas ou negras. E entre os adotados havia deficientes e soropositivos.

Para Schweitzer, se muitas vezes falta capacitação aos adotantes nacionais, sobra preparação aos estrangeiros. “Eles estão acostumados a grandes conflitos, catástrofes e formam um sentimento diferente daqui. Eles trocam a questão apenas do gestar, por exemplo.” George Lima concorda. “São países com taxa demográfica muito pequena e um envelhecimento geracional muito grande. Isso também cria uma percepção na população da não necessidade de impor barreiras para a adoção.”

História de sucesso
É o caso dos italianos Massimiliano Simei, de 46 anos, e Lia Carosi, de 49 anos. Depois de anos tentando ter filhos de todos os modos, eles resolveram ir atrás do desejo já existente de adotar uma criança. Desencorajados pela burocracia e relatos de experiências ruins na Itália, os dois resolveram tentar mudar sua sorte no Brasil – o avô de Lia é brasileiro.

Hoje os dois são pais de Fernando, de 8 anos, que vivia em um abrigo no Brasil e agora mora com sua nova família em Monterotondo, uma pequena cidade nas proximidades de Roma. Entre conseguirem a autorização para a adoção e levarem Fernando para casa passaram-se cinco anos.

“Não tivemos restrições à cor da pele, pelo contrário, esperávamos que ele fosse diferente de nós. Aceitamos doenças curáveis. Inicialmente esperávamos uma criança em idade pré-escolar, para uma adaptação mais fácil”, explicou Massimiliano ao G1. “Mas depois, passando o tempo, vivendo a experiência dos trâmites e amadurecendo a nossa consciência de que o amor poderia nos ajudar a enfrentar qualquer experiência, pedimos que nossa idade limite aumentasse.”

Após alguns meses de contato com a Associazione Italiana Pro Adozione, os dois receberam uma primeira proposta de adoção, de duas meninas, irmãs de Fernando. Entretanto, questões burocráticas impediram o seguimento do processo. “Algum tempo depois, o juiz que tratava do nosso caso falou: ‘mas o casal Simei Carosi não poderia adotar o irmão mais novo das meninas?’. A associação nos fez a proposta, e ficamos felicíssimos!”, contou Massimiliano.

Os dois vieram para o Brasil e passaram dois meses aqui convivendo com o menino – “os mais belos de nossas vidas”, segundo o italiano. Os primeiros dias na Itália, em 2014, foram difíceis, mas logo superados. “Ele é uma criança muito determinada, e conseguiu enfrentar sua nova vida com alegria e otimismo.”

Fernando já fala italiano e ainda entende bem o português, mas não costuma falar – ele diz não conseguir se lembrar das palavras. O casal tem planos de colocá-lo em aulas de português, para que ele não perca a língua pátria. “Enquanto isso, eu estou estudando regularmente português na embaixada brasileira em Roma, e meu objetivo é passar no exame de proficiência.”

O casal tem o cuidado de falar de maneira serena sobre o passado do filho, inclusive de seus pais biológicos quando ele quer, e o ajuda a compreender a situação. “Ele é inteligentíssimo, de bom coração, generoso, sabe conquistar as pessoas. Seu primeiro ano na escola foi um pouco cansativo, mas ele passou e encantou os professores. Ele é muito exigente consigo mesmo, e eu e sua mãe tentamos fazê-lo entender que ele não precisa ser perfeito, mas deve ser sereno e feliz”, contou Massimiliano.

Massimiliano descreve a vida atual da família como fantástica. “Ele é nosso filho, como se sempre tivesse sido. É o centro de tudo. Nossas atividades se multiplicaram, porque ele faz muitas coisas: escola, natação, hipismo, piano, kung fu. Ele está cheio de estímulos e é curioso. Queremos que se torne um cidadão do mundo, por isso buscamos que ele tenha tantas experiências.”

As duas irmãs mais velhas de Fernando acabaram sendo adotadas por uma outra família italiana, e vivem em Piacenza, a cerca de 500 km de Roma. Eles ainda não se encontraram, mas mantêm contato com os pais das meninas.

O casal quer adotar mais uma criança – um desejo próprio e também um pedido de Fernando, que pede um irmão para brincar. A família está com viagem marcada novamente para o Brasil, onde espera encontrar seu segundo filho e ficar ainda mais completa.

Fonte: G1

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