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Câmara quer reativar conselho anti-drogas

Quanto custa recuperar um preso envolvido com drogas em Alagoas? Três vezes menos que mantê-lo na cadeia. A constatação é do promotor Flávio Gomes, que assumiu o Núcleo de Direitos Humanos do Ministério Público.
Por ser barata – e eficaz- a medida fez com que a Câmara de Vereadores decida discutir, na próxima terça-feira, a reativação do Conselho Municipal de Combate às Drogas.
Nesta entrevista, o promotor Flávio Gomes constata que, além dos custos menores para a recuperação de dependentes químicos, o avanço das drogas mudou a paisagem urbana: acabaram os cheira-cola; no lugar, estão os viciados em crack. Acompanhe:

Como vai funcionar o trabalho do Núcleo de Direitos Humanos do MP?

Faremos um trabalho mais amplo, não apenas da violência policial, que é uma das formas. Não queremos acobertar nada, mas fazer justiça. Mas, penso que os direitos humanos são ligados a todas as áreas, tanto da vítima quanto das questões sociais. No combate às drogas, mediamos ajuda para a Secretaria Estadual da Cidadania e Direitos Humanos trabalhar com espaço físico e projetos sociais. Tivemos reuniões com a Secretaria de Educação do Estado, a Secretaria Municipal de Educação, trabalhando em projetos de combate às drogas. Queremos falar de direitos humanos de forma mais ampla, não aquele sentido equivocado da sociedade. Em tudo há direitos humanos, incluindo a exclusão social.

Como trabalhar direitos humanos com um tecido social em frangalhos, uma polícia sem equipamentos e o avanço sem controle das drogas, como é o caso de Alagoas?

Complicado, porque o Estado tem débito com a sociedade. Acredito que a iniciativa maior é chamando o Estado para assinar os termos de ajustamento de conduta e se for o caso até com ações civis públicas, como os colegas do Ministério Público já fazem. Temos um MP mais social. A falta de recursos não pode ser justificativa para a falta de iniciativa do Estado na área dos direitos humanos.

Quando se fala nos direitos humanos, o que o sr. sente mais falta em Alagoas?

Da sociedade. Ela tem uma forma equivocada de enxergar esse trabalho. Isso gera um certo desinteresse. Precisa-se de uma junção de forças de todos os setores, das secretarias, da sociedade civil organizada. Não é que falta isso aqui, mas é uma questão de “encaixe”. Precisaria de um casamento maior: secretaria A com instituição B. Falta isso.

Excesso de burocracia? É isso?

Existem as questões burocráticas. Há resistência também ligada ao preconceito. Uma questão cultural. Algumas instituições também são resistentes, não é o caso do MP, mas a maior dificuldade é com a sociedade. Isso se reflete até na demanda do Núcleo: temos recebido mais denúncias de violência policial.

O MP tem dados desse avanço da violência e das drogas em Alagoas?

Estamos fazendo este levantamento, mas creio que Alagoas precisaria de uma secretaria especial para isso. Não só as drogas ilícitas, mas as lícitas, como o álcool. O índice de alcoólatras é cada vez maior. Os acidentes de trânsito são ligados exatamente à presença do álcool. Quanto ao tráfico, temos lugares de Maceió que só recebem projetos sociais depois que a policia faz a “limpeza” da área. Se não tiver isso, não há trabalho. Os traficantes seduzem a favela e a periferia. Temos em Maceió escolas com computadores que não podem ser usados porque serão roubados. O pano de fundo disso? As drogas.

O que o senhor está falando não é exatamente novo. Há um discurso repetido ao longo dos anos sobre isso, até mesmo das instituições públicas e nada de concreto é feito para alterar este quadro. Como crer que o trabalho do MP será inovador nessa área?

Vamos cobrar políticas públicas, com mais ajuda da sociedade e segurança. O avanço é cada vez maior. Temos um trabalho agora de construir um centro de recuperação de dependentes químicos. Não temos isso em Alagoas. Se o dependente químico de uma área mais pobre quer se tratar, não existe um lugar. O Estado ainda não chega ao usuário. Quem tem dinheiro, vai para a fazenda da Esperança se tratar. Não é o caso da grande maioria, que, sem recurso para tratamento, continua nas drogas. Tão difícil é a situação que está se construindo presídio para jovens de 18 a 24 anos, a grande maioria envolvida no mesmo problema: as drogas.

Neste trabalho, os senhores pretendem chamar exatamente quem?

Principalmente, Estado e município. Eu percebo que deve existir uma política de trabalho voltada ao dependente químico. Não são os Caps [centros de apoio para famílias em situação de risco] que resolvem, é necessário algo ainda mais específico. Se não houver diminuição no uso das drogas, a violência não recua. É falácia pensar o contrário. Um cidadão pode ficar preso, se não for recuperado da dependência química, não adianta. Ele volta a delinqüir.

É uma situação emergencial?

Acho que sim. O índice de homicídios ligados às drogas vem aumentando. A realidade do sistema prisional mostra isso. 70% da população carcerária são dependentes químicos. Não temos um setor estruturado exatamente para combater isso. Temos o “salve-se quem puder”: quem tem dinheiro, manda para São Paulo para as clínicas. Quem tem mais ou menos dinheiro, vai a Fazenda Esperança. E a grande maioria não tem escapatória: morre ou vai matar nas ruas.

Quem comanda o tráfico de drogas em Alagoas?

Temos pontos mapeados. Em determinados lugares, os traficantes estão presos, mas mesmo assim, boa parte deles ainda tem suas influências. Alguns mandam dos presídios, nos lugares do tráfico, tanto que recentemente foram retirados de Alagoas.

Qual o local de Maceió que os senhores enxergam como a terra dos “sem jeito”, ou seja, o tráfico criou um poder paralelo, maior que o do Estado?

Não vejo assim. Temos favelas no Rio de Janeiro que se recuperaram e eram consideradas lugares dos “sem jeito”. Depende de boa vontade. No mapeamento do Estado, temos situações de “zona de risco”, como o Jacintinho, o Benedito Bentes, o Clima Bom, a Vila Brejal. São lugares com situação crítica, mas é possível contornar. Vivemos em um estado geograficamente pequeno e temos uma polícia de alto nível. Falta uma certa organização para efetivar estas atividades.

Há um debate internacional sobre a liberação ou não do uso de drogas, como a maconha. O que o senhor acha disso?

Não concordo. Trabalho como dependentes químicos e qualquer droga é porta para o acesso a outras. Por mais que se justifique, dizendo isso ou aquilo, mas os que chegaram ao crack, por exemplo, passaram por outras drogas, como o álcool, pelo comprimido, enfim. Tudo funciona como uma escala. A liberação da maconha pode gerar um problema mais sério.

Então, a preocupação do MP ainda é com o crack?

Sim. Observe os cheira-cola de Maceió. Quase há não há mais. Isso porque a cola foi modificada pelo uso do crack, é uma redução aparente, ligada ao consumo maior do crack. A merla- derivada do crack – chegou aos estados e vem a Alagoas ainda em pequena escala. Mas, a dependência do crack é bem maior e mais rápida no organismo humano.

Porque as drogas avançam de forma tão rápida?

Por causa da associação ao crime. A maioria dos traficantes, podemos observar, é ligada ao homicídio. São as organizações criminosas. Não é só um problema de Estado, mas da família, da sociedade. São os caminhos abertos para a entrada das drogas. Temos que fechar estas portas.

Parece que a sociedade civil organizada enxergou o avanço das drogas de forma mais rápida, tanto que existem instituições funcionando na recuperação de dependentes químicos. O MP acabou entrando a reboque?

Não vejo por esse ângulo. Estas instituições fazem este trabalho praticamente sozinhas, dependem de apoio da sociedade. Temos a comunidade Nova Jericó, em Marechal Deodoro, por exemplo. O Estado deveria fazer isso, no sentido de políticas públicas para recuperação destes jovens. Mas, no geral, são lugares que atuam sozinhos, isolados.

Quanto custa um preso em Alagoas?

Em torno de R$ 1.300.

E recuperar um preso dependente químico?

Um salário mínimo, em média. Quando eu era promotor da Vara de Execuções Penais, defendi a possibilidade de retirar as pessoas do regime semi-aberto para estas instituições de recuperação. Fizemos uma experiência com um reeducando. O semi-aberto era álibi para o uso de drogas, uma espécie de point. Não havia controle. Eu pensei na época em pegar este pessoal, os que querem se recuperar, tirá-los da dependência, encaminhando-os para estas unidades de internação. No Rio Grande do Sul, a fazenda Esperança fez esta experiência: levou dez presos para recuperação. Apenas um fugiu. Não queremos tanto aqui, mas no semi-aberto pode haver uma triagem e encaminhar alguns para tratamento contra a dependência química.

É possível imaginar um cenário como o que vivemos, diante de uma crise internacional, desaquecimento da economia e redução de despesas, onde Estado e municípios reclamam da falta de dinheiro para quase tudo?

É difícil porque trabalhar com direitos humanos também exige dinheiro, especialmente para capacitação. Agora, se há poucos recursos, temos de elencar prioridades. Há gastos maiores que precisam ser cortados, como publicidade governamental. Podem-se redimensionar os gastos. O assunto “drogas” virou uma questão de saúde e segurança públicas e Alagoas não tem projeto efetivo contra isso. Isso merece qualquer sacrifício. É só uma questão de prioridade.

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