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Democracia de bolso ou perfumada

Um lembrete em tempos tão flexíveis em relação à democracia poderia conter o episódio do julgamento de Sócrates, na Grécia, símbolo do homem amante dessa mesma democracia, mesmo a democracia daqueles tempos exclusiva a um grupo de melhores, excluindo-se escravos, estrangeiros e mulheres; mesmo uma democracia em meio aos tiranos e mesmo a democracia que se permitia julgar e condenar seu maior defensor. A democracia (propositadamente repetida neste artigo) permitia-se a injustiça, mas o sistema adaptava-se até a sociedade encontrar seu melhor caminho. Mesmo seu maior sonhador enxergava este plano. O futuro da sociedade viria dela mesma.
Sócrates foi acusado de corromper a juventude. Na sua defesa advertiu que usaria a verdade, não a retórica, em busca do interesse. Afinal, ali, naquele tribunal, haveria de defender não apenas a si, mas o sistema político de uma época contra acusações dos representantes dos poetas, dos políticos e dos oradores, hábeis na arte de falar ou de mentir. O socrático e os sofistas.
Sócrates, defensor da democracia, sabia que ali deparava-se com uma democracia corrompida, apodrecida pelos acordos permissivos. Condenado, pediu a pior das penas- a morte. Afinal, se era criminoso- e o pior deles, como o tribunal acreditava- deveria ser condenado como o mais descrente deles. A democracia deveria mostrar o tamanho de sua decisão e todas as suas conseqüências, prevalecendo os ditames do sistema, da sociedade. O triunfo da escolha.
Tomou o veneno no cálice. Era a cicuta. Antes, seus discípulos subornaram os guardas, para soltá-lo. Não aceitou. A democracia decidia assim. Não poderia sair da prisão e falar em virtude, democracia, se havia atentado contra ela, desobedecendo a decisão da maioria, mesmo em um sistema cercado pelos 300 tiranos, pelos que o julgaram no tribunal aos risos (exótico um homem, com linguagem da feira, que defendia a democracial!).
Porque a democracia era uma só. Não havia duas, uma no bolso, de fachada, e outra para mostrar no botão da camisa. Uma só.
Em tempos de congresso nacional do PT, que se estende por todo este final de semana, imagina-se a situação de um partido como o PMDB, cujo símbolo de democracia, erguido na ditadura militar, travestiu-se na conhecida imagem de suas lideranças locais (em Alagoas) e nacionais, por onde desfilam bois de ouro e os traficantes de influência, personagens inspirados em alguns dos livros de Kafka, como O Castelo, O Processo e a Metamorfose.
O PMDB estava fora da carta de intenções petistas, para o futuro governo Dilma Rousseff, mas era encaixado nos tácitos acordos extraoficiais. Como o maior partido do Brasil, o PMDB permite-se não se lançar mais à presidência da República. Não vale governar o Brasil, vale viver-se dele, parasitando-o, extraindo a sobrevivência de suas lideranças amealhadas pelos tempos em que a política virou aliada da podridão ética, dos mensalões.
(Essa desatenção destes novos detalhes vem custando caro a sociedade do futuro.)
Por outro lado, o PSDB permite-se o luxo de ostentar a matemática da retórica, através de um artigo de prestação de contas da governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Cruzius, cujas bases do seu choque de gestão são roídas pela corrupção, mas os números dela mesma alardeiam a diferença entre as duas democracias: aquela que a gente se perfuma e a que a gente tira do bolso; ou ao não se envolver nas relações com o governo do DEM, em Brasília, ou ainda a esquizofrenia da política: um PSDB nacional que critica os sem-terra; um PSDB alagoano que corteja os sem-terra.
(E o PMDB, partido como se diz, “partido”, adaptável, encaixável para todos os gostos. Os gostos mais gostosos. Ruim com ele, pior sem ele; solução para a governabilidade.)
As bases destes novos ou velhos tempos permitem esse discurso enfeitado. Os números falam em gestões eficientes ou do Estado forte. Um PT e um PSDB. É a democracia que se perfuma, confunde-se para governar. E governar para quem?
Mesmo assim, são tempos de democracia. E de lições para o futuro. A sociedade do futuro.

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