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Doutor Ib Gatto e o segredo do major Cavalcante

A morte arrebata um dos personagens mais emblemáticos da história moderna de Alagoas, o doutor Ib Gatto Falcão. E aqui abro uma exceção, com a permissão do amigo-leitor, para escrever o texto em primeira pessoa, para falar deste personagem e explicar porque ele é emblemático. E fascinante, além de exímio contador e sabedor das histórias do poder em Alagoas.

Era 2004 quando trabalhava no jornal Primeira Edição e tínhamos pensado, na redação, chefiada pelos jornalistas Cláudia Galvão e Wadson Régis, em uma matéria sobre os 40 anos do Golpe Militar, de 1964. Batemos o martelo, mas o assunto era complexo demais para ser fechado em uma semana e por uma única pessoa. O perigo era termos muito a contar e pouco a escrever, no turbilhão de informações. Por isso, a redação se dividiu em frentes. A mim, coube entrevistar sindicalistas e personagens que viveram o estouro imediato do Golpe no fim de março e início de abril.

No meio das histórias, visitando casas, apartamentos e papeando com vários personagens, incluindo o ex-governador Divaldo Suruagy, surge Ib Gatto Falcão. Eu sabia dos enredos do médico e acadêmico (era uma fonte interessante em várias matérias), porém, desconhecia um dos seus lados mais bem guardados- e desta vez para sempre: as negociações do governador Luiz Cavalcante, testemunhadas por Ib Gatto e Divaldo Suruagy, integrante do Executivo, com o Governo Central, no Palácio Floriano Peixoto, no Salão de Despachos, dias antes do 1964.

A revolução ou o golpe, como depois a história chamou, era necessária, segundo fui apurando, para evitar os avanços políticos de Miguel Arraes, o ex-governador pernambucano "comunista" e Leonel Brizola. Claro, os sindicalistas viam isso como uma armação sem tamanho para favorecer as elites, ajudando a "enquadrar" os intelectuais contrários ao novo regime.

Alagoas era um alvo interessante dos comunistas, por causa do vizinho Pernambuco, dominado por Arraes. E na reunião no Palácio entre o governador, secretários, Ib Gatto e Suruagy, foram costuradas estratégias dias antes do golpe e, aparentemente, solucionaram-se algumas questões pendentes, conforme a apuração com os personagens se desenvolvia para a construção do texto.

Por exemplo: o major tinha que marchar favorável aos militares. Ponto final. E ele não resistia a isso. E ponto final, de novo. Mas, Ib Gatto era um baú e este assunto gerava uma reação de silêncio no presidente da Academia Alagoana de Letras. Parecia incomodá-lo, teve até uma atitude estranha: "depois desta entrevista passe aqui para eu dar uma revisada no texto". Desobedeci, não coloquei em prática o pedido. Depois, ele entendeu.

Na entrevista, ele me olhava intrigado, desconfiado. Estávamos na sua sala, na Academia. Ele defendia alguns pontos e eu queria saber da reunião no Palácio com Suruagy e Luiz Cavalcante. A conversa era agradável. E seu segredo também.

Ib Gatto não aceitava chamar o golpe de golpe. Era revolução. O momento político, segundo ele, justificava essa correção nas linhas ortográficas da história.

Até que ele deixou escapar o episódio envolvendo o embaixador dos Estados Unidos, informante político e um dos mentores do golpe (ou revolução) no Brasil, Lincoln Gordon. Chamava Gordon de amigo e disse ter alcançado uma plena satisfação nesta vida. "Qual, doutor Ib Gatto?". "A de passear na limusine com o doutor Lincoln Gordon pelas ruas de Washington. Era fascinante. Poucos conheceram as ruas de Washington da janela de uma limusine". Ib Gatto riu. O passeio, pelo que ele me disse, aconteceu uma única vez. Se ele mantinha contato com o embaixador? Não disse nada.

E eu não podia acreditar naquela história. Outras fontes confirmaram o vínculo entre ambos. Cada um conta do seu jeito. Estava tão eufórico que acabei esquecendo de perguntar sobre a reunião, dias antes da revolução ou do golpe, como ele chamava, no Palácio. A sede curiosa vai permanecer. Agora, apenas o ex-governador Divaldo Suruagy, outro baú político lacrado a tantas chaves, tem os detalhes. É o único vivo daquele episódio. E agora o guardião do segredo até o fim da vida, como o fez o doutor Ib Gatto.

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