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Em Maceió, traficantes enterram jovens vivos

MACEIÓ- Em uma grota, no bairro do Benedito Bentes, um dos mais populosos e pobres da capital alagoana, José Correia Pereira, 18, foi assassinado com 48 tiros, há três anos. Ele era sobrinho da professora Clementina Pereira, que há dois meses ajudou a fundar o Instituto de Promoção da Paz no bairro, um grito da comunidade contra o fim da violência e a execução de jovens da região. O Benedito Bentes é o terceiro bairro que mais mata no Estado. 177 pessoas, 80% não chegaram aos 18 anos, foram executadas a tiros entre janeiro de 2008 e maio de 2009.

A violência em Maceió aparece nas estatísticas do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). É o nono município com mais riscos de não se chegar a idade adulta. O Índice de Homicídios na Adolescência (IHA), tábua criada pelo Unicef, baseando-se em estatísticas de 2006, indica que 6,0 jovens são mortos a cada mil. O primeiro lugar é ocupado por Foz do Iguaçu (9,7).

Em Alagoas, há uma associação entre morte precoce de jovens, as drogas e a disputa pelos pontos de tráfico.

“No Canaã [bairro próximo], os traficantes estão enterrando os jovens vivos. Quem não paga a dívida, morre. Quem chegar perto para desenterrar a pessoa, morre também. Aqui mesmo no Benedito Bentes, os traficantes matam e já enterram a pessoa. Algumas vezes viva”, descreve a professora. Lêda Rios concorda. Ela perdeu o filho, de 35 anos, assassinado por engano na praça padre Cícero, a 20 metros da estátua do padroeiro do Nordeste. Era o filho mais velho. “Aqui, nesta praça, a droga corre solta”, conta a mãe. “E o problema agora é que o crack está em promoção” diz a professora Clementina. Como assim “promoção”? “Uma pedra custa R$ 5,00. É vendida a R$ 2,00, bem menor em tamanho, e gera uma disputa danada. Dia de show, Ave Maria”, benze-se a professora.

A praça padre Cícero é chamada de “cracolândia do Benedito Bentes”. Somente a chuva espanta os traficantes. O comércio é feito ao ar livre. Chovia na praça quando O GLOBO visitou o lugar. “É uma cena rara não ter traficante hoje aqui”, conta a professora Clementina.

“Tudo isso é causado pela ociosidade. Uma escola em tempo integral resolveria 60% dos problemas. Os pais têm que trabalhar. Os filhos passam parte do dia sem fazer nada”, conta outra coordenadora do instituto, Poliana Moraes. Um centro cultural na comunidade foi erguido com o dinheiro dos moradores do Benedito Bentes. Atende 850 jovens, mas a estrutura é das piores: o chão é salpicado de cimento, as paredes não têm reboco e quase não existe iluminação. Quadro de auto-ajuda estimulam as pessoas. Crianças e jovens gostam do lugar. Mães procuram orientações para os filhos envolvidos em drogas. Famílias inteiras tentam outro recurso: uma cesta básica. No mês de junho, o Benedito Bentes recebeu o Territórios da Cidadania, projeto do Ministério da Justiça para diminuir a violência na região. “O Territórios anda bem devagar”, disse Poliana Moraes.

Na semana passada, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Alagoas publicou os números da violência contra jovens no Estado. 262 jovens, entre 0 e 24 anos, foram assassinados nos seis primeiros meses deste ano. 231 deles por armas de fogo. É a primeira vez que relatório deste tipo é apresentado pela ordem.

Ainda pelos dados, a maioria dos jovens mortos está na capital, é pobre e envolvidos em drogas. Outro dado revelado pela ordem é que 40 mil crianças foram vítimas de violência doméstica em todo o Estado, também nos seis primeiros meses deste ano. Os instrumentos mais comuns, usados contra elas, eram cintos, cipós, pedaços de paus, pontas de cigarros e fios de ferro de passar, além de socos e pontapés.

“Há crianças e adolescentes em estado de abandono. São necessários programas de orientação mais contundentes, unidades hospitalares preparadas para a desintoxicação. O usuário de drogas é caso de saúde pública em Alagoas”, afirmou o presidente da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB, Edimilson de Souza.

De acordo com o promotor de Direitos Humanos do Ministério Público Estadual (MPE), Flávio Gomes, a questão envolvendo as drogas acaba gerando uma briga por pontos de comercialização de entorpecentes. Há três semanas, foram transferidos 13 bandidos, considerados os mais perigosos do Estado, para o presídio federal de Catanduvas. A maioria era traficante.

“A dívida da droga é cobrada na bala e cada traficante preso pela polícia vem outro para substituir. O que precisamos fazer é fortalecer as comunidades terapêuticas. A maioria dos casos que temos é de jovens envolvidos no crack e eles querem deixar o vício. Mas, eles não conseguem sozinhos”, disse Gomes.

“Estamos elaborando uma radiografia dos lugares que tratam dos dependentes, mas constatamos que a rede não está preparada para atender estes jovens. Faltam leitos, a fila de espera é de pelo menos mil pessoas e não existe mais espaço nas comunidades terapêuticas. Por isso, estamos fazendo um trabalho em conjunto. Propomos que as equipes do Programa Saúde da Família sejam treinadas para ajudar os dependentes e os centros de saúde possam receber treinamento. Do contrário, vou entrar com uma ação civil pública contra o Estado, pedindo bloqueio de contas para ajudar as famílias”, disse o promotor do MP.

No dia 27 de julho, um mutirão envolvendo a sociedade civil organizada e o Governo vai à cracolândia alagoana, a 150 metros do Palácio República dos Palmares, para tentar atrair dependentes químicos para tratamento. Vão oferecer tratamento social e psicológico. “Nem todos serão resgatados. Sabemos disso. Mas, esse trabalho será contínuo”, afirmou o promotor.

“Não perdemos o controle sobre as drogas porque isso é um problema mundial. Agora, existem outros fatores, como os sociais. A polícia não pode assumir a responsabilidade sobre todas estas mortes”, explicou o delegado-geral adjunto da Polícia Civil, José Edson.

Na semana passada, o assessor do presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Paulo Tamburini, se reuniu com o governador Teotonio Vilela Filho (PSDB) para pedir a extinção dos gabinetes militares dos poderes. Uma medida para diminuir a violência em Alagoas. Mais de 800 homicídios foram registrados este ano, pelos dados da Polícia Civil do Estado.

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