Quem é o vereador que ignorou decisão judicial e vai pagar R$ 100 mil de aluguel do Municipal para homenagear Michelle Bolsonaro

Pastor da igreja do Evangelho Quadrangular, Rinaldi Digilio tem patrimônio declarado de R$ 2,4 milhões e está no 2° mandato como vereador. Em ação de reintegração de posse na Justiça de SP movida por ele, o parlamentar pediu gratuidade judicial alegando que as custas processuais de R$ 4,3 mil tinham 'elevado valor'.

De atuação discreta na Câmara Municipal de São Paulo, o vereador Rinaldi Digilio (União Brasil) mergulhou numa polêmica judicial nesta segunda-feira (25), ao ignorar uma decisão que proibia o uso do Theatro Municipal para entrega de título de cidadã paulistana à ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro.

André Bueno/Rede Câmara

O vereador Rinaldi Digilio (União Brasil) durante entrega de homenagem à Michelle Bolsonaro (PL) no Theatro Municipal de SP.

A honraria foi entregue na noite desta segunda (25), mesmo após um recurso da Câmara Municipal ao presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) para derrubar a liminar ter sido negado, por incompetência de foro.

Após a derrota na Justiça, Rinaldi Digilio – que é pastor da Igreja do Evangelho Quadrangular – disse que bancaria ele mesmo a homenagem, pagando a diária de aluguel do teatro, que é de cerca de R$ 100 mil.

Na cerimônia, o vereador contou que teve aprovação da esposa para fazer um financiamento de R$ 100 mil e pagar a locação do espaço.

“Eu vou fazer um financiamento e a gente vai pagar ao longo do tempo. (…) Infelizmente não dá pra pechinchar. Tenho que pagar. E agora eu posso falar: Eu loquei esse lugar e posso falar o que eu quiser… Mesmo com a decisão da Justiça, impondo multas que podem chegar a R$ 200 mil, eu fiz esse empréstimo, dei meus bens como garantia. (…) Fiz [a locação] para que essa cerimônia pudesse acontecer em cessão onerosa, apesar das perseguições e perseguidores. Não dou um passo pra trás nem pra pegar impulso”, declarou o vereador.

Durante a cerimônia, os participantes pediram o PIX do vereador para contribuir com o aluguel.

O vereador Rinaldi Digilio (União Brasil) durante entrega de homenagem à Michelle Bolsonaro (PL) no Theatro Municipal de SP. — Foto: Richard Lourenço/Rede CâmaraO vereador Rinaldi Digilio (União Brasil) durante entrega de homenagem à Michelle Bolsonaro (PL) no Theatro Municipal de SP. — Foto: Richard Lourenço/Rede Câmara

Gratuidade na Justiça

O valor que o vereador quer desembolsar é mais da metade dos R$ 170 mil que ele gastou em 2020 na campanha que o reelegeu em São Paulo pelo PSL, segundo os registros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Na época, Digilio conquistou 13.673 votos e foi eleito na última vaga entre os 55 parlamentares.

 

Na campanha de 2020, Rinaldi Digilio declarou à Justiça um patrimônio de R$ 2,4 milhões, entre casas, terrenos e aplicações em fundos de investimento bancários.

O curioso é que, em uma ação de reintegração de posse movida por ele contra inquilinos de um de seus imóveis, em janeiro de 2023, o vereador solicitou gratuidade judicial no processo. O imóvel seria avaliado em R$ 438 mil.

No processo, a defesa do vereador diz que as custas processuais de R$ 4,3 mil eram excessivamente altas e podiam comprometer o próprio sustento do parlamentar (veja documento abaixo). O vereador nega.

Pedido de gratuidade do vereador Rinaldi Digilio (União Brasil). — Foto: Reprodução/TJ-SPPedido de gratuidade do vereador Rinaldi Digilio (União Brasil). — Foto: Reprodução/TJ-SP

Mas os advogados não anexaram os documentos ao processo e a magistrada negou a gratuidade. Nos autos, Digilio não chegou a informar à juíza que exerce o cargo de vereador, com salário mensal de R$ 18.991,68.

O que dizem as partes

Por meio da sua assessoria, Rinaldi Digilio afirmou que o imóvel em litígio na Justiça de SP é fruto de herança e que nunca pediu justiça gratuita no caso.

“Informamos que o imóvel e objeto da causa em questão trata-se de um bem recebido de herança. Que foi invadido, na qual entramos com o pedido de reintegração de posse, o que lícito a qualquer um. Quanto ao pedido de justiça gratuito, informamos que nunca fizemos tal solicitação, o que será confirmado com a consulta ao processo. Por fim, o imóvel consta de minha declaração de imposto de renda”, disse o vereador.

g1 procurou os advogados do vereador por telefone e e-mail para esclarecer o pedido protocolado no TJ-SP, mas não recebeu retorno até a última atualização desta reportagem.

Fernando Holiday e Rinaldi Digilio entregam à Michelle Bolsonaro (PL) o título de cidadã paulistana, ao lado de Jair Bolsonaro (PL), no Theatro Municipal — Foto: André Bueno/Rede CâmaraFernando Holiday e Rinaldi Digilio entregam à Michelle Bolsonaro (PL) o título de cidadã paulistana, ao lado de Jair Bolsonaro (PL), no Theatro Municipal — Foto: André Bueno/Rede Câmara

No evento de entrega do título de cidadã paulista à Michelle Bolsonaro, Digilio chamou a decisão judicial de barrar o uso do espaço do Municipal para a homenagem de “injusta e antidemocrática”.

“Quem luta pela Justiça e pela Liberdade não pode se curvar aos ímpios e aos injustos. A verdade não virou mentira não virou verdade. Jamais poderia deixar a primeira-dama passar por esse constrangimento, por essa desfeita [de não receber o título no Theatro Municipal]. Mas, acima de tudo, jamais poderia deixar São Paulo passar pela vergonha, a impressão de que toda cidade é antidemocrática”, disse o vereador no evento.

Vereador cristão

Rinaldi foi eleito vereador de SP pela primeira vez em 2016, quando conquistou 20.916 votos pelo Republicanos, partido da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), e do governador Tarcísio de Freitas.

Autodenominado nas redes sociais como “vereador conservador e vereador de Direita”, ele diz que já barrou na Câmara “a aprovação de mais de 50 leis e proposituras que visavam destruir os valores cristãos e da família tradicional”.

Além da atuação na comunidade Quadrangular, o parlamentar afirma que desenvolveu ao longo da carreira trabalhos importantes junto a movimentos e lideranças populares, com diferentes ações sociais que beneficiam comunidades carentes.

“Entre os trabalhos estão duas unidades da Comunidade Terapêutica, casas de reabilitação de dependência química, que atendem mais de 100 pessoas com equipes multidisciplinares”, afirmou.

Entre as proposituras mais importantes da carreira destacada por ele no site da Câmara está a aprovação de projetos para ajudar as igrejas, como a Lei da Anistia e o Programa de Parcelamento Incentivado (PPI), além da conquista de espaço para a música gospel na programação cultural da capital paulista.

Decisão do TJ

A suspensão do uso do espaço tinha sido determinada na sexta (22) pelo desembargador Martin Vargas, da 10ª Câmara de Direito Público do TJ-SP. O magistrado considerou o uso do teatro para esse tipo de evento uma infração contra “os princípios da Administração Pública, da impessoalidade e da moralidade”.

Ao acatar um recurso liminar da deputada federal Érika Hilton (PSOL-SP) e da ativista Amanda Paschoal, Martin Vargas não era espaço adequado para o recebimento desse tipo de homenagem, que devia acontecer na Câmara Municipal de São Paulo, como sempre acontece nesse tipo de honraria.

“Diversas cerimônias similares de entrega do Título de Cidadão Paulistano já foram realizadas em homenagem a diferentes personalidades públicas, em reconhecimento às suas atuações em âmbito artístico, político, esportivo, cultural, religioso, todas elas na sede do Poder Legislativo Municipal, como se depreende do registro existente no sítio eletrônico do Portal da Câmara“, escreveu o desembargador.

Fachada do Theatro Municipal de São Paulo, no Centro da capital paulista. — Foto: Richard Lourenço/Rede CâmaraFachada do Theatro Municipal de São Paulo, no Centro da capital paulista. — Foto: Richard Lourenço/Rede Câmara

“A suspensão do evento no Theatro Municipal, em atenção à prevalência dos princípios que regem a Administração Pública, em especial ao da publicidade, impessoalidade, motivação e moralidade, diante da existência de indícios contundentes de violação ao interesse público”, completou Martin Vargas na sexta (22).

desembargador impôs uma multa de R$ 50 mil caso a liminar seja descumprida. E disse que entrega do título à Michelle Bolsonaro deve acontecer na Câmara Municipal, como sempre acorre com todas as honrarias do tipo dadas na cidade pelo Poder Legislativo.

Antes da decisão de pagar o evento do próprio bolso, Digilio disse na noite deste domingo (24), nas redes sociais, que não cumpriria a decisão judicial de segunda instância.

Eu não fui notificado oficialmente e, por isso, a cerimônia está mantida. Consultando a Câmara Municipal, a Mesa Diretora me informou que está tomando as medidas judiciais cabíveis e a cerimônia está mantida. (…) Jamais poderia tolerar uma decisão que desrespeita a independência dos poderes e ataca diretamente o Poder Legislativo”, declarou o vereador.

 

O vereador Rinaldo Digilio (PL) e a deputada federal Érika Hilton (PSOL-SP). — Foto: Montagem/g1/DivulgaçãoO vereador Rinaldo Digilio (PL) e a deputada federal Érika Hilton (PSOL-SP). — Foto: Montagem/g1/Divulgação

O que dizem as autoras da ação

Em manifestação juntada aos autos, os advogados de Érika Hilton e Amanda Paschoal disseram que liberar o espaço para a realização do evento pode resultar em processo de improbidade administrativa contra a Câmara e a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB), em virtude da falta de contrato entre a fundação que administra o espaço e o Poder Legislativo para uso do lugar.

“Não há celebração do termo de cessão onerosa entre o vereador proponente ou mesmo a Câmara Municipal e Theatro Municipal. Está patente que se o evento ocorrer, haverá prejuízo ao Erário, pois está evidente sua ilegalidade, falta de motivação, violação da impessoalidade e desvio de finalidade da utilização do espaço”, informaram os advogados.

Segundo o regulamento do Theatro Municipal, a cessão de uso de espaço “será prioritariamente destinada à realização de eventos de natureza artística, deformação e cultural compatíveis com a natureza do espaço”.

O uso o teatro nesses casos, são bancados por um contrato de R$ 115 milhões entre a Prefeitura de São Paulo e a Fundação para o uso do lugar durante o ano.

“As cessões não onerosas concedidas são diversas, tendo como requisitantes Secretarias Municipais, Secretarias Estaduais, Poder Judiciário, Tribunais de Contas, Fundações e etc. Portanto, trata-se de medida típica que visa garantir a utilização do espaço público para fins de interesse e caráter público, para, deste modo, não haver deturpação de sua natureza, sem, no entanto, gerar prejuízo direto ao contrato de gestão vigente”, informou a Fundação Theatro Municipal no processo.

Fonte: g1

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