A homologação, no final do ano passado, do registro do saber-fazer do Doce-de-cajú de Ipioca como Patrimônio Cultural (Imaterial) de Alagoas, pelo Conselho Estadual de Cultura, foi uma conquista, fruto do trabalho de pesquisa e registro dos estudantes de arquitetura, sob a coordenação da professora Josimeire Ferrare, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Ufal.
Um trabalho iniciado em 2008, teve várias etapas, até culminar, em 2012, na elaboração do Dossiê de candidatura à Patrimônio Cultural Imaterial de Alagoas do saber-fazer dos doces. "O pedido de registro partiu de uma atividade didática da disciplina de Prática do Restauro", informou a professora.
Agora, com a forma de fazer os doces registrada, os alunos da disciplina de Prática de Restauro vão se voltar, este ano, para valorizar e divulgar esse conhecimento. "Sentimos a necessidade desse trabalho de valorização durante as entrevistas para registrar como são feitos os doces. É um processo trabalhoso, que leva horas, por isso as novas gerações já não se interessam mais em aprender com os pais", percebeu a professora.
Por isso, o projeto de extensão deste ano, tem como tema "Fazendo e (re)fazendo o doce-de-cajú em Ipioca". O objetivo é propor várias formas de divulgar os doces tradicionais para os turistas e alagoanos. "Muita gente nem conhece essa produção artesanal, por isso alguns tipos de doce, como a Ameixa de Caju e a Castanha Confeitada são encontradas com dificuldade. Poucas pessoas querem passar até 12 horas seguidas no fogo de lenha para fazer essas iguarias", pondera a arquiteta.
A professora acredita que, se os doces forem oferecidos nos hotéis e pousadas que hoje existem na localidade, se tiver outdoors e outras formas de divulgar os doces de caju, se os doces forem apresentados com design mais atrativo, então a comunidade vai se sentir mais valorizada e os filhos dos antigos doceiros vão ter mais interesse em aprender o ofício dos pais.
Histórico do projeto
A pesquisa para resgatar o saber-fazer do doce-de-caju de Ipioca teve dois momentos. No primeiro, em 2008, participaram os alunos Andréia Oliveira, Arlete Suzana Lima, Érica Albuquerque, Marcelo Ponte, Vanessa Albuquerque e Vivian Geier. Os alunos identificaram e registraram o processo de transmissão desse saber-fazer dos doces de Cajú, dos idosos para os jovens, e já perceberam que a transmissão desse conhecimento estava decaindo, por falta de interesse das novas gerações.
Em 2012, participaram os alunos Sérgio Silva, Rafael Bryan, Wiiliane Ferreira, Ligia de Moura, Yasmim Santos, Lays Ferraz e Jéssica Acioli. Esse grupo reuniu o material necessário para inscrever o ‘saber-fazer’ dos doces no "Livro de Saberes" da Cultura Alagoana. "A preocupação era que esse conhecimento tão tradicional, que já atravessou muitas gerações, não fosse extinto", destacou Josimeire Ferrare.
Os próximos passos
Agora que o saber-fazer do doce-de-caju de Ipioca é um patrimônio cultural imaterial, os estudantes da disciplina de Prática de Restauro vão se dedicar, em 2014, aos próximos passos. "Temos vários objetivos no projeto deste ano, incluindo o estímulo a abertura de mais pontos de venda ao longo da estrada, com barracas de aspecto diferenciado, para chamar a atenção dos motoristas que passam pela AL 101 norte", explica a professora.
Também é proposta do grupo contribuir na parte gerencial do negócio familiar. "É preciso formalizar um vínculo com uma entidade de apoio ao incremento de vendas de produtos artesanais, planejando a comercialização e melhorando a qualidade do produto, com a realização de cursos. Temos que promover ações multiplicadoras deste conhecimento", pontua a arquiteta.
A intenção é fazer os mais jovens reconhecerem o conhecimento como um diferencial importante da comunidade. "Eles precisam ter orgulho do que os pais realizam e para isso, o olhar de fora é importante. Acredito que se os alagoanos valorizarem e reconhecerem esse saber-fazer tão característico da história de Alagoas, alguns jovens vão se interessar em dar continuidade ao ofício", declara Josimeire.
As dificuldades
A venda de doces-de-caju sustentou muitas famílias na região de Ipioca. Mas, há cem anos a realidade era outra. Segundo os relatos colhidos pelos estudantes, nas entrevistas com os moradores, a matéria-prima era abundante. "Os cajus eram colhidos nas terras da região, sem resistência dos donos, dada a fartura de frutos. Com a quantidade de engenhos, o açúcar também era adquirido com facilidade. O fogo para o cozimento era alimentado com lenhas também coletadas na área. Assim, os doces davam trabalho, mas o custo para fazê-los era mínimo", relata a pesquisadora.
Esse contexto para a fabricação dos doces é bem diferente hoje em dia, com as propriedades cercadas, o crescimento da urbanização com casas particulares e estabelecimentos comerciais voltados para o turismo. Além de não ser mais tão fácil coletar cajus, as árvores foram contaminadas com uma praga que diminuiu drasticamente a produtividade. "Os moradores que ainda fazem doces disseram que muitas vezes precisam comprar o fruto em Sergipe, o que encarece o custo da produção", explica a pesquisadora Josimeire Ferrare.
Uma das entrevistadas, Antônia Arruda, de 90 anos, fez uma declaração que comoveu os pesquisadores. "Quando eu nasci e abri os olhos, já vi minha mãe fazendo o doce-de-caju", disse a idosa que ainda faz doces. É por conta desse tradicionalismo, que marcou a vida de tantas pessoas, que os pesquisadores se propõem a superar os desafios, para ajudar a manter viva a arte de fazer doces-de-caju em Ipioca.