Baiano faz fama em SP vendendo quadros de críticas gastronômicas

Flávio Moraes/G1Machado no interior da cantina Lellis, no Centro, um de seus primeiros clientes e fiel comprador

Machado no interior da cantina Lellis, no Centro, um de seus primeiros clientes e fiel comprador

Você certamente já viu o trabalho do baiano Edmílson Machado da Silva, de 54 anos. Mesmo sem notar. Diagramador de formação e fotógrafo de ofício, Machado, como é conhecido na cidade, fez fama na noite paulistana comercializando quadros de críticas gastronômicas para os restaurantes e bares citados em jornais e revistas. Há 30 anos ele percorre diariamente os estabelecimentos recordistas em afagos (e até estilingadas) da imprensa entendida.

Vendedor tradicional, ele ainda reluta em usar a internet como fonte de pesquisa, e dar moldura às matérias feitas em grandes sites ou blogs especializados no assunto. “Eu vou precisar me atualizar, vou ver os blogs mais importantes. Vou passar a fazer. Por enquanto faço uma coisa ou outra. O interesse ainda é pequeno”, revela.

O modelo de negócio simples e conservador reflete a postura do diagramador. Machado pouco desfruta das pornografias gastronômicas da cidade. Raramente come o que lê. Gosta mesmo do indefectível arroz, feijão, bife e batata frita, mas confessa salivar pela perna de cabrito de uma cantina no Centro. “Tenho vontade de provar. Deve ser uma delícia.”

A descoberta do ofício que acredita ser exclusivamente seu – do que sabe, não há concorrentes – ajudou a estabelecer uma relação de afeto com São Paulo. Ele deixou a cidade de Alagoinhas, no Recôncavo baiano, em busca de emprego no Sudeste. Trabalhava como assistente de um fotógrafo libanês fazendo foto 3×4 em uma feira livre. Sonhava em montar um estúdio. Com o conhecimento que tinha, arrematou dois empregos na capital paulista: diagramador de jornal e funcionário de um laboratório fotográfico.

“Eu sou de origem muito simples. Sempre procurei aprender alguma coisa pra sobreviver. E São Paulo tinha mais oportunidade. Acabei me apaixonando. É bastante coisa que fez eu me apaixonar. Os restaurantes, a noite, o dia-a-dia. A gente acaba gostando. Vai ficando e não consegue sair daqui mais.”

ionário

Na década de 80, andando pela Rua do Gasômetro, no Centro, o diagramador notou que bares e cantinas ostentavam os elogios recebidos em jornais e revistas com a ajuda de um durex. Coladas à parede, as reportagens decoravam o ambiente.

Já dominava a técnica para ampliar os recortes e tinha maquinário para tal. Arriscou investir em um mercado que só ele enxergava. “Antigamente eu fazia no papel fotográfico, ampliava e colava o pôster numa madeira. Ainda existe em alguns lugares esse modelo. Depois passei a fazer na moldurinha.”

Foi na vaidade dos estabelecimentos que ele encontrou uma alternativa ao desemprego. “Minha profissão foi extinta. Quando eu trabalhava no jornal eu não acreditava que tudo ia mudar.” Descrente que a tecnologia chegaria rapidamente para desmatar inúmeras profissões, Machado não investiu em capacitação. “Não quis fazer curso de informática. Já tinha esse trabalho paralelo.”

Hoje, tem uma cartela de clientes praticamente fixos, mas tenta diariamente multiplicá-los. Roda, em média, 150 km por dia dentro da capital – o equivalente à distância entre São Paulo e Piracicaba -, presta serviço para estabelecimentos de todas as regiões da cidade, e acredita já ter vendido mais de 10 mil quadros.

Nas paredes do Lellis, tradicional cantina italiana no Centro da cidade, as reportagens ganharam moldura dourada, a gosto do freguês. O dono do estabelecimento, conterrâneo do baiano, compra os quadros desde a década de 80, quando abriu a casa, e prefere o ouro ao mogno. A obra do diagramador é exportada para o Sul do país, na filial curitibana da trattoria.

“O pessoal gosta de manter o padrão. No começo usava vários tipos de moldura, aí o mogno escuro teve mais aceitação porque ele integra em qualquer decoração. O Lellis é meu conterrâneo. Tudo que é publicado ele manda fazer. Ele me manda as matérias de Curitiba pra eu fazer. Eu faço e ele leva para lá.”

Mangiare

Após três décadas na rua, ele já sabe onde seu peixe tem valor. Diz que nem arrisca oferecer os quadros aos estabelecimentos de grife. Ali, decoração é ausência. “Os restaurantes finos são mais sofisticados, o pessoal não coloca nada na parede. Tem que passar pelo arquiteto, decorador. Se compra é para colocar no escritório, e só compra um ou outro quadro.”

Por tal razão, gosta mesmo é dos italianos. Lá a miscelânea é cultural. Sempre cabe mais um (quadro). “Cantina tem toalha, camisa de futebol, é tudo misturado. Bares também, é a mesma coisa. São os principais compradores.”

Sommelier da boêmia, Machado acumulou boas histórias. Relembra sorrindo do dia em que o restaurante Balila, no Gasômetro, foi avaliado por Paulo Cotrim, primeiro crítico brasileiro de gastronomia. No caso da cantina familiar, a reportagem era quase toda positiva, segundo relata o vendedor. A alfinetada, porém, precedia o último ponto final. Antes de encerrar o texto, Cotrim chamava o café do restaurante de "miserável". Ao entrar para oferecer o quadro, o baiano viu a dona terminando de ler a reportagem.

“Pensei imediatamente que ela não ia querer comprar. Quando entrei, ela pegou a máquina de café e jogou no meio da rua. Ficou bem nervosa. Fui embora sem vender. No dia seguinte passei lá novamente e tinha uma máquina moderna de café, novinha. Aí ela comprou o quadro feliz da vida. E colocou ao lado da máquina pra mostrar que agora o café era bom."

Satisfeito com a vida que leva, ele conseguiu criar os três filhos na profissão que criou para sobrevivência. Neste mês, celebra a chegada do terceiro neto. O avô, entretanto, não tem planos para aposentadoria. "Não penso em parar, não. Só fico pensando quando a idade chegar como é que eu vou fazer. Quero trabalhar até a hora que eu puder." Falta conquistar a parede de algum restaurante que admira? "Não, todos têm."

A pedido do G1, o baiano-paulista listou dicas que considera valiosas sobre a variedade de comida na cidade:
Pizzaria – Esperança, na Avenida Morumbi, Zona Sul. "É boa e barata."
Boteco – Bar do Luiz Fernandes, na Zona Norte
Massa – Bela Dona, na Zona Sul. "Não é badalada, mas a massa é boa, farta e barata."

Bom PF – Estadão, no Centro
Boa comida brasileira – Tempero das Gerais, na Zona Sul
Comida baiana – Acarajé da Inês, na Zona Norte
Feijoada – Feijoada da Bia, na Barra Funda

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