Depoimentos da tragédia da Kiss serão retomados nesta terça

Luiz Roese/Especial para TerraCinco pessoas foram ouvidas no último dia 29 no Fórum de Santa Maria (RS)

Cinco pessoas foram ouvidas no último dia 29 no Fórum de Santa Maria (RS)

As audiências para ouvir sobreviventes no processo criminal da tragédia da Boate Kiss serão retomadas nesta terça-feira no Salão do Tribunal do Júri, em Santa Maria (RS). A partir das 10h, estão previstos os depoimentos de 10 pessoas. A tendência, no entanto, é que nem todas falem, pois as oitivas têm ultrapassado os 30 minutos previstos inicialmente para cada, como ocorreu nas primeiras audiências do caso, nos dias 26, 27 e 28 de junho, quando deixaram de ser ouvidas 16 testemunhas – ou porque não houve tempo ou porque não foram encontradas.

Um dos motivos para que os depoimentos durem, no mínimo, uma hora, é o número de pessoas aptas a fazer perguntas. A cada testemunha que chega, quem abre as questões é o titular da 1ª Vara Criminal de Santa Maria, Ulysses Fonseca Louzada. Depois, é a vez dos dois representantes do Ministério Público, os promotores Joel Oliveira Dutra e Maurício Trevisan.

As perguntas para os depoentes passam, a seguir, para os assistentes de acusação, começando pelo advogado Jonas Espig Stecca, da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM). Os outros advogados que representam parentes de pessoas que morreram ou sobreviventes e que também podem formular questões são Itaúba Siqueira de Souza Jr., Paulo Odilon Rodrigues da Silva, Alvaro Nozzari, Pedro Barcellos e Cristiano Urach.

Por último, quem questiona as testemunhas são os defensores dos quatro réus acusados de homicídios qualificados com dolo eventual (assumiram o risco de provocar mortes) e tentativas de homicídio: Jader Marques, que representa o sócio da Kiss Elissandro Spohr, o Kiko; Mário Cipriani e Bruno Seligman de Menezes, que defendem o outro sócio da casa noturna, Mauro Hoffmann; Omar Obregon, advogado do vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos; e Gilberto Weber, representante do produtor de palco do grupo musical, Luciano Bonilha Leão. No total, são 14 pessoas aptas a formular questões para os sobreviventes.

Mais uma vez, só os integrantes da Gurizada Fandangueira devem estar presentes na audiência. Os sócios da Boate Kiss estão dispensados de comparecer.

Na programação desta terça-feira, estão incluídos sobreviventes que passaram mais de 30 dias internados em Porto Alegre (RS), como Kátia Giane Pacheco Siqueira, Bruno Rupollo Grethe e Guilherme Patatt. Outra testemunha que deve depor é Joel Berwanger, que foi o último a ter alta em Santa Maria, do Hospital de Caridade, no dia 22 de março. Outra testemunha considerada muito importante é o inspetor da Polícia Civil Rodrigo Souza da Silveira, que, no dia da tragédia, estava de folga e foi para a festa na Kiss.

Os dois últimos a serem ouvidos nesta terça seriam o guitarrista Rodrigo Lemos Martins e o baterista Eliel Bagesteiro de Lima, que tocavam na Gurizada Fandangueira. Como eles ficaram para o final da audiência desta terça, é provável que os depoimentos fiquem para outro dia, por causa do tempo de duração das demais oitivas. Outra testemunha considerada muito importante ficou para esta quarta: o inspetor da Polícia Civil Rodrigo Souza da Silveira, que estava de folga na Kiss, no dia da tragédia.

Novos depoimentos de sobreviventes já foram marcados pela 1ª Vara Criminal de Santa Maria. Eles ocorrerão em 16, 17 e 23 de julho, quando estão previstas seis testemunhas por dia, algumas delas programadas anteriormente para os dias 26, 27 e 28 de junho. A diferença entre as audiências que já foram realizadas ou marcadas anteriormente e as que ocorrerão a partir de 16 de julho é o número de pessoas a serem ouvidas a cada dia. Antes disso, nesta quarta, outros oito sobreviventes devem falar no Fórum, a partir das 9h30.

Como nas primeiras audiências estava acontecendo a ocupação da Câmara de Vereadores de Santa Maria, que teve a participação de familiares de vítimas da tragédia, o público que assistiu os depoimentos era formado, predominantemente, por estudantes de Direito. Havia parentes dos que morreram em função do incêndio na Kiss, mas eles estavam em menor número. Nesta terça e na quarta-feira, o comparecimento de familiares deve ser maior. Não estão descartadas manifestações silenciosas com faixas e camisetas. O presidente da AVTSM, Adherbal Ferreira, já avisou que estará presente.

Incêndio na Boate Kiss
Na madrugada do dia 27 de janeiro, um incêndio deixou 242 mortos em Santa Maria (RS). O fogo na Boate Kiss começou por volta das 2h30, quando um integrante da banda que fazia show na festa universitária lançou um artefato pirotécnico, que atingiu a espuma altamente inflamável do teto da boate.

Com apenas uma porta de entrada e saída disponível, os jovens tiveram dificuldade para deixar o local. Muitos foram pisoteados. A maioria dos mortos foi asfixiada pela fumaça tóxica, contendo cianeto, liberada pela queima da espuma.

Os mortos foram velados no Centro Desportivo Municipal, e a prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias. A presidente Dilma Rousseff interrompeu uma viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde prestou solidariedade aos parentes dos mortos.

Os feridos graves foram divididos em hospitais de Santa Maria e da região metropolitana de Porto Alegre, para onde foram levados com apoio de helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira). O Ministério da Saúde, com apoio dos governos estadual e municipais, criou uma grande operação de atendimento às vítimas.

Quatro pessoas foram presas temporariamente – dois sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Enquanto a Polícia Civil investiga documentos e alvarás, a prefeitura e o Corpo de Bombeiros divergem sobre a responsabilidade de fiscalização da casa noturna.

A tragédia fez com que várias cidades do País realizassem varreduras em boates contra falhas de segurança, e vários estabelecimentos foram fechados. Mais de 20 municípios do Rio Grande do Sul cancelaram a programação de Carnaval devido ao incêndio.

No dia 25 de fevereiro, foi criada a Associação dos Pais e Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Boate Kiss em Santa Maria. A associação foi criada com o objetivo de oferecer amparo psicológico a todas as famílias, lutar por ações de fiscalização e mudança de leis, acompanhar o inquérito policial e não deixar a tragédia cair no esquecimento.

Indiciamentos
Em 22 de março, a Polícia Civil indiciou criminalmente 16 pessoas e responsabilizou outras 12 pelas mortes na Boate Kiss. Entre os responsabilizados no âmbito administrativo, estava o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB). A investigação policial concluiu que o fogo teve início por volta das 3h do dia 27 de janeiro, no canto superior esquerdo do palco (na visão dos frequentadores), por meio de uma faísca de fogo de artifício (chuva de prata) lançada por um integrante da banda Gurizada Fandangueira.

O inquérito também constatou que o extintor de incêndio não funcionou no momento do início do fogo, que a Boate Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás, que o local estava superlotado e que a espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular. Além disso, segundo a polícia, as grades de contenção (guarda-corpos) existentes na boate atrapalharam e obstruíram a saída de vítimas, a boate tinha apenas uma porta de entrada e saída e não havia rotas adequadas e sinalizadas para a saída em casos de emergência – as portas apresentavam unidades de passagem em número inferior ao necessário e não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas.

Já no dia 2 de abril, o Ministério Público denunciou à Justiça oito pessoas – quatro por homicídios dolosos duplamente qualificados e tentativas de homicídio, e outras quatro por fraude e falso testemunho. A Promotoria apontou como responsáveis diretos pelas mortes os dois sócios da casa noturna, Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, o Kiko, e dois dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão.

Por fraude processual, foram denunciados o major Gerson da Rosa Pereira, chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional dos Bombeiros, e o sargento Renan Severo Berleze, que atuava no 4º CRB. Por falso testemunho, o MP denunciou o empresário Elton Cristiano Uroda, ex-sócio da Kiss, e o contador Volmir Astor Panzer, da GP Pneus, empresa da família de Elissando – este último não havia sido indiciado pela Polícia Civil.

Os promotores também pediram que novas diligências fossem realizadas para investigar mais profundamente o envolvimento de outras quatro pessoas que haviam sido indiciadas. São elas: Miguel Caetano Passini, secretário municipal de Mobilidade Urbana; Belloyannes Orengo Júnior, chefe da Fiscalização da secretaria de Mobilidade Urbana; Ângela Aurelia Callegaro, irmã de Kiko; e Marlene Teresinha Callegaro, mãe dele – as duas fazem parte da sociedade da casa noturna.

Fonte: Terra

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