A novidade em Anadia

No início deste ano, logo ao surgir o primeiro e belo raio de sol a tornar prateado o mar da Jatiúca, encontrei um amigo da minha juventude, companheiro de futebol, praia, sol e noitadas. Naquele instante, tantas foram as lembranças que vieram a nossas mentes. Entre mais um gole de champanhe, alegria, abraços, falamos do passado e esperançosos traçamos o futuro.

Em certo momento, a conversa ficou meio que pisando em ovos, pois sem querer falamos em uma bela jovem e sem saber que naquela época tinha sido uma paixão de ambos… Voltamos a tomar mais champanhe, calamos a voz e mudamos de assunto. Foi aí que me lembrei da música de Gilberto Gil – “Pedaços de Sinceridade”, quando ele diz: “Querida, amo-a, creia-me, desejava ardentemente possuí-la, melhor será, porém, sofrer do que traí-la, sofrer a dor de não poder ser feliz, viver na angústia, se Deus assim o quis, há alguém em nossos caminhos”. Há, mais como foi difícil falar isto para aquela tão bela jovem.

E para a nossa alegria surgiu um tema que é recorrente. Falamos de Anadia, paixão de todos nós. Foi aí que surgiu o nome de um personagem entre tantos que a nossa terra possui, o Nelson Cego. E esse eu conheci desde criança. Meu pai Delson Fidélis gostava de ouvi-lo cantar e na companhia de alguns amigos como Zé da Marina, Bita, Cupim, Ednor Amorim, Gérson Araújo, José Torres, José Farias, Roderick, Zé Cavalcanti e tantos outros, sempre testavam um dom divino e o fato deixava todos abismados.

Sempre que apresentávamos uma pessoa ao Nelson Cego e perguntávamos quem era aquela pessoa, de forma impressionante ele sempre falava o nome. Em ocasiões e pessoas as mais diversas, ele sempre acertava. Recordo-me agora de um episódio onde uma linda jovem lhe foi apresentada, dona de uma voz linda, perfume estonteante, mãos de seda, uma boneca encantadora… Indagado mais uma vez pela turma para testar se saberia quem era essa pessoa, o Nelson Cego de pronto respondeu: É a Meiry Greyce! A nossa miss Alagoas, um belo exemplar das mulheres de Anadia, que foi eleita a mais bela alagoana nos idos de 1960.

O Nelson Cego continuou por muito tempo sendo uma figura emblemática da nossa cidade, andava de casa em casa pedindo uma ajuda e surpreendentemente sempre que pedia falava o nome da pessoa. Mistério e dom que levou consigo.

Sempre que posso, tento resgatar um personagem, um rosto que marcou nosso cotidiano, um tipo físico. Acredito que um varredor de rua, um coveiro, um catador de papel, um curtidor de pele, um funileiro, um pedreiro, um ferreiro, um pãozeiro, uma fateira, uma cozinheira, uma lavadeira, são figuras de uma importância ímpar na construção do tecido social e que quase sempre essas figuras não recebem o valor que lhes é devido. Tornam-se “inexistentes” ao olhar das elites. Resgatá-las é como corrigir um erro.

É muito próprio dos sonhadores a discussão sobre a manutenção da memória coletiva e o sentimento que me invade é o de sempre acreditar na força do nosso povo. Sou e posso me afirmar um amante da nossa gente. Ao conversar com pessoas que nasceram e viveram em Anadia, percebe-se o saudosismo de uma época de poucos ou quase nenhum registro, a não serem os gravados na memória das pessoas e que não mais retornam.
Fazer Justiça Social não é fácil e nem missão permitida a todos! Por fim compreendo que cidadania não estar no ter, mas no ser e no fazer. Recorro ao Nelson Cego novamente e sem medo de errar digo que o nosso povo nos conhece até mesmo de olhos fechados. Podem até se confundir ou se deixar enganar, por certo tempo, mas com certeza encontrará o rumo.

Como gosto muito do poeta Gilberto Gil, “A novidade em Anadia” pode ser cantada como a letra da sua canção… “A novidade que seria um sonho, o milagre risonho da sereia, virava um pesadelo tão medonho, ali naquela praia, ali na areia… Oh! mundo tão desigual, tudo é tão desigual, oh! de um lado esse carnaval, de outro a fome total.” É o que posso falar sobre a novidade em Anadia.

(*) Ex-secretário de Estado e filho de Anadia

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