Japão realiza primeira eleição nacional pós-Fukushima

Koji Sasahara/ReutersO premiê do Japão, Yoshihiko Noda (à direita) e o ex-premiê e opositor, Shinzo Abe, participam de debate em Tóquio em 30 de novembro

O premiê do Japão, Yoshihiko Noda (à direita) e o ex-premiê e opositor, Shinzo Abe, participam de debate em Tóquio em 30 de novembro

Eleitores do Japão participam neste a partir da manhã deste domingo (16) – noite deste sábado (15) no Brasil – da primeira eleição nacional no país desde o terremoto e o tsunami de 2011. A crise nuclear causada pelos problemas na central de Fukushima e os problemas financeiros enfrentados pelo Japão nos últimos anos foram os temas centrais da campanha dos dois principais partidos, o Partido Democrático do Japão (PDJ), do atual primeiro-ministro, Yoshihiko Noda, e o Partido Liberal Democrata (PLD), que tenta voltar ao poder após três anos.

Cerca de 100 milhões de japoneses irão escolher os 480 membros da Câmara Baixa japonesa, o equivalente à Câmara dos Deputados. São esses representantes que irão eleger o sétimo primeiro-ministro japonês em seis anos, em uma sessão especial no dia 26 de dezembro. A previsão é de que o processo dure até três dias.

O novo premiê terá o desafio de recuperar a economia, estabelecer uma nova política energética após o acidente nuclear em Fukushima e continuar a reconstrução das zonas devastadas pelo terremoto e tsunami que assolaram o nordeste do país em março de 2011.

As pesquisas mostram o opositor PLD, liderado pelo ex-primeiro-ministro Shinzo Abe, como o favorito para as eleições. Caso o partido tenha a maioria, Abe deve ser indicado novamente como premiê. Analistas afirmam que a vitória deve ocorrer, antes de tudo, devido à falta de melhores opções após a decepção dos japoneses com o PDJ.

As eleições nacionais japonesas ocorrem de quatro em quatro anos, a não ser que o premiê dissolva a câmara e convoque novas eleições, o que aconteceu este ano. A última eleição havia sido realizada em 2009, também após a dissolução da Câmara Baixa, feita pelo então primeiro-ministro Taro Asom do PLD.

Na eleição de 2009, PDJ retirou o PLD do poder em uma eleição histórica, ganhando 308 das 480 vagas da Câmara Baixa, contra 119 do partido então no governo. Com as vagas obtidas por seus partidos aliados, a coalizão do PDJ conseguiu 320 deputados, contra 140 entre as alianças do PLD, transformado em oposição.

A decisão de dissolver a Câmara Baixa ocorreu após Noda, de 55 anos, acordar com a oposição a aprovação de várias medidas promovidas por seu gabinete – entre elas a reforma do sistema eleitoral para modificar o peso do voto das províncias e a emissão de novos bônus para financiar as atividades do Estado no atual exercício. Noda vinha perdendo apoio entre os deputados – como o Japão utiliza o sistema parlamentarista, é preciso ter maioria para ocupar o cargo.

Nos últimos seis anos, o país teve seis chefes de estado diferentes. O PDJ chegou ao poder pela primeira vez em 2009, prometendo um governo de políticos, e não de burocratas, com mais atenção aos interesses dos consumidores do que das corporações. Noda é o terceiro premiê do partido desde então, assumindo em 2011 após a demissão de Naoto Kan, que caiu depois de muitas críticas por sua atuação durante a tragédia provocada pelo terremoto e tsunami de março deste ano.

Como funciona

Neste domingo, os japoneses irão às urnas e depositarão dois votos: um escolhendo diretamente um representante de sua região para a Câmara Baixa e outro indicando o partido de sua preferência. Trezentos deputados serão eleitos pelo voto direto da população. Outros 180 são divididos entre os 11 blocos de distritos por representação proporcional, de acordo com o voto dos eleitores nos partidos.

Cada distrito tem direito a um número pré-determinado de representantes. A porcentagem de votos recebida pelo partido na votação determina a porcentagem dos 180 deputados ao qual ele terá direito. Cada partido já determina sua lista de deputados indicados para estes cargos antes da eleição. Também é comum que esses cargos sejam oferecidos a deputados que se candidataram pelo voto direto do eleitor e não tiveram sucesso.

Para sair vencedor e conseguir apontar seu candidato a primeiro-ministro, um partido precisa conseguir 241 lugares na representação. Por isso, muitas vezes são necessárias alianças entre um dos dois principais partidos com outro menores, para que a maioria possa ser alcançada.

A idade mínima para votar no Japão é de 20 anos; para se candidatar à Câmara Baixa, é preciso ter no mínimo 25 anos. Os eleitores devem comprovar residência há pelo menos três meses em sua região para conseguir depositar seu voto.

O Parlamento do Japão é composto de duas câmaras: a Baixa, a Câmara dos Deputados, e a Alta, que é a Câmara dos Conselheiros. A Baixa é a casa mais poderosa do parlamento, capaz de impor vetos às leis aprovadas pelos conselheiros com a votação de dois terços de seus representantes.

Campanha nuclear

Com apenas um mês de intervalo entre a convocação das eleições e este domingo, a campanha eleitoral foi intensa e se focou na retomada da economia, na diplomacia e na questão nuclear.

A confusa gestão inicial do acidente nuclear provocado por um tsunami em março de 2011 desgastou o PDJ. A política energética se transformou em um dos principais temas do debate eleitoral.

A campanha, a primeira desde o acidente nuclear de Fukushima, começou no dia 4 de dezembro. Os dois principais candidatos, Abe e Noda, escolheram a província de Fukushima para iniciar seu contato com os eleitores.

Entretanto, nenhum dos dois conseguiu ganhar a confiança dos moradores da região, os mais atingidos pela tragédia, que se sentiram abandonados pelos políticos.

Voluntários e doações diminuíram drasticamente após o terremoto de magnitude 8.9 que destruiu a costa da região e matou cerca de 19 mil pessoas. Os moradores da região afirmam que a reconstrução após o desastre saiu da agenda política.

Depois do acidente de Fukushima, todos os reatores nucleares japoneses foram desligados. A energia nuclear correspondia a 30% da produção no país.

O PLD, que promoveu a energia atômica durante suas décadas à frente do governo, diz que pretende gradualmente reativar aqueles que forem considerados seguros, além de decidir qual o melhor “mix” de energias em até 10 anos.

O PDJ tem a meta de abandonar totalmente a energia nuclear até 2030. Os partidos de centro-esquerda propuseram fechar todas as centrais de forma imediata ou no prazo de apenas uma década.

Pesquisas

As pesquisas sugerem a possibilidade de que o ex-premiê Shinzo Abe retorne ao cargo, cenário que gera preocupações de um abalo ainda maior nas relações com a China, país com o qual o Japão tem atritos atualmente por causa da disputa por um grupo de ilhas desabitadas.

As últimas pesquisas preveem que o PLD poderá eleger de 257 a 306 deputados de um total de 480, segundo pesquisas feitas por grandes jornais, incluindo o "Asahi" e o econômico "Nikkei", e pela agência de notícias “Kyodo”.

Pesquisas anteriores já indicavam a vitória do PLD, mas com uma maioria menor, que o obrigaria a uma aliança com o pequeno partido Novo Komeito – que segundo as previsões, pode conseguir 30 lugares. Antes da dissolução da Câmara Baixa, o partido tinha 21 deputados. Mesmo com maioria expressiva, no entanto, é improvável que o PLD despreze o Novo Komeito.

De qualquer maneira, o PLD não terá maioria no Senado, que pode bloquear projetos.

Porém, uma recente mudança na lei impede a oposição de obstruir leis orçamentárias para fazer o governo de refém, como ocorreu nos últimos anos. Por isso, o PLD poderá ter mais facilidade para implementar seus planos para os gastos públicos, e poderá pressionar o Banco do Japão sem implementar uma nova legislação.

As pesquisas também mostram que o PDJ, atualmente no governo, pode perder mais de metade da sua bancada na Câmara, ficando com menos de 80 cadeiras. Entretanto, as pesquisas, que ouviram cerca de 100 mil eleitores, mostram que ainda há até 40% de indecisos.

Segundo a agência conservadora “Sankei”, uma aliança entre o PLD e o partido Novo Komeito pode conseguir os dois terços de vantagem necessários para evitar os bloqueios da Câmara Alta na votação das leis. Isso poderia acabar com o bloqueio sofrido pelos governos japoneses desde 2007.

"As pesquisas sugerem que a eleição será a imagem espelhada da que aconteceu há três anos e meio. Naquela eleição, os eleitores decidiram se livrar do PLD, e então votaram no PDJ, embora não tivessem expectativas particularmente altas", disse Gerry Curtis, professor da Universidade Columbia, nos EUA.

"Agora eles estão dispostos a despachar o PDJ, o que significa uma grande vitória para o PLD, embora haja pouco entusiasmo entre os eleitores pelo PLD ou por seu líder, o sr. Abe."

Muitos eleitores se decepcionaram com o governo PDJ, que prometeu quebrar o “triângulo de ferro” envolvendo grandes negócios, burocratas e criadores de leis, gerado durante o governo quase consecutivo do PLD por 50 anos.

“Me sinto traído pelo PDJ, que prometeu mudar tantas coisas, mas conquistou tão pouco. Eles se mostraram imaturos, desorganizados e ineficientes”, afirmou Junko Makita, dona de casa de 59 anos que mora em Takatsuki, na região de Osaka.

Entretanto, a decepção não significa que o entusiasmo com o PDL seja grande. “Não estou com grandes esperanças em relação ao PDL também, mas pelo menos eles têm mais experiência”, disse a eleitora.

“A vantagem do PLD nas pesquisas não significa forçosamente que os eleitores depositem grandes esperanças neste partido”, disse Koji Nakakita, professor de Ciências Políticas na Universidade Hitotsubashi de Tóquio.

O DPJ, ignorando uma dívida colossal que alcança 200% do PIB, tinha conseguido entusiasmar os eleitores com promessas de educação secundária gratuita, de redução dos impostos e de supressão dos pedágios nas estradas.

Terceira força

O recém-fundado Partido da Restauração do Japão, do popular prefeito direitista de Osaka, Toru Hashimoto, deve ficar com cerca de 50 cadeiras, segundo as pesquisas eleitorais. O partido é citado como potencial aliado do PLD caso o partido não consiga formar maioria nem se aliando ao Novo Komeito.

Decepcionados com o governo do PDJ e também com as décadas anteriores de influência do PDL, muitos movimentos políticos populares tentaram reunir suas forças formando uma terceira força no país.

Em 17 de novembro, o ex-governador de Tóquio Shintarō Ishihara e o prefeito de Osaka anunciaram a fusão de seus partidos no Partido da Restauração do Japão. Ele é a primeira força política japonesa baseada fora de Tóquio.

Outros políticos japoneses também se reuniram para formar outros partidos de oposição, a maior parte deles contra a continuidade das instalações nucleares japonesas.

Propostas

No último ano, sob a liderança de Yoshihiko Noda, o Japão se viu obrigado a lidar com outros problemas como a desaceleração econômica mundial, a queda da demanda interna, as exportações e o persistente fortalecimento do iene, que levaram o país ao limite da recessão.

No trimestre de julho a setembro, a economia sofreu uma contração de 3,5% anualizada, a maior desde a queda de 8% registrada entre janeiro e março de 2011 em um Japão em recuperação pós-tsunami.

Noda apostou em apertar o cinto fiscal do país, com medidas impopulares para combater a deflação crônica e a grande dívida pública, a maior de um país industrializado, acima do dobro do PIB.

Já Abe propõe um radical afrouxamento monetário por parte do Banco do Japão para fortalecer o iene e combater a persistente deflação, além de gastos do poder público para ajudar no resgate da economia.

Noda critica a posição devido ao enorme déficit público do Japão, já entre os maiores entre as nações do primeiro-mundo e equivalente a duas vezes ao tamanho da economia do país.

Abe também promete uma posição dura contra a China por causa das ilhas disputadas entre os dois países, além de abrandar os limites a atividades militares impostos há 65 anos na Constituição pacifista do país e reescrever o que conservadores julgam ser relatos excessivamente arrependidos do Japão sobre as guerras em que se envolveu.

"Essa briga é para restaurar o Japão. Vamos retomar uma economia forte", disse Abe, que foi primeiro-ministro entre 2006 e 2007, numa entrevista coletiva depois da dissolução da câmara.

"Vamos restaurar a política externa. Vamos apelar fortemente aos eleitores sobre a necessidade de restaurar a aliança Japão-EUA, que foi duramente afetada pelo governo do Partido Democrático. Isso nos ajudará a defender nosso lindo país, os territórios e os interesses nacionais."

O primeiro-ministro Yoshihiko Noda alertou para os riscos da retórica inflamada. "Nós promovemos uma política diplomática e de segurança a partir de uma perspectiva ampla, que é calma e prática", disse Noda a parlamentares do seu partido. "Se cairmos no nacionalismo extremo, o próprio Japão pode ficar em perigo."

Entretanto, poucos preveem que a eleição será capaz de resolver os impasses de gestão que afetam a economia, num momento em que o país precisa lidar com o envelhecimento da população e a rápida ascensão da China.

"Quando a política se torna caótica, é sempre o povo que se sacrifica", disse Akio Toyoda, presidente da Toyota e líder de uma entidade do setor automobilístico, em entrevista coletiva.

"Queremos um líder que consiga entender as dificuldades pelas quais o povo está passando, alguém que possa liderar a criação de um país e de uma sociedade cujo trabalho árduo seja recompensado."

Fonte: Do G1, com agências internacionais

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