A lapinha de Anadia

Nada é mais envolvente e belo que os sonhos e lembranças de uma criança no Natal. Tenho as minhas, guardo-as em um local protegido e ungido pelas benções de Nossa Senhora da Piedade, mas nada de me impede de conta-las e dividi-las com todos.
Antes, porém, me deixe cantarolar os versos de Eliezer Setton – Natal Nordestino: “Eu pensei de brincadeira, numa vida de primeira, onde eu tenha o que queira, de verdade em vez de no papel”. Quando crianças imaginamos ser tudo possível e sonhamos com coisas boas sempre, alegrias e felicidades.
A mais forte recordação que possuo do Natal é exatamente a lapinha da igreja matriz da cidade de Anadia. Era ali, em um clima de magia e encantos, no dia da missa do nascimento de Jesus, fascinante era ver o presépio e ao final da missa, visitá-lo e deixar moedas e dinheiro.
Quantas vezes as lágrimas rolavam, um sentimento indescritível brotava dentro do peito ainda pequeno e junto com amigos de infância, saíamos dali com a certeza de que todos nós eramos filhos de papai Noel, sem diferenças, sem desigualdades, sem primeiro e nem segundo…
O primeiro tombo vinha logo ao voltarmos para nossas casas, apesar de uma época de festivas confraternizações era visível aos olhos, as bocas e barrigas a mesa farta de poucos e a ausência de quase tudo em outras – Menos os sonhos e alegria do Natal -; pequeno e sem entender direito o verdadeiro motivo da tal falta de nivelamento das boas coisas, dos presentes, da fartura. Tentava compensar levando para a ceia da nossa casa os amigos mais próximos.
E um desses amigos, o que mais passava por essas dificuldades, era exatamente quem tomava conta, cuidava e ornamentava a lapinha da nossa igreja, do alto de Natal. Sorridente, brincalhão e bem magrinho era o prestigiado para receber os abraços, presentes e a piedade de todos nós.
Triste foi o fato de que após um desses momentos natalinos, o “lapinha” que assim ficou conhecido tinha desaparecido com toda as doações e dinheiro do presépio da nossa igreja. Um misto de tristeza, decepção e frustação, abateram-nos e nos deixando, até hoje, com uma pergunta presa na garganta, por quê? Qual o motivo de tão transloucado gesto? Aonde anda? Nunca mais nenhuma notícia sua tivemos.
Quem nasce em uma cidade de interior sabe da singeleza, da naturalidade dos acontecimentos, a simplicidades das coisas e, nós não possuíamos muitas atrações na festa de Natal, há não ser a apresentação dos pastoris, cheganças, baianas e dos guerreiros que ao dançar fazia o chão tremer. Luz, clarão e brilho! Tínhamos somente os vindos dos fogos no céu, das velas que iluminava o altar e a lapinha. Além do brilho supremo das estrelas, da lua na noite do Natal.
Hoje já adultos calejados por tantas loas, com um repertório de desesperanças e desenganos que do Aurélio vão de “a” a “z”, há que se pensar no próximo, na fraternidade, na coletividade e acima de tudo no bem comum. Mesmo sendo subtraído, usurpado de nós, por aqueles que recebem o poder para gerir o que é nosso.
O patrimônio público não é tão somente o que a carta constituinte versa, mas os nossos sonhos e planos, nossas aspirações mais diversas, que são encaradas com tanto desdém pelos gestores.
Sabedores somos que os desafios atuais da gestão pública passam pela prestação dos serviços públicos, a gestão dos servidores, a gestão orçamentária e financeira, o controle interno e externo, a democratização na participação popular e o controle social.
Acrescente a tudo isto a nossa história, a luta dos nossos ancestrais, da bicentenária cultura anadiense, os filho deste solo abençoado que em sua grande maioria sofrem ao cumprir um decifrável mistério – Falta de oportunidades local, ter que sobrevier em outras plagas, mesmo tendo aqui não só o umbigo enterrado, mais também um coração transbordado de amor pelo cheiro das nossas flores, do oxigênio das nossas matas, das fontes d’águas, os cantos dos nossos pássaros e aves.
A posição geográfica, a altaneira altitude de suas serras, a sinuosidade, as curvas, o molejo e a beleza, o encanto de suas filhas, posicionam a nossa apaixonante terra, em patamares de altíssimas referências.
Com um gesto singelo, despretensioso e sonhador; neste Natal, vou pedir ao papai do céu que com sua infinita bondade, nos dê além da saúde e paz, que devolva a nossa terra o sentimento pleno de amor, respeito ao próximo, fraternidade e comunhão, de pensamentos e ações, repletos de boas venturas.
E sem esquecer também acrescentar na relação dos pedidos ao nosso pai celestial, que afaste de nós a repetição do mau exemplo do “lapinha” da nossa infância. Já não aguentamos mais a repetição e a mesmice. A saudade do presépio da Igreja Matriz vem acompanhado de uma súplica por luz, muita luz para nos livrar da escuridão e, que seja possível iluminar nossos sonhos.
Eu pensei e ainda continuo pensando, que a fraternidade, o amor e o bom senso, vão reinar e imperar pra gente ser feliz.
(*) Ex-secretário de Estado e filho de Anadia

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