Assassinato do casal Villela foi planejado 27 dias antes

Ary Filgueira

O crime da 113 Sul foi premeditado com 27 dias de antecedência. O objetivo seria apenas forjar um assalto, mas, por determinação de Adriana Villela, 46 anos, filha do casal, os executores mataram as vítimas. Quem garante é um dos três suspeitos de envolvimento do triplo assassinato. O Correio teve acesso às 16 páginas do depoimento prestado por Leonardo Campos Alves ao delegado Luiz Julião Ribeiro, na última segunda-feira, na Coordenação de Repressão aos Crimes Contra a Vida (Corvida).

O ex-porteiro afirmou que a ordem para executar José Guilherme Villela, 73 anos, Maria Carvalho Mendes Villela, 69, e Francisca Nascimento da Silva, 58, foi dada dentro do apartamento, com Adriana Villela, 46, na cena do crime. “Eles não mataram as vítimas porque elas reagiram, mas porque Adriana mandou”, afirmou Leonardo. O documento apresenta detalhes do crime, inclusive dos momentos que antecederam a morte das vítimas. A filha do casal teria procurado Leonardo em 1º de agosto. Segundo informou ao delegado, ela ofereceu US$ 10 mil para que ele forjasse um assalto ao apartamento dos pais. Mas Leonardo achou pouco e exigiu US$ 50 mil. Após o encontro, eles voltariam a se falar dois dias depois em frente ao shopping Conjunto Nacional, quando Adriana aumentou o valor para US$ 27 mil e ofereceu joias para complementar o pagamento. Com a nova oferta, o negócio acabou fechado.

Em 14 de agosto, Leonardo retornou a Brasília, acompanhado de Paulo Cardoso Santana, 23 anos, sobrinho com quem moravam em Montalvânia(MG). Ele contou que ambos foram até o Bloco C da 113 Sul. A intenção de Leonardo, segundo ele, era que Paulo conhecesse o casal. Na oportunidade, José Guilherme e Maria Carvalho saíram do apartamento por volta das 14h e seguiram em direção à garagem do prédio, segundo o depoente.

Leonardo voltaria a falar com Adriana dias depois para recomendar que o crime fosse realizado em 28 de agosto. A sugestão foi feita por um motivo especial: ele conhecia bem o porteiro escalado para a data. Segundo o ex-funcionário do Bloco C, o colega dificilmente iria verificar quem pedia acesso à portaria, pois tinha o costume de abrir a porta sem ter o cuidado de verificar quem entrava no prédio. No dia combinado, o ex-porteiro teria se encontrado com Adriana, pela manhã, no mesmo local do primeiro encontro. Ele acertou com a arquiteta que o crime seria executado no fim do dia e que ela daria um sinal para que a ação fosse iniciada. Segundo Leonardo, depois de combinar os detalhes, Adriana entregou a ele duas sacolas: uma com dólares e outra com joias.

Convite
Ele relata ainda que pediu ao sobrinho que convidasse para a ajudar na ação Francisco Mairlon Barros Aguiar, morador do Pedregal com quem Paulo havia cometido outras ações criminosas. À tarde, depois de almoçar na Rodoviária do Plano Piloto, Leonardo foi com o sobrinho ao encontro de Mairlon e ofereceu R$ 10 mil pelo serviço. O trio voltou a Brasília no fim da tarde e ficou à espera de Adriana em uma parada de ônibus próxima à 113 Sul. Por volta das 18h, Adriana apareceu em um Gol preto e passou duas vezes buzinando pelo local. Na terceira, ela teria parado e dito: “É agora!”.

Por volta das 19h, os três chegaram andando ao Bloco C. Leonardo resolveu não ir ao apartamento, com a explicação de que era conhecido do porteiro. Paulo e Francisco subiram ao apartamento e encontram a porta aberta. Adriana, segundo Leonardo, já estava com Francisca. Trinta minutos depois, eles retornam à parada de ônibus e se encontram com Leonardo. No ponto, contaram como tudo aconteceu.

Leonardo percebeu que a faca que ele emprestara a Francisco — com o formato de uma chave e várias bocas de diversos tamanhos, daquelas que podem ser usadas em parafusos e que pode transformar-se em um punhal — estava suja de sangue. Ele notou ainda que a arma carregada por Paulo estava com a lâmina torta. Eles contaram ao comparsa que amarraram Francisca e José Guilherme e os executaram na cozinha primeiro. A dupla ficou aguardando a chegada de Maria Carvalho, que foi dominada pelo braço e levada até o corredor para que fosse simulado um assalto. “Eles mataram as vítimas não porque elas reagiram, mas porque Adriana assim mandou que fizessem.”

Leonardo e Paulo voltaram no mesmo dia para Montalvânia (MG), enquanto Francisco foi para o Pedregal.

“Versão absurda”, diz advogado
» Adriana Bernardes

A defesa da arquiteta Adriana Villela, 46 anos, soube pelo Correio dos detalhes do depoimento em que o ex-porteiro Leonardo Campos Alves, 44 anos, incrimina a filha dos Villelas. Na avaliação do advogado Rodrigo Alencastro, nenhuma informação prestada por Leonardo tem qualquer correspondência com os passos da arquiteta no dia do crime nem com os elementos que constam nos autos. “A versão é absurda. Principalmente quando confrontada com a análise da quebra do sigilo telefônico da Adriana e os horários em que ele diz que ela estaria no prédio”, afirmou o advogado, ontem à noite.

Alencastro citou um despacho de 46 páginas, em que consta a relação de contatos telefônicos feitos por Adriana Villela no dia crime (28 de agosto de 2009) e os lugares onde ela estava ao realizar tais ligações (veja quadro). “O relatório mostra que ela estava bem longe daquele local. E, confrontado com os depoimentos dela antes mesmo de ter conhecimento da quebra do sigilo, comprova que a Adriana esteve exatamente onde disse que esteve: saiu do curso, comprou lanche e foi até a Vila Planalto visitar uma amiga”, citou.

Para Alencastro, a divulgação do depoimento sem que seja feita a checagem necessária é “absolutamente irresponsável”. Reforçou que Adriana Villela passou o último ano “sob a maior investigação que já se teve notícia” e, nesse tempo, nunca apareceu a ligação dela com assassinos confessos. Perguntado sobre os motivos que levariam o ex-porteiro a envolver a filha do casal no crime, Alencastro diz ser difícil apontar alguma razão. “Pode ser uma tentativa irresponsável do acusado de se livrar de uma eventual acusação de latrocínio e pagar somente pelo roubo. Mas isso é apenas um exercício de futurologia. Não dá para saber”, disse.

Desde que Leonardo Alves foi preso e envolveu Adriana no crime, ela e a defesa têm procurado demonstrar que a nova versão não faz sentido. “Desde o começo a Adriana pede à polícia que investigue os porteiros. Em um dos depoimentos, citou nominalmente o Leonardo por conta das desavenças dele com a mãe dela e com a Francisca.” Maria Carvalho teria repreendido Leonardo Alves (e o ex-síndico) por ele ter entrado no apartamento na ausência dela e do marido para resolver um vazamento, há cerca de seis anos. Leonardo também se desentendia com Francisca por conta da limpeza da lixeira.

Depoimento
Mensagem da família

“Há mais de um ano, sofremos com a ausência de quem mais amávamos. É muito difícil aceitar a perda de alguém tão próximo, quanto mais de forma tão brutal e inesperada. Como se não bastasse todo o medo e toda a dor, ainda temos que presenciar uma investigação que não apresenta provas concretas nem respostas satisfatórias a todas as nossas dúvidas. Aonde estão os culpados??? Aonde estão as provas??? Aqueles que confessam parecem estar escondendo quase tudo, a todo tempo mudando a versão e os fatos.

A investigação parece querer estabelecer a qualquer custo que Adriana esteve envolvida. Quando, na verdade, temos a certeza de que não foi nada disso. Queremos saber a verdade e ver a condenação dos verdadeiros culpados! Somos os maiores interessados nesta investigação e, ao mesmo tempo, parece que nada podemos fazer em relação a tudo isso.

Desde o início, Adriana sempre sugeriu a necessidade do aprofundamento das investigações em relação ao ex-porteiro. Até mesmo em razão deste ter entrado, mais de quatro anos antes do crime, sem autorização e sem a presença dos próprios moradores no apartamento deles! No mínimo é de se imaginar que os porteiros tenham conhecimento de algo, afinal, eles estavam lá e certamente viram ou sabiam de algo!

E é justamente por isso que não faz o menor sentido supor que Adriana estivesse envolvida. Não faz sentido uma pessoa que praticamente implorou para que se investigasse justamente aquele que acabou por revelar-se o assassino e que agora procura incriminá-la. Esperamos que tudo isso se esclareça o mais rapidamente possível, para que no lugar da angústia, possa permanecer só a saudade.”

Augusto e Carolina Villela, filho e neta de Maria e José Guilherme Villela

Localização
* Mapeamento das Erbs que captaram ligações de Adriana Villela no dia do crime.

Horário Local
18h08 SQS 307 e EPS 916 Sul
18h09 idem
18h11 SQS 307/308
18h12 idem
18h14 SQS 207
18h18 idem
18h21 207 Sul
18h30 idem
18h49 Setor de Clubes Esportivos Sul
18h51 Esplanada dos Ministérios
18h53 idem
18h56 Vila Planalto
19h38 idem
20h13 idem

* Trechos de um despacho de 46 páginas, da Corvida, páginas 2.707 e 2.708 do inquérito policial, segundo informou o advogado Rodrigo Alencastro, um dos que defendem Adriana Villela.

Cronologia *
1º de agosto de 2009
Leonardo disse que estava em Montalvânia, por volta das 9h10, quando o telefone celular dele tocou. Era Adriana Villela, segundo garantiu. Ela teria oferecido, de acordo com ele, US$ 10 mil e joias para forjar um assalto no apartamento do pai dela. Mas ele teria pedido US$ 50 mil.

3 de agosto
A convite de Adriana, ele teria viajado a Brasília, onde se encontrou com ela na praça em frente ao Conjunto Nacional, às 9h. A arquiteta teria aumentado a oferta para US$ 27 mil e joias. O encontro
teria durado duas horas.

4 de agosto
Leonardo garante ter convidado o sobrinho Paulo Cardoso Santana, 23, e pediu para que ele falasse com Francisco Mairlon Barros Aguiar, com quem Paulo morou no Pedregal e se envolveu em ações criminosas.

14 de agosto
O ex-zelador compareceu ao Bloco C da 113 Sul acompanhado de Paulo. A intenção era mostrar para ele o casal Villela. Os dois apareceram no local por volta das 13h em direção à garagem do prédio. No mesmo dia, ficou acertado que o crime seria realizado no dia 28, em virtude de o porteiro escalado para a data ser “descuidado” com a segurança do local.

Manhã de 28 de agosto
Um novo encontro com Adriana teria ocorrido por volta das 9h e no mesmo local da primeira vez, ainda de acordo com o depoimento do acusado. Os dois teriam acertado que o crime seria feito no início da noite. E que era para ele aguardar um sinal dela.

Tarde de 28 de agosto
Leonardo almoçou na Rodoviária do Plano Piloto e depois foi para o Pedregal encontrar-se com Paulo e Mairlon. Os três retornam para o DF e esperaram Adriana no local combinado: em uma parada de ônibus entre as quadras 100 e 200 da 113 Sul.

Início da noite de 28 de agosto
Adriana teria aparecido em um Gol preto, passado duas vezes por eles, sempre buzinando. Na terceira, teria parado o carro e dito para Leonardo, que estava em frente à parada de ônibus: “É agora!”. Após dizer isso, ela teria entregado duas sacolas: numa havia os dólares, na outra, joias.

19h de 28 de agosto
Passados 20 minutos, eles se dirigiram ao bloco. Paulo
aguarda embaixo do bloco enquanto os dois entraram. Francisco e Paulo se aproximaram da porta do apartamento 601/602, que estava aberta. Adriana já estaria dentro com Francisca.
Em seguida, teria chegado
José Guilherme, que foi rendido. Os dois foram executados primeiro. A última a ser morta
foi Maria Carvalho, segundo Leonardo Alves.

19h30 de 28 de agosto
Francisco e Paulo retornaram à parada da 113 Sul e encontraram Leonardo. Paulo disse: “Ela mandou executar”. Leonardo e Paulo se separaram de Mairlon. Os dois primeiros pegaram um ônibus para Montalvânia (MG) enquanto o outro voltou para o Pedregal com R$ 50.

(*) A cronologia abaixo é reproduzida a partir do depoimento que Leonardo Campos Alves prestou ao delegado Luiz Julião Ribeiro, diretor da Corvida.

Veja Mais

Deixe um comentário

Vídeos