Alagoano Souza supera má fase e encontra paz no Flu

Agência PhotocâmeraSouza comemora gol com a camisa do Flu: passagem marcante desde o início

Souza comemora gol com a camisa do Flu: passagem marcante desde o início

Para quem já passou fome na infância, em Maceió, Alagoas, e tem como gol mais importante na vida uma cobrança de falta, ainda com 16 anos, que lhe rendeu R$ 3, passar meses sentado no banco de reservas e com o futuro indefinido não chega a ser um martírio. A experiência de vida, porém, não impediu que Souza passasse por maus momentos no primeiro semestre com a camisa do Fluminense. Contratado por indicação de Muricy Ramalho, viu o prestígio de campeão do mundo se transformar em dúvida repentinamente, encarou uma avalanche de problemas e polêmicas, até que encontrou nos braços de Abel Braga o apoio necessário para, enfim, se firmar no clube que defende desde janeiro.

Presente em todos os noves jogos sob o comando do treinador e titular nos últimos oito, o apoiador teve na vitória por 4 a 0 sobre o Ceará sua melhor exibição com a camisa tricolor. Foram duas assistências e um gol, que simbolizam o reencontro com a paz depois de algumas situações desagradáveis. Sacado ainda por Muricy do time titular, no Carioca, Souza sofreu mesmo nas mãos de Enderson Moreira.

O interino o transformou de titular a segundo reserva em um intervalo de quatro dias, entre a derrota para o Nacional (URU), pela Libertadores, e a vitória sobre o Americano, pela Taça Rio, e deu início ao período que Souza avalia como o pior dos últimos anos de sua carreira. Situação superada, mas para qual ele ainda não encontrou explicação.

Não procuro entender porque, na minha opinião, não há explicação. Aconteceu, digeri do jeito que tinha que ser digerido. Mas chegou o Abel, um cara campeão do mundo, como eu, que me colocou para jogar"Souza, sobre período fora da equipe- Não procuro entender porque, na minha opinião, não há explicação. Aconteceu, digeri do jeito que tinha que ser digerido. Mas chegou o Abel, um cara campeão do mundo, como eu, que me colocou para jogar.

O pior, porém, ainda estava por vir. O jogador foi afastado e nem sequer relacionado para os confrontos com o Libertad (PAR), pelas oitavas de final da disputa continental. Na época, o atacante Emerson Sheik relacionou a decisão com sua dispensa, já que os dois são grandes amigos. Souza prefere acreditar em outra versão e aponta o pênalti perdido na semifinal da Taça Rio, contra o Flamengo, como preponderante. Segundo ele, Enderson Moreira não aceitou a cobrança a contragosto, como admitiu pela primeira vez.

– Falei. Falei, sim (que não queria cobrar). Ele perguntou o motivo e expliquei que tinha acabado de entrar em campo.

De ânimo renovado, o camisa 21 projeta um futuro vitorioso nas Laranjeiras. O apoiador levanta a possibilidade até mesmo de encerrar a carreira no clube e traça uma meta: fazer com que a torcida não sinta saudades do ídolo Darío Conca.

Em longo bate-papo com o GLOBOESPORTE.COM, o atleta de 32 anos não se privou de responder perguntas, analisou seu momento pessoal, falou sobre o primeiro semestre ruim da equipe, lamentou a saída de Muricy Ramalho e deixou aflorar até mesmo seu lado bem-humorado, ainda ausente nos tempos de Laranjeiras.

Você passou por alguns problemas no primeiro semestre e, mesmo quando cogitavam sua saída, sempre disse que ia aguardar o Abel chegar. Ele está aí e você está jogando. Valeu a pena esperar?
Com certeza. Até antes de o Abel chegar, teve toda aquela situação (deixou de ser relacionado em alguns jogos por Enderson Moreira) depois da saída do Muricy. O Celso (Barros, presidente do patrocinador) e minha esposa conversaram comigo, pediram para ter paciência que as coisas iam melhorar. Até porque, foi uma coisa que aconteceu pela primeira vez na minha carreira. Fiquei quase três meses sem jogar (sem ser titular). A única vez que isso tinha acontecido foi por lesão. Este período foi chato para caramba, difícil para quem está acostumado a jogar, já ganhou um monte de coisa, mas serviu para tirar alguns exemplos. Serviu para colocar os pés no chão e saber que no futebol é preciso vencer a cada rodada. No fim, valeu a pena. Cheguei a ficar um pouco com medo, porque na primeira entrevista o Abel deu uma indireta para mim, depois citou meu nome, mas conversei com ele e expliquei que em momento algum reclamei por fica fora. Somente fui perguntado e minha resposta não podia ser diferente. Questionaram se eu estava satisfeito, e jogador de futebol que ficar feliz com a reserva deve procurar outro esporte.

Depois de uma boa pré-temporada, você estreou com um cartão vermelho, mas logo depois voltou, fez dois gols, deu assistência, vinha bem, e foi sacado do time repentinamente. Ficou no banco um tempo e, quando parecia que ia voltar, saiu de novo. Como você encarou essa situação?
Nem procuro entender como isso aconteceu. Passa um monte de coisa na cabeça. Mas por onde passei, fui campeão. Nunca fui de arrumar confusão. Sempre deixei as portas abertas, todos os jogadores me adoram. Quem me conhece, sabe como sou. Sou brincalhão, de grupo. E encaro esse momento como uma fase ruim. Já passou. Não procuro entender, porque na minha opinião não há explicação. O Enderson, na ocasião do jogo contra o Libertad (pelas oitavas de final da Libertadores), disse que estava me sacando por questões táticas, que queria alguém de rompesse pela zaga. Por onde passei, sempre fui esse jogador. Além disso, já tinha jogado no Paraguai. Enfim, aconteceu, digeri do jeito que tinha que ser digerido. Mas chegou o Abel, um cara campeão do mundo, como eu, que me colocou para jogar.

Olhando para trás, você acha que esse período turbulento foi uma forma de retaliação pela sua amizade com o Sheik?
Assim que cheguei, tinha uma impressão do Emerson. Ele chegava, treinava, falava com algumas pessoas e a imagem era de que era muito na dele. Mas a partir do momento que conheci o ser humano, me identifiquei muito. É uma pessoa bem parecida do que penso que deve ser. Não acredito que foi por isso. Não quero acreditar que tenha sido pela minha amizade com ele. Até porque, nunca vou deixar de ter uma amizade com uma pessoa fora de série. Ele está passando por problemas particulares, mas é meu amigo.

Por mais que você diga que tenta não acreditar, não acha que foi muita coincidência? Você nunca associou uma história a outra?
Acho que no futebol de hoje não cabe mais isso, que alguém faça uma coisa querendo prejudicar o outro. No futebol e na vida, colhemos o que plantamos. Mas comecei a ver depois do jogo contra o Flamengo, quando entrei no fim porque um jogador teve câimbra. Peguei na bola uma vez, para bater lateral, e me colocaram para bater pênalti. E, poxa, pênalti não é como no basquete, quando há quem entre só para chutar de três. Eu não passei a semana só treinando pênalti. É preciso confiança, o cara estar bem no jogo. Aí, ele vai lá, pega a bola e bate. Não tem como fazer isso tendo tocado na bola uma só vez. A partir daí, acho que o Enderson me viu como quem tivesse se recusado a cobrar o pênalti, mas pedi para não bater por esse motivo. Por ser muito responsável. (Nota da redação: o Fla-Flu pela semifinal da Taça Rio aconteceu justamente entre o afastamento de Emerson e o de Souza).

Então, você falou com ele que não queria bater?
Falei. Falei, sim. Ele perguntou o motivo e expliquei que tinha acabado de entrar em campo. Estou nesse meio há muito tempo, mas as coisas não são assim. Não é porque tenho qualidade e bato na bola bem que vou pegar e fazer. Se você olhar o jogo da Seleção (contra o Paraguai, na Copa América), todos eram grandes cobradores de pênalti. É preciso toda uma concentração e o fator psicológico pesa muito. E foi logo no jogo seguinte que fiquei fora. Acho que associou uma coisa a outra.

A postura do Enderson, e até mesmo do próprio Muricy, que foi quem te indicou, foi diferente da que o Abel vem tendo?
O Abel já tinha mandado informações antes, que já tinham me deixado tranquilo. Me disseram: “Ele gosta muito de você, comenta sobre seu futebol. Calma que ele está chegando”.

Foi algo importante para que você permanecesse no clube?
Sim. Sou um jogador que, felizmente, tem mercado. Muita gente me ligou. Não posso falar que na hora não pensei (em sair), mas acabei tomando a decisão certa ao lado da minha família. Foi uma situação bem chata.

Todos esses problemas te fizeram amadurecer? Mesmo sendo um jogador experiente…
Com certeza. Tinha jogo que ficava em casa e pensava. Foram quase três meses sem jogar e tendo condição de jogo. Sou um cara experiente, contratado para jogar a Libertadores… Sou muito realista e os jornalistas gostam de me entrevistar porque falo a verdade. Não mascaro as coisas. Quando estou bem no jogo e o cara me tira, comento com algumas pessoas. Tenho minha autocrítica. E depois do jogo contra o Nacional, no Uruguai, quando fui bem, acabei me tornando a terceira opção no jogo seguinte (contra o Americano pela Taça Rio). Passei de titular para terceira opção.

Isso tudo aconteceu em uma época onde a liderança do Enderson era muito questionada. Você acha que ele te usou para combater isso?
(Silêncio) É difícil de falar, de analisar desta forma. O normal é o titular, quando vai para o banco, ser a segunda opção. Eu era titular, joguei bem e depois não joguei mais. Perguntava aos meus amigos se eu tinha jogado mal. É normal. Mas acho que alguma pessoa escutou algo e chegou errado para ele. Depois, conversamos e ficamos zerados. Falei na cara dele que não concordava com algumas coisas, mas respeitava. Ele era o comandante e mandava. Até brinquei dizendo que cumpriria as ordens dele, menos para dar uma cabeçada na trave porque não era louco. O Enderson respondeu dizendo que não tinha nada contra mim. O Osmar (Loos), auxiliar (atual interino no Inter), até me disse que queria que eu fosse o jogador do Grêmio, do São Paulo, mas nessa época eu era mais novo e no futebol o pessoal estuda e passar a marcar. Eu não sou o Pelé.

Você aponta esse momento atual como fruto de uma regularidade que não existia desde 2009, no Grêmio, já que passou a maior parte da temporada passada lesionado?
Me conheço bem para dizer que ainda não cheguei ao meu ideal, ao que posso fazer para ajudar o time. Sei disso. É algo que requer confiança"SouzaCom certeza. E me conheço bem para dizer que ainda não cheguei ao meu ideal, ao que posso fazer para ajudar o time. Sei disso. É algo que requer confiança. Não quero jogar sempre bem, quero que o time ganhe. Joguei muito contra o Flamengo e o time perdeu. Não vale a pena. Contra o Palmeiras, fui mal e ganhamos. É uma troca que eu faço.

Mas essa ‘troca’ também se dá muito por saber que o Abel confia em você?
Claro. Ele já chegou para mim e falou: “Você não foi bem nesse jogo, mas tem crédito”. Nossa, isso dá muita tranquilidade. Ele disse isso na frente de todo mundo. Como que eu não vou correr por um cara desses? Não é nem fazer média. Nem eu nem ele precisamos disso. Mas com um treinador que dá moral como ele, não tem como não correr.

Diante disso, você não acha que faltou um cara com este perfil para que o Fluminense tivesse um primeiro semestre melhor?
Com certeza. Não gostei da maneira conturbada como o Muricy saiu, afetou o grupo em si. Foi muito repentino. Não estou aqui para julgar, até porque ele tem as razões dele. Mas depois faltou um cara de comando. Não adianta ter somente um time bom. Em todo lugar tem jogador que se destaca. Hoje, o que é difícil é quem comande esse grupo com pulso firme. E o Abel é esse cara. Até mesmo o Muricy era.

Só que antes, mesmo com o Muricy, o time já não vinha bem…
Era começo de ano, com muita lesão. E é normal. O Fluminense teve dois anos brilhantes em 2009 e 2010. É natural relaxar. O Muricy sabe disso. Fui campeão três vezes com ele perdendo o primeiro semestre e engrenando depois. Ele é mestre nisso. A saída dele atrapalhou, deixou o grupo desnorteado. Eu estaria mentindo se falasse que o Enderson tem a mesma autoridade que ele. O jogador não pensaria tanto para responder como seria com o Muricy. O cara vai fazer aquilo que o treinador pede, mas na hora de dar uma bronca, vai dar. E falo isso com todo o respeito.

Com a saída do Conca, fala-se muito no Deco como substituto ideal e até esperou-se muito a chegada de um reforço. Você se vê como um jogador capaz de ocupar esse espaço?
Sempre conquistei as coisas muito quieto. O Sandro (Lima, vice de futebol) falou que não ia contratar ninguém, e eu disse: “Olha, você pode até contratar, mas quem vai jogar sou eu. Se eu estiver bem, você pode trazer quem for”. Confio muito no meu potencial. E estou muito à vontade. Claro que as comparações vão existir sempre, o Conca fez história no clube. Até hoje, são-paulinos e gremistas falam do que eu fiz por lá. Deixando um pouco a modéstia de lado, sei que posso ajudar para caramba. Tenho a segurança que, se eu estiver bem, não vão sentir tanta saudade. Não vou falar que sou o Pelé, o Messi, mas vou ser importante.

Aos 32 anos e com tantos títulos na carreira, quais suas metas para o futuro?
Quero títulos. Não há nada que marque mais na carreira. Pode fazer 30 gols, mas de nada adianta se não for campeão. Acho que vou jogar bem e em alto nível por um bom tempo ainda. Não tenho vício, só o videogame. Me cuido muito. Onde passei, ganhei. E no Fluminense não vai ser diferente.

Você vê o Fluminense como seu último clube?
É o que pretendo. Não preciso fazer média, como já disse. Mas é algo que não depende de mim. Se quiserem, paro aqui. Vou morar no Rio quando parar de jogar. Se der tudo certo, me aposento no Flu.

Sua outra experiência no Rio, pelo Botafogo, não tinha sido muito bem-sucedida. Acha que agora é o momento de superar isso e vencer na cidade para poder ficar de vez?
Com certeza. E chego em um momento bom. Com os clubes em alta. Quando vim para o Botafogo, não era assim. Eu era novinho, meio deslumbrado, e quando cheguei as expectativas não foram tão correspondidas. Diziam que eu seria o novo Rivaldo, mas o “Novo Rivaldo” ficou oito meses sem receber. Assim, nem o Pelé dá conta, nem o Messi. Voltei porque tinha uma dívida no Rio. Ainda não paguei. O caminho é grande.

Sempre vimos o Souza muito extrovertido, brincalhão. No Fluminense, você tem se mostrado mais fechado, mais sério. Há algum motivo para isso?
É a idade chegando. Mas logo vocês vão ver. Cheguei há pouco tempo no clube, não peguei uma fase boa ainda. Então, não dá para ser brincalhão. Mas de vez em quando soltamos uma, como a do Conca, quando disse que chorar com o que ele vai ganhar na China não tem como (risos). Tem hora para tudo. Não adianta querer brincar toda hora.

E internamente, você já está mais solto? Já colocou muitos apelidos?
O cara dos apelidos sempre sou eu, por onde passo. Coloquei alguns engraçados, como com o Rodriguinho, que era o pônei, por causa do cabelo. Já o Matheus Carvalho é o queixada, por ter o queixo grande. Outro que marcou foi o Tartá, que virou tartaruga sem casco e ficava bravo quando brincávamos com ele. Já comigo ninguém brinca, porque sabem como funciona (risos).

Veja Mais

Deixe um comentário

Vídeos