Em AL, espera de cinco anos pelo Bolsa Família

Mais da metade da população depende do benefício

Priscylla Régia/Alagoas24horasPriscylla Régia/Alagoas24horas

O Bolsa Família virou salário nas mãos dos catadores de mariscos das 400 famílias da favela Mundaú, uma das mais miseráveis de Maceió, a 500 metros do Palácio República dos Palmares, sede do Governo Estadual. Na favela, a maioria dos moradores tem entre cinco e 10 filhos e muitas mães são solteiras.

A principal atividade econômica, feita de maneira desorganizada, é catar, da Lagoa Mundaú, e vender, o sururu de capote, um dos pratos mais tradicionais da mesa do alagoano. São as mulheres e as crianças quem comandam o “despinicar” do sururu, ou seja, a limpeza e a separação do marisco. Os homens negociam uma lata por R$ 1,50, à beira da estrada, para todos os públicos. Até os donos dos restaurantes mais caros de Maceió compram sururu na favela. Bem que muitos marisqueiros queriam deixar de depender do Bolsa Família, mas a renda do sururu não é garantida porque não existe incentivo governamental para a atividade do sururu. Na favela, o Bolsa Família –entre R$ 60 e R$ 120- ajuda a sustentar filhos, marido, avós, primos e até alguns vizinhos, que esperam até cinco anos para aprovação do cadastro para receber o benefício federal. O dinheiro é pouco. Vale a solidariedade.

“A gente compra arroz, feijão, macarrão e ovo. Dou ainda dinheiro para minha mãe, mas tenho que catar marisco porque não dá”, diz Ana de Cássia do Santos Balbino, dez filhos. Para “multiplicar” o dinheiro, compra o “kit do pobre”, como chama: “uma banda de charque, que custa R$ 2, mais o feijão que está caro e faz um arrumado com arroz para comer”, explica. A maioria dos moradores segue a mesma receita. “Sem esse dinheiro, não sei o que seria. Catar marisco não ajuda sempre”, diagnostica.

A reclamação é geral por causa dos cortes no bolsa família. Quem recebia R$ 122,00, agora tem na conta, todos os meses, R$ 60. É comum os moradores não saberem ao certo quantos filhos recebem o dinheiro por mês. “O Lula tem que melhorar. Nosso dinheiro está baixando, não ajuda ninguém”, diz Simone Félix dos Santos, falando do presidente da República no sofá do cômodo minúsculo, feito de restos de madeira e chão batido de barro. Três filhos acompanham, deitados na cama de casal encostada no sofá, as críticas da mãe na direção do Palácio do Planalto.

Andréia Justino está desempregada. Com quatro filhos, fez o cadastro para receber a verba federal há cinco anos. Nenhuma resposta até hoje. “Passo necessidade. As outras famílias com o bolsa vêm cá e me ajudam. Sem isso, não vivia”. Vizinha a ela mora Maria Cícera dos Santos Lima. Ela se separou do marido, mas ele levou o cartão e a senha do Bolsa Família junto com as malas. “Tenho cinco filhos, ele separou de mim e levou o cartão. É um pai bom, meus filhos não passam necessidade”, diz.

De acordo com a coordenadora estadual do Bolsa Família, Maria José Cardoso, o dinheiro federal serve para atender famílias miseráveis ou mais que miseráveis. O principal critério é a renda percapita: R$ 60. Cada criança, entre 0 e 15 anos, recebe R$ 20, mas o benefício só atende até três filhos. “Se existem problemas, cada caso deve ser analisado. No caso do cadastro, ele tem validade de dois anos. Se a pessoa fica em casa esperando o resultado, não recebe o dinheiro”, explicou. O Bolsa Família é municipalizado, ou seja, cada cidade brasileira assume a responsabilidade sobre os beneficiados, mas o dinheiro cai direto na conta do cidadão.

“Claro que existem ações suplementares para a retirada destas pessoas da dependência do Bolsa Família, mas isso é de competência da Secretaria Municipal de Assistência Social, como a criação de uma cooperativa para a saída do programa. Mas, isso depende da secretaria”, explicou a coordenadora estadual.

Contactada pelo O GLOBO, a secretária de Assistência Social, Sandra Arcanjo, disse que estaria em reunião e não teria tempo para atender. “Estarei reunida o dia inteiro”. O Ministério Público Federal investiga desvios de verbas na secretaria, como o pagamento de jantares em restaurantes da orla de Maceió, a área mais cara do Estado.

Enquanto isso, na favela Mundaú, junto a Muvuca, Torre e Sururu de Capote, está a área mais pobre e uma das mais violentas da capital alagoana: o Dique Estrada. Ao todo, são duas mil famílias vivendo às margens da Lagoa Mundaú sem saneamento básico, escola, posto de saúde. A cada mês, eles fecham a estrada de acesso ao Dique Estrada para protestar por melhoria nas condições de vida, uma situação que se arrasta há vinte anos. Nas favelas, crianças de oito anos são aliciadas para prostituição; os casos de estupro são quase semanais; na semana passada, um traficante de drogas, considerado o “chefe da região” foi preso e houve troca de tiros. A cada dois dias, uma pessoa é assassinada. Quase sempre o motivo é o mesmo: vício do crack.

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