Ex-técnico de CRB e CSA solta o verbo

Tribuna do Norte/RN

A decisão não foi fácil. Próximo de completar mil jogos como treinador de futebol profissional, o técnico Ferdinando Teixeira abriu mão de seguir no comando do ABC para amenizar o clima de pressão que se instaurou no clube, após os recentes maus resultados e a visível queda de produção da equipe, principalmente nos jogos fora de casa. Mas o professor Ferdinando, como é conhecido desde os tempos de Etfrn (hoje Cefet), deixa o ABC com o sentimento de dever cumprido. E não é para menos. Ferdinando Teixeira assumiu o ABC que estava vindo de uma humilhante derrota para o Assú, por 5 a 0 em março de 2007, e conseguiu organizar a equipe rumo ao título. Depois veio o acesso à Série B e o 50º título estadual.

Ao todo, ele soma 369 jogos no comando do Alvinegro. Sua história no futebol começou em 16 de janeiro de 1974, quando fez sua estréia como treinador pelo Alecrim. Lá conquistou os títulos estaduais de 1985 e 86. Pelo América, sagrou-se campeão potiguar em 88, 89, 96 e 2003, além da ascensão para a Série A em 96. No ABC, onde trabalhou por mais tempo, foi campeão estadual em 84, 95, 99, 2007 e 2008.

Em entrevista à TRIBUNA DO NORTE, o treinador potiguar mais vitorioso da história do futebol, fala sobre sua decisão em deixar o ABC, relembra alguns momentos desta última passagem pelo clube e traça planos para o futuro.

Qual a avaliação que o senhor faz desta última passagem pelo ABC?
Avalio como muito positiva. Quando assumi o ABC, em março de 2007, o time estava numa situação bastante delicada. Eu me recordo que o presidente Judas Tadeu me passou como meta terminar a competição, pelo menos, em terceiro lugar, para que conseguíssemos chegar à Série C. Eu me mostrei contrário a esse objetivo e disse que só aceitaria o convite para treinar o ABC, caso trabalhássemos visando o título. Na época só conseguimos a contratação do volante Marquinhos Mossoró e motivamos o nosso grupo para chegar ao título, conquistado em cima do rival América, que tinha um time muito forte. A partir daí conseguimos desenvolver um bom projeto na Série C, terminando entre os quatro primeiros que subiram à Série B de 2008, além do bicampeonato deste ano, que representou a conquista de número cinqüenta ao ABC, em Campeonatos Estaduais. Depois, a meta era permanecer na Série B, algo que vínhamos conseguindo, já que não ficamos em nenhum momento na zona de rebaixamento. Traçando um balanço final, todos os objetivos foram alcançados.

Então vocês não tinham a pretensão de chegar à 1ª Divisão?
Lógico que tínhamos. Esse sempre foi o nosso objetivo número um. Mas a verdade é que não podemos dar um passo maior do que as pernas. O ABC está passando por um processo de crescimento muito grande. Judas (Tadeu) tem o projeto de ampliar o Frasqueirão, unindo os módulos de arquibancadas e de qualificar nosso elenco gradativamente. Isso requer tempo. A proposta não era subir para cair em seguida, e sim subir em condições de se manter na elite do futebol. E o trabalho está sendo feito nesse sentido. Posso afirmar sem medo que em poucos anos o ABC será um clube de referência nacional, chegando ao topo dos times do Nordeste.

Sabemos que o senhor pediu sua demissão em consideração ao presidente Judas, que vinha sendo muito pressionado para trocar o treinador. Que pressão foi essa? Qual o real motivo da sua saída do ABC?
Na verdade, o que está acontecendo hoje no futebol potiguar é que existe uma “banda podre” que tem outros interesses além do sucesso dos clubes. É uma gangue que montou um verdadeiro “esquemão” para tentar escalar jogadores do interesse deles. E para completar eles pagam uma “merreca” a alguns profissionais da imprensa para criticar minhas atitudes e escolhas. Eu sou um problema para essa gente, pois eles sabem que eu não me submeto às vontades externas e não admito que ninguém, além da comissão técnica, interfira na escalação dos times que treino.

O senhor poderia citar nomes?
Quem acompanha a imprensa esportiva local sabe de quem eu estou falando. E quanto as pessoas que fazem parte do clube, são apenas três ou quatro pseudo conselheiros que nem pagam uma mensalidade mínima de R$100 e querem entrar todos os jogos de graça e ainda botar esposa, sobrinho, primo, para dentro. Aconteceu desses caras venderem atletas das categorias de base, nossas revelações, sem nem passar na tesouraria do clube para prestar contas da venda. Botam o dinheiro no bolso e simplesmente somem. Onde já se viu um negócio desses? O jogador é patrimônio do clube. Notei que Judas estava sendo bastante pressionado para contratar um novo treinador e estava segurando a barra toda sozinho. Como somos muito amigos, sentamos, eu abri o jogo e disse que estava saindo sem ressentimentos, sem problemas.

O Senhor acredita que essas pessoas podem trazer mais problemas ao ABC no futuro?
Não acredito. Na verdade, é um grupo pequeno, mas que faz muito barulho, principalmente por intermédio de alguns profissionais da nossa imprensa. Eles estão, cada vez mais, perdendo credibilidade. O que eles querem mesmo é derrubar Judas da presidência, mas não vão conseguir. A atual diretoria é composta de pessoas que se dedicam demais ao ABC, dão o sangue pelo clube, e vão conseguir provar que o trabalho é sério e competente.

Se o senhor pudesse voltar no tempo, mudaria alguma coisa em seu trabalho, nesta Série B?
De maneira alguma. Como disse anteriormente, alcançamos todos os objetivos. Todas as minhas decisões foram tomadas com total convicção e dentro das nossas possibilidades. Não mudaria nada.

Com a sua saída, a diretoria abecedista optou por rescindir os contratos de Jean Paraíba e Adelmo. O que achou dessa decisão?
Jean e Adelmo foram atletas que deram uma contribuição enorme para as últimas conquistas do ABC. São verdadeiros guerreiros que dão o sangue pelo clube. É bem verdade que Jean paraibano teve uma queda acentuada de rendimento, após a contusão que o deixou de fora algumas rodadas, mas a dispensa de Adelmo me surpreendeu. Não vejo outro atleta no elenco com as mesmas qualidades de desarme e entrega de bola que ele tem. O problema é que já criou-se uma estória de que ele erra todos os passes. Passe todo mundo erra, mas se um craque erra dez vezes e Adelmo erra dois, só lembram desses dois erros dele. Desejo sucesso aos dois.
O senhor recebeu alguma proposta desde a sua saída do ABC?
Recebi uma. Um time grande do Nordeste, que está na Série B, me fez um convite para ficar até o fim do Campeonato, mas eu neguei. Por enquanto, quero descanso do futebol para tocar meus negócios em Natal e aproveitar para passar mais tempo com minha família.

Poderia citar o time? Trata-se do Fortaleza?
Não posso citar o nome. Não seria ético de minha parte, até porque existem profissionais lá que merecem o meu respeito.

Durante o Campeonato comentou-se no interesse do São Caetano em sua contratação. A informação é verdadeira?
Sim. Aconteceu uma semana depois da nossa vitória por 4 a 0, lá no estádio deles, o Anacleto Campanela, pelo primeiro turno da competição. Eles ofereceram um salário bem maior do que eu recebia aqui no ABC, com contrato pronto para ser assinado. Tudo nos conformes. Mas optei em permanecer, pois queria concluir o trabalho que havia começado aqui no clube. Outro convite surgiu por parte do Bahia, mas foi apenas um convite verbal.

O senhor comentou que quer umas férias do futebol. De quanto tempo seria isso?
Quero tirar uma folga pelo menos até janeiro. Com isso posso resolver algumas pendências pessoais e ficar mais tempo com minha família e amigos, que sempre estiveram do meu lado nossos momentos mais difíceis. Quando se está trabalhando no futebol, fica praticamente impossível ter esses programas de família, pois é uma seqüência grande de jogos, treinos e concentrações. Então, em 2009, pretendo voltar ao futebol para treinar alguma equipe de fora do RN para em 2010, me aposentar definitivamente do futebol. Até porque não sou mais nem um menino, estou com 62 anos e preciso cuidar da minha saúde (risos).

Então podemos inferir que este foi seu último trabalho como treinador, no RN?
Veja bem, a meu pensamento é esse. Como disse anteriormente, estou um pouco cansando dessas falcatruas extra-campo no futebol do nosso Estado. Mas a gente nunca sabe o dia de amanhã. Porém, como treinador, acho muito improvável eu atuar aqui.

O senhor deixa o ABC com alguma mágoa do torcedor?
De maneira alguma. Para falar a verdade, eu nunca fui tão bem quisto como profissional quanto aqui no ABC. Lembro de jogos em que a torcida gritava meu nome e isso é muito gratificante. Para se ter uma idéia, Emilson Tavares realizou uma pesquisa junto à torcida abecedista que resultou em 76% de aprovação ao meu trabalho. Não é fácil conseguir um resultado desses. O que acontece algumas vezes é que o torcedor apaixonado, muitas vezes, age com o coração e fica desesperado quando a vitória não vem. Mas isso é normal.

Como o senhor avalia a opção por Arthur Neto para assumir o seu lugar? Ele está preparado para comandar o time nessas rodadas restantes?
Confesso que não conheço de perto o trabalho dele, mas sei que é um cara experiente e muito vencedor dentro do futebol. Ano passado ele fez um belo trabalho em Goiás, quando conquistou o Campeonato Estadual e subiu o Vila Nova para a Série B. Com o grupo que tem em mãos, ele certamente tem condições de desenvolver um grande trabalho.

Já que estamos próximos das eleições municipais, quais os principais desafios do próximo gestor, no tocante ao esporte?
Na minha ótica, o que precisamos é de políticas esportivas para inserir o jovem na sociedade. Com o esporte pode-se educar, socializar, além de funcionar como uma alternativa de renda para os mais pobres.

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