Adivinhando chuva

Jasson Ferreira Lima

Naquela noite de chuviscos deste mês quente de fevereiro, vi na rua deserta algo inusitado e inesperado. No canto da calçada molhada, repentinamente apareceu um saltitante filhote de sapo que seguia com o vigor de um ser ainda no primeiro estágio da vida, como se fosse um pré-adolescente do mundo dos anfíbios. Sozinho, ele passava num destino incerto cumprindo sua missão de existir, na cadeia natural onde todas as espécies têm seu papel fundamental no equilíbrio ambiental. Fiquei sensibilizado em ver o sapinho numa zona urbana longe de seu habitat.

Mas não foi por acaso que ele apareceu, há um propósito na alegria de seus saltos e na sua vontade de seguir noite adentro. É que a vida lhe deu esse instinto de ser o portador de abundantes águas, e de especialista na previsão do tempo de forma infalível.

Nós, homens da cidade grande, perdemos o senso de observação com as coisas da natureza. Falei no dia seguinte pra moça da banca de revistas, que tinha visto na noite passada um sapinho simpático e feliz, e que o danado já tinha jeito urbano, pois desfilava sem medo rua a fora. Acontece que a moça não achou nada interessante minha conversa sobre o tal batráquio, e até me olhou com um jeito estranho como se eu fosse um remanescente de dinossauro, e tivesse falando de coisas que uma jovem urbana jamais entenderia.

Ela não teve a oportunidade de uma infância numa cidade do interior em tempos passados, onde a gente vivia com mais verde, águas limpas nos rios e mais contato com a fauna e flora regional. Seria difícil ela poder imaginar o que vivi, mais difícil ainda retornar comigo no tempo. Até aquela senhora paulistana super-urbana que também ouvia minha conversa com a moça, saiu de mansinho meio sem graça sem dar atenção às previsões do sapinho. Senti-me numa total solidão naquele momento diante da falta de interesse pelas minhas divagações interioranas. O fato é que nós que viemos do interior, mesmo depois de tantos anos no litoral, somos mais sentimentais e mais intuitivos com o mundo que nos cerca.

Convicto de minhas conclusões naquela noite, cheguei em casa e falei que aguardem carta de São Pedro porque vem chuva e não é pouca. A secretária caçoou de mim perguntando se eu era algum adivinho do tempo. Só sei que dois dias depois veio à primeira enxurrada. Por coincidência eu estava na banca de revistas outra vez e mudei o discurso, disse pra moça que essas chuvas repentinas eram devidas ao desequilíbrio provocado pelo aquecimento global.

Como era um assunto da mídia, desta vez ela se interessou pela conversa, e me despedi já sem aquela imagem de idéias estranhas. Dois dias depois veio à segunda tromba dágua, o serviço de metereologia informou que aquela frente fria tinha saído da África dias atráz. Lembrei então que o sapinho tinha avisado a tromba dágua ainda quando ela estava no continente africano. A moça, pra minha surpresa, descontraída me disse: o seu sapinho estava certo!

Quando no sertão os profetas das chuvas se utilizam das formigas, tanajuras, das nuvens, do mandacaru, dos sapos, ou seja, destas manifestações telúricas nas suas previsões, todo mundo acha fantástico. O certo é que quando a mãe natureza se revela ou se rebela, antes manda um recado que é recebido pelos bichos, pelas plantas e pelos elementos. E como num milagre gerado pela inteligência criadora ela não pega ninguém de surpresa.

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