A batalha dos camelôs

Caminhando, caminhando, sacola nas costas, caixotes lotados de bugigangas, meio sem rumo, meio incerto, na aventura de se estabelecer em alguma esquina ou calçadão da cidade. Seguindo rumo à sobrevivência, sem lenço, sem documento registrado, sem ficha, sem autorização nenhuma, até por que não tem o que ser autorizado.

Sem licença pra trabalhar (não se pede licença pra trabalhar), assim ele vai passando entre o povo, cruzando as ruas cheias de gente apressada, gente que tem um emprego certo, tem uma vida certa e uma sobrevivência garantida. Uma gente que nem olha do lado, de olhos frios, e que atravessa as ruas da cidade juntas e solitárias, numa massa tediosa como se fosse em tempos de murici: cada um cuida de si.

Quem é esse que tenta caminhar contra a maré? Que não se entrega e vai lançar sua tarrafa furada no meio das ruas? De quem é a rua? Do povo? Do governo? De Deus? De quem? Eu não sei, juro que não sei. Pensando bem acho que é de Deus. A rua é a rua, de dia ela é do sapateiro, do picoleseiro, do advogado, do vendedor, do repórter, enfim de toda gente. À noite ela é dos namorados, dos poetas, do guarda-noturno, dos boêmios e de toda sorte de mistérios. À noite as ruas são das luzes, das placas de néon, do mendigo em baixo da marquise, e até da lua quando está meio escura. Mas eu insisto em dizer: quem então é esse que gosta de trabalhar na rua? Não! Ele não quer praça, não quer barraca, não quer shoping, ele só quer as áreas públicas, eles são apaixonados pelas artérias da cidade. Quem é esse? Por favor, diga logo. Claro! É ele! O caixeiro ambulante da estrada, o camelô. O camelô de cada dia – vendedor de calcinha, agulha e botão, sandálias, esmaltes, peneiras e toda espécie de utensílio doméstico popular.

O camelô de mil e uma utilidades. Precisou! Está ele ali para lhe ajudar: Colocando uma pilha no seu relógio, consertando seu cordão de ouro ou prata, lhe arranjando um guarda-chuva barato, uns jogos de copo, de xícaras e aquela roupinha básica do povão. Qualquer coisa, qualquer necessidade, é só ir ao comércio e lá estão eles, unidos e solidários. Se ele não tiver a mercadoria procurada, ele logo indica outro lá na frente que tem, e com o mesmo precinho.

E quanto às lojas do comércio, eles nem olham. Seus clientes não podem comprar lá e os de lá também não compram cá. É uma convivência pacífica, sem competição e sem confusão. E o povo não está nem aí para quela feira toda; vai se espremendo, circulando entre as bancas e as lojas. Tem gente que toma um caldo-de-cana no camelô e vai se refrescar no ar-condicionado da loja – gente safada, que não compra nada e só quer usufruir o conforto do estabelecimento comercial do patrão. Outros compram na loja e vão tomar um caldo-de-cana que é barato pra compensar nas compras. Aqueles que têm mais um corinho de sapo pegam um self-service no calçadão, num rango em alto estilo.

Mas a prefeitura é quem manda. Ela tem as leis e as regras, e é quem toma conta da cidade. Juntamente com os lojistas, a administração municipal resolveu tirar os camelôs das ruas. Aí foi armada a confusão, um verdadeiro barraco na gíria popular. Parecia torcida revoltada em final de clássico no Trapichão com derrota de gol contra ou pênalti roubado. Na verdade, o prefeito tem lá suas razões; quer organizar e amontoar todo mundo num canto só. Mas não tem jeito, o camelô não quer porque o forte dele mesmo é a desorganização. Além do mais meu amigo, camelô é que nem maruim em fim de tarde na Lagoa Mundaú, quanto mais à gente espanta, mais eles aparecem.

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