Ninguém pode imaginar a dor que passa os pais de Malu neste momento. O amor filial vem de dentro da alma e quando este sentimento é usurpado por atos de violência causa uma desarmonia total no ser humano. É como um punhal que transpassa o peito e que só a força da solidariedade é capaz de sustentar a pessoa em pé nessas horas.
Nessas coisas eu pensei quando adentrei na agência dos correios nesta manhã. Enquanto segurava cuidadosamente meus envelopes postais, olhava uns cartazes apostos no mural, e no canto do quadro estava o rostinho angelical de Malu – essa criança que fora barbaramente retirada dos braços da mãe em frente a uma padaria no bairro do Estaquio Gomes, por uns marginais periculosos que ainda hoje se encontram foragidos. Já havia visto esse mesmo retrato nos veículos nas ruas, este crime fez a comunidade se mobilizar. Porém, não tinha me tocado tanto deste horrendo fato como agora.
Aqui no mural dos correios esta inocente parece estar pedindo socorro em meio aos demais cartazes. Que triste papel, Malu, esses nossos dias lhe impôs; que triste época vivemos, e ainda fica pior com tudo que lhe acontece. Seu olhar e sorriso infantil penetraram-me as entranhas; parece nos alertar que a violência social perdeu seus limites; parece nos dizer que tudo ruiu. Ruíram as instituições, ruíram os governos e os valores humanos. No seu caso até o helicóptero operacional não decolou, e sabe-se que ele sempre está de tanque cheio e disponível. Será que esse helicóptero só voa quando quer? Não sabemos ao certo, só sabemos que nessas coisas de Estado há sempre fatos muito estranhos, muito estranhos… Mas a única coisa que ainda não ruiu foi o amor, esse amor que todos nós da comunidade sentimos por você neste momento, e que talvez seja a única esperança de que possamos mudar este estado de coisas; porque nada poderá vencer o amor solidário, pois nem mesmo as moedas dos césares e a traição de Judas o venceram, e não será essa violência urbana que nos fará retroceder.
Na caminhada pela paz que a comunidade do Inocop irá fazer nos próximos dias, Malu será homenageada. Esperamos que neste ato ela já esteja no convívio de seus familiares. Todos estão preocupados com suas crises de asma, o que complica mais ainda a situação desta criança em seqüestro. Mas seja forte Malu! A vida está ao seu lado. E quanto a mim e a todos que viram aqui o seu retrato neste mural, estamos tristes, cabisbaixos, perplexos e meio pessimistas. E foi desse jeito que saí pela agitada Rua do Sol a pensar na sua situação. Talvez você seja aquela borboleta entre as galinhas tão indefesa e tão frágil. Mas quem sabe! Você tem asas pra voar, e num toque divino suas asas de anjo lhes livrarão de tudo isso. Um poeta certo dia falou que os brutos também amam e que um coração não é de pedras. Quem sabe um desses brutos por um momento lembre de que um dia foi criança; e que mesmo tendo sido uma criança sofrida e revoltada, teve uma mãe, teve alguém que lhe fez nascer, lhe pôs no colo, lhe fez crescer e viver.
