Blog

Usuário Legado

Todas as postagens são de inteira responsabilidade do blogueiro.

O primeiro cigarro e o desamor (artigo do médico)

Enviado ao blog pelo médico cardiologista Marco Antônio Mota Gomes:

Levava uma vida mais ou menos, às vezes tinha que lutar contra um pouco de poluição que chegava aos meus alvéolos (nada importante). Eu e o meu colega do lado direito trabalhávamos em harmonia.
Determinado dia (acho que o meu dono tinha 17 anos), fomos surpreendidos por um volume grande de fumaça (acreditamos uma tragada) nos invadindo. Estava bem relaxado e não deu nem tempo de refletir sobre o que poderia estar acontecendo. Imaginei logo que se tratava de um incêndio. Não deu tempo de falar com o meu vizinho porque fiquei muito sufocado. Pensei comigo mesmo: “dessa eu não escapo”. Mesmo assim, resolvi lutar e, com a ajuda dos meus amigos “cílios”, começamos a limpar toda a sujeira, já que não havia condições de apagarmos o incêndio que ocorria fora de nosso domínio. Lá no fundo, eu já conhecia aquele cheiro, porque na casa de meu dono outras vezes havia inalado com menor intensidade “aquela coisa”. Agora era diferente, o volume que entrava em cada respiração de meu dono era intenso. Por mais que criasse barreiras, não conseguia impedir que aquela fumaça se misturasse com o sangue, comprometendo a minha missão de filtro. E, embora provocasse tosse, não conseguia expelir nem 20% da fumaça que entrava. Uns cinco minutos depois tudo se acalmou, e fiquei convencido de ter vencido “aquele incêndio”.
Tive até tempo de conversar com o meu amigo irmão do lado direito, quando pude perceber que a situação fora a mesma. Trabalhamos um dia e uma noite para realizar a limpeza dos meus “alvéolos” e de toda a minha “árvore brônquica”. No final desse dia, estava exausto, mas a limpeza fora concluída.
Duro foi no dia seguinte descobrir que esses “incêndios” seriam repetidos. De início, 5 vezes por dia; depois, 10; depois, 20. Essa freqüência demorou um bom tempo, o que deixava pelo menos a noite para me recuperar um pouco e poder respirar melhor. Depois foram 30, 40 vezes, e o pior é que até a noite me foi roubada.
Hoje, trinta anos depois, sou uma verdadeira podridão (acho que o meu cheiro já está chegando lá fora), minhas paredes estão pretas e até uns caroços começam a aparecer em algumas partes do meu “corpo”.
Êpa!, vou ter que interromper esse meu relato porque “ouvi” um grito forte e parece que um outro vizinho do lado, que passou a vida toda me cutucando (parecia que batia em mim), acaba de sofrer um enfarte. Agora acho que ele estava querendo me dizer alguma coisa. Caramba, não sabia que necessitava dele para continuar vivendo; estou sentindo tudo ficar preto ao meu redor, o sangue não circula mais e acho que agora vou morrer afogado…

Obs.: relato interrompido porque o dono desses dois sofridos pulmões acabou de ter, aos 47 anos, um enfarte fatal, depois de fumar por 30 anos seguidos.

* Texto publicado no portal www.cardiol.br comemorando o Dia Mundial de Combate ao Tabagismo.

E-mail: mota-gomes@uol.com.br

Veja Mais

Deixe um comentário

Vídeos