Ex-líder do Engenheiros do Hawaii faz sucesso com disco solo

Gessinger/DivulgaçãoGessinger/Divulgação

O que diz a teu respeito aquela camiseta dos Engenheiros do Hawaii? Não é exatamente este o verso da canção Bora, uma das 11 novas composições de Humberto Gessinger recém-lançadas no álbum Insular. Na verdade, a banda em questão na letra da música é o AC/DC. Mas a substituição feita no início deste texto não é por acaso. Prestes a completar 50 anos, o músico gaúcho atravessou os anos 1980, 1990 e o início do novo milênio alheio às ondas e modismos que varreram o pop nacional. Nem o auge do sucesso há 20 anos, as ironias dos críticos ou o distanciamento da grande mídia na década seguinte interferiram no seu trabalho e – o mais impressionante – na comunicação com o seu público.

Em maio, Gessinger esteve no Recife com o seu show solo – com apenas duas músicas novas no repertório tomado por clássicos dos Engenheiros do Hawaii. Os ingressos (R$ 100 e R$ 80) se esgotaram com antecedência. Até aí nada tão surpreendente. Porém, nos primeiros acordes de Toda forma de poder, uma cena inesperadas: adolescentes deixaram suas cadeiras (ou subiram nelas) e cercaram o palco. Era 2013, mas parecia 1993. Enquanto os fãs trintões curvavam a cabeça nas cadeiras para tentar enxergar o show, a garotada cantava verso por verso de cada música. Inclusive as duas que estão no Insular: Tudo está parado (que já chega como hit recém-estourado pelo Jota Quest) e Tchau Radar! (parceira com Esteban Tavares, ex-Fresno).

Este, na verdade, é o grande diferencial de Gessinger. Ele tem um público considerável para chamar de "seu". Ao contrário de outros nomes dos anos 1980 que hoje seguem carreira solo – como Arnaldo Antunes, Nando Reis ou Frejat – o gaúcho não transita no mainstream, nem no circuito alternativo. Não tem música nas novelas, nem está presente nos maiores festivais. Da sua casa em Porto Alegre, Gramado ou de algum ponto na estrada, atualiza o seu blog às 0h de todas as terças-feiras, faz shows via webcam e está sempre conversando no Twitter. Sobre música, futebol, tênis, viagens… Nos fins de semana, posta fotos dos shows de Sul à Norte do Brasil. Invariavelmente lotados.

Insular, o primeiro disco solo de Humberto, foi lançado na madrugada da terça-feira (3) no iTunes. Horas depois, já aparecia na 2ª posição entre os mais vendidos. São 12 faixas, transitando entre o rock, o pop e a música tradicional gaúcha. A primeira, Terei Vivido, é praticamente um cartão de apresentação:"Na alma da gente, já existia uma cicacriz antes do corte, cinza antes do fogo, vida após a morte". Gessinger – para os que amam e os que odeiam – segue o mesmo. Como sempre.

Mas não espere mais do mesmo. E, principalmente, mais um disco dos Engenheiros – ainda que o DNA da banda esteja nele. "Que susto levei quando olhei no espelho! Caralho, como estou ficando velho", canta Gessinger no primeiro verso de Segura a Onda Dorian Gray. Sim, estamos falando de um disco de roqueiro de quase 50 anos. E esta é uma das qualidades do trabalho. Guitarras dividem espaço com gaitas e sanfonas – musicalmente, talvez o melhor já feito por Humberto.

"No início não passava pela minha cabeça lançar como disco solo, mas com o tempo fui percebendo que as canções pediam vários ambientes, atmosferas diferentes…Fui atrás dessa intuição e convidei músicos que admiro para fazer parte desta viagem", explica. Na lista, estão grandes nomes da música gaúcha, como Luiz Carlos Borges, Bebeto Alves (com quem divide a belíssima A ponte para o dia) e Nico Nicolaiewsky (do Tantos & Tragédias).

ENTREVISTA

Quase 30 anos separam Longe Demais das Capitais de Insular. Lançar um novo disco ainda gera a mesma ansiedade?
Sim, é sempre como se fosse o primeiro. Melhor que seja assim, tem coisas com as quais a gente não deve se acostumar nunca. Mas não é uma ansiedade opressora, é mais parecido com curiosidade. É sensacional que as pessoas gostem do disco, mas o bacana é quando isso acontece como consequência natural de uma busca interna do artista, um efeito colateral. Sempre achei que não pensar no público na hora de compor é um sinal de respeito a ele.

Você sempre disse que pensava no conceito do disco, na ordem das músicas, na criação da capa… Ainda é assim mesmo sabendo que o público pode, inclusive, escolher as faixas que vão comprar? Eu continuo pensando assim. Gosto que os discos sejam mais do que um punhado de canções. Claro que cada um pode (e deve) fazer com o disco o que quiser. Por isso os trabalhos que oferecem vários níveis de leitura são os que perduram.

No último show no Recife, chamou a atenção a quantidade de adolescentes na plateia. A renovação do público surpreende? É legal saber que a música rompe barreiras de tempo e espaço. A gente vive num mundo muito segmentado, fragmentado, cada um na sua tribo. É bom que a arte ofereça um ponto de encontro.

Da geração dos anos 80, você parece ser um dos músicos que se adaptou melhor às mudanças no cenário. Mantém um blog sempre atualizado, faz shows via twitcam, disponibiliza versões demo das músicas? Como tem sido essa relação mais próxima com o público?
Olhando em retrospectiva, eu vejo que mesmo antes de ter estas ferramentas digitais à mão eu já era assim. Buscava uma conexão mais direta com que está realmente interessado na minha arte/ofício. Sempre achei a qualidade do público mais importante do que a quantidade. As novas ferramentas só facilitarm o que eu já fazia.

Ao ouvir Insular pela primeira vez, soa um disco extremamente sincero. Autêntico. Ser um disco solo, sem o peso da marca "Engenheiros do Hawaii", trouxe mais liberdade para a criação? Pode ser um pouco isso. Pode ser uma fase da vida pessoal. Pode ser influência da cena musical. Pode ser o que as canções pediam. E pode ser tudo isso junto. Às vezes nós, artistas, somos os últimos a entender o que e porque fizemos…

Fonte: Diário de Pernambuco

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