Iphan avalia tombamento de relíquias afro

Paulo Rios/Agência AlagoasArtefatos da Coleção Perseverança

Artefatos da Coleção Perseverança

Tesouro histórico, a Coleção Perseverança guarda os cem anos de um episódio quase silenciado. Por meio das peças, é possível conhecer a luta e a dor vivenciadas na noite de 1º de fevereiro de 1912 – uma história que já vem sendo propagada entre os alagoanos, mas que agora deve ser conhecida também por todo o Brasil com o pedido de tombamento recebido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

A solicitação é do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (IHGAL), que hoje guarda as indumentárias, imagens e esculturas que escaparam da destruição dos terreiros de candomblé no que viria a ser conhecido como o Quebra de Xangô. De acordo com o técnico do Iphan em Alagoas, Sandro Gama, as chances de aprovação são grandes. “O acervo é muito rico e um dos mais importantes do País”, diz.

Um dos acervos afro-brasileiros mais importantes do País, a Perseverança vem sendo a responsável por contar, ao longo dos anos, uma parte da história alagoana. Perfeitamente conservados, os mais de 200 itens mostram a variedade e a riqueza artística presentes nos cultos de matriz africana do início do século XX e, atualmente, podem ser visitados no antigo casarão rosa da instituição, localizado na Rua João Pessoa, no centro de Maceió.

Antes que as peças possam ganhar a proteção do Iphan, porém, o pedido ainda será analisado por especialistas no assunto. Um inventário de todos os objetos deverá ser elaborado e enviado a consultores nacionais. “Sendo declarada a importância histórica, o processo vai para o ministro da Cultura para a assinatura do tombamento”, explica Sérgio. “A partir daí, ele passa a ter proteção federal e ajuda para a restauração”, acrescenta.

Proteção
Caso aprovada, a solicitação garante não apenas a conservação dos artefatos, mas também sua permanência no Estado. “Eles nunca poderiam sair daqui, a não ser para exposições rápidas. Mas não poderiam, por exemplo, ser vendidos e ir para outro lugar”, explica Sandro, lembrando que o Instituto Histórico e Geográfico já possui um regulamento que proíbe a saída dos artigos, mas que o tombamento reforçaria a questão.

A proteção do Iphan afastaria uma possibilidade que ronda o acervo há tempos: a venda para uma fundação estrangeira. “A notícia da existência dessas peças chegou à América do Norte através de referências contidas num artigo do antropólogo, sociólogo e professor Gilberto Freyre, que havia visitado o Museu da Perseverança há algum tempo”, relata o folclorista Abelardo Duarte no Catálogo Ilustrado da Coleção Perseverança, publicado em 1974.

Na ocasião, diversas instituições internacionais, em especial a National Geographic, demonstraram interesse pelos itens. “Uma equipe desse grupo veio até aqui e deixou um cheque em branco na tentativa de convencer o museu a vendê-los”, conta o presidente do IHGAL, Jayme de Altavila. Tamanho interesse tem justificativa: a raridade e o valor das peças é incalculável – uma delas, o capacete Ogun-China, chegou a ser avaliado em 500 mil réis, moeda da época.

Nova Casa
E, no ano em que se relembra o centenário do Quebra, a Coleção Perseverança é centro também de outra boa notícia: a partir de 2013, as peças retornarão à sua primeira casa, a Sociedade Perseverança e Auxílio dos Empregados no Comércio de Maceió. A ideia é que os artefatos virem a atração principal após a reforma do prédio, que já foi tombado pelo governo estadual e passará a funcionar como um anexo do IHGAL.

“O local já foi desapropriado pelo Estado e passará por uma reforma, uma restauração, feita em conjunto entre o Instituto Histórico e Geográfico e o Iphan. O espaço, que será uma ampliação do instituto, será adequado para receber os itens e o objetivo é que eles sejam o centro das atenções. O Instituto Histórico já nos procurou e a reforma deve acontecer no máximo até o próximo ano”, revela o técnico do órgão federal, Sandro Gama.

Com a reforma, o espaço, que hoje serve de sede para um sindicato e uma escola técnica, poderá relembrar seu período de auge, passando a abrigar um dos maiores acervos de peças sacralizadas de matriz africana do Brasil. No meio delas, está a Coroa de Xangô, que supostamente teria sido usada pelo então governador na época do Quebra, Euclides Malta, nos encontros com sua mentora espiritual, Tia Marcelina.

Toda a coletânea está retratada no catálogo com fotos organizado por nomes como Jayme de Altavila, Diegues Júnior e, em especial, Abelardo Duarte, que relata, no documento, o amor pelos itens. “Há, em todas essas peças, um sentido alegórico e um sentimento religioso ou mágico-religioso novo para nós, vindo das longínquas plagas da África. Não despojadas dos veros sentimentos nativos, das suas forças e dos seus seres, essas peças exprimem um momento da vida cultural do negro no nosso País”, escreveu ele.

DOCTV também relembra episódio

Além da Coleção Perseverança, a história de perseguição vivida pelos adeptos do candomblé está preservada também em outra frente: o documentário 1912 – O Quebra de Xangô. Vencedor do projeto DOCTV em 2007, o vídeo do antropólogo e fotógrafo Siloé Amorim promove um resgate cultural não somente do episódio, mas também da situação do candomblé contemporâneo, mostrando danças e depoimentos acerca das representações afro-alagoanas.

A obra nasceu do interesse de retratar, por meio de uma pesquisa detalhada, o quebra-quebra ocorrido nos terreiros alagoanos – tema até pouco tempo atrás mantido longe dos olhares do grande público. “Eu e meu irmão fomos criados com a ideia de que as práticas religiosas africanas mantinham pacto com o demônio e que as pessoas que frequentavam os terreiros faziam feitiçaria, macumba”, conta o diretor.

Apesar de trazer também um toque de ficção, a maior parte do vídeo é composta por depoimentos de antropólogos, historiadores e entidades ligadas à história. Aproximadamente 200 pessoas participaram do trabalho, entre equipe de produção, figurantes, estudiosos e pais, mães e filhos de santo. Ao todo, foram 70 horas de gravação para o documentário, que teve uma verba de R$ 100 mil.

“O quebra foi um episódio silenciado durante quase um século. O silêncio oficial envolveu não apenas políticos, mas também jornalistas e intelectuais. É um fato que até mesmo pessoas ligadas ao Candomblé desconhecem. A quebra das casas de Xangô repercutiu nas expressões da cultura negra, afetando até manifestações como o maracatu”, conta Siloé.

Para o diretor, o assunto é ainda mais pessoal. “Quando eu era criança, no breu da noite, batuques de um terreiro no caminho de casa disparavam meu coração”, narra ele na abertura do vídeo, retratando um sentimento comum à maioria dos brasileiros – mas que, levado ao extremo e unido às brigas políticas e à intolerância extrema ocorridas em Alagoas, acabou resultando num dos episódios mais sangrentos da história negra nacional.

Fonte: Agência Alagoas

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