A Opressão da Pedagogia

A educação popular parece ser sinônima de educação revolucionária. Bastaria o diálogo como prática de liberdade para a convergência entre elas. No diálogo com as massas residiria o lugar central da educação. Educar seria, para os mais entusiastas, uma espécie de acordar o povo para prontificá-lo à luta, retirando-lhe as amarras que o oprimem. A educação se incumbiria, portanto, em financiar uma erradicação da dominação. Seria popularizar o popular, torná-lo hegemônico. O saber deveria ser retirado da dita torre de marfim – deixar de ser um devaneio intelectual – para incorporar-se aos pleitos da população: sempre legítimos. Dever-se-ia confiar à estrutura e ao contexto em que o povo está inserido a fonte da qual emanará a educação libertária. Nessa perspectiva, a dicotomia que supostamente cinge a sociedade brasileira entre os poderosos e os oprimidos encontraria na educação popular um suposto ponto de mutação.

A educação popular deve trazer, portanto, a cultura do oprimido à sala de aula, preservando-a. Por isso, não se deveria interferir no modus operandis das parteiras tradicionais (cuja falta de higienização nos partos é um problema de saúde pública); na forma espontânea de fazer matemática dos feirantes (que os deixa sempre distantes do raciocínio abstrato) e no português, diríamos, diferente do povo (naturalização da falta de escolaridade que lhes restringe o universo da língua). Dever-se-ia preservar essas supostas manifestações culturais por serem inatas ao povo. Para tanto, concorreria uma pedagogia distante da academia e de seu saber diletante, mas próxima da realidade do oprimido, do povo.

Com efeito, resta saber se a educação que abdica do conhecimento acadêmico e investe-se de um saber local – supostamente cultural – não acolhe como natural certas divisões sociais. Condenar as pessoas a aprenderem a partir do que se considera popular e local não seria uma forma de podar-lhes o poder de escolha? Por que crianças pobres devem aprender em função de ritmos que lhe são imputados como seus? Se a produção de música e esculturas – ditas pernambucanas – deve ser perpetuada e incentivada pelo Estado simplesmente por serem marcas de nossa cultura, por que certas músicas escutadas por parte substancial da população – para as quais os arautos da mono-cultura guardam um desprezo senhorial – não deveriam também ser introduzidas nas escolas como material didático? Elas não fazem parte e constituem o contexto daquela população? Se partíssemos desse princípio; por que não resgatar o machismo venal e, em certa medida, nordestino (implícito em crimes contras mulheres e homossexuais) como forma de educar as mulheres e os homens? Afinal, o que é naturalmente popular? Quem decide o que é ou não popular? A educação deve assumir uma certa concepção de popular; sem qualquer restrição?

O apelo idílico às raízes populares que tenta encontrar nelas; seja o bom selvagem (redentor da cultura de massa), seja a vanguarda revolucionária adormecida, parece senão um passo em direção a um maniqueísmo juvenil, uma forma clara de perpetuar a miséria por confinar o popular a uma categoria essencialmente distanciada da elite intelectual e política. Ora, o que há de revolucionário numa pedagogia que essencializa a condição de povo (oprimido) e transforma situações de pobreza extrema em cultura? A pedagogia oprime quando torna endêmicos certos aspectos puramente contingentes da cultura; muito mais ligados à pobreza e à falta de escolaridade que à expressão de pleitos genuinamente populares.

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