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Luis Vilar

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Chegar vivo em casa é um milagre

Nos últimos meses eu tenho pensado na vida como um milagre. Hoje em especial – escrevo este texto no domingo, 20 de janeiro de 2008, por volta das 22 horas – este pensamento tem ecoado de forma bem mais profunda em mim. Sempre li muito e quase todas as leituras fluem para a busca de um significado para estar vivo. Este significado, do qual falo sem propriedade alguma, já passaram por diversos “ismos”. Atualmente, tenho enxergado apenas um milagre. O espaço deste blog – de certa forma – tem ajudado neste sentido, uma vez que é meu confessionário, ou até mesmo uma higiene mental.

Mas vamos ao milagre em si. Este fim de semana sai bastante com minha família. É algo diferente para mim, pois – quem me conhece pode confirmar – vivo muito enclausurado e por conta de um mau-humor quase que de formação genética, me fecho em um ciclo de pouquíssimas pessoas que fingem, ou conseguem me entender. Mas, vamos aos fatos. Saí de casa, mas sempre atento nas manchetes de jornal, inclusive nas produzidas por mim.

Na manhã de sábado, dia 19, coloquei no ar cerca de 20 “micro-notícias” – forma como me refiro aos textos jornalísticos para internet – e grande parte delas estava ligadas diretamente a violência. Dois homicídios, uma babá presa por espancar uma criança, uma morte em acidente de trânsito, troca de tiros com a polícia, políticos corruptos, um feto que foi abandonado em uma caçada, entre outros pesados fatos, que também chocam muito a quem os acompanha com o objetivo de – com uma frieza utópica – descrever de forma objetiva para que outras pessoas leiam, se choquem… e muitas vezes interroguem como é que o jornalista consegue expor tantos fatos sem se envolver com eles. No meu caso em particular, eu me envolvo.

Há dias que perco o sono, às vezes até o sentido, com determinados fatos que tenho a incumbência de narrar para ganhar a vida. Mas vamos nós. Saio da base do jornal, ao meio-dia do sábado, como se trouxesse – como coloca Carlos Drummond de Andrade – o mundo nos ombros. O cansaço é aliviado pelo sorriso de minha filha, quando chego em casa e pela atenção de minha esposa, que pergunta se estou com fome, o que quero comer, entre outras coisas de casado. Acho maravilhoso ter família.

Em seguida, por volta das 17 horas, abro a internet para acompanhar os jornais. Mais sangue, violência e outros acontecimentos diante dos quais ficamos até indiferentes. Resolvo sair à noite para aliviar. Vou tomar uma cervejinha, passo por dois locais, antes de chegar ao referido bar, onde há menos de 72 horas ocorreram três homicídios e dois assaltos. Poderia ser exatamente naquela hora que eu estava passando, mas não foi…Foi antes.

Manhã de domingo, retorno ao hábito de ler os jornais. Mais um homicídio ocorreu nas imediações do local onde eu estava ontem. Como se não bastasse, também mais um assalto. Poderia ter sido eu. Eu estava lá, com minha filha, minha esposa, minha irmã, minha sobrinha e minha mãe. Desligo o computador. Nem quero ver o resto. Deus me livre. Socorro! Volto à cama, vou dormir. Acordo por volta do meio-dia e vou – novamente com minha família – para a casa de minha mãe almoçar. No caminho, quanta coisa não poderia ter acontecido comigo.

Chegou à casa de minha mãe. Toca o telefone na parte da tarde. Um amigo, que foi vítima de violência recentemente, me avisa que está deixando a cidade de Maceió. Vai para o interior tentar fugir da imensa mancha vermelha que ronda nossos cotidianos. Eu tento convencê-lo a não ir por conta das oportunidades de conseguir dinheiro. Ele me diz: “Eu preciso é de sentido e de estar vivo. Dinheiro, eu penso depois”. Eu me calo. Ele está certo.

Minha esposa, que também é jornalista, e se encontrava de plantão na tarde de domingo, também falou comigo – pelo telefone – diversas vezes. Em duas delas, ela se encontrava em cenários de violência. Eu: “Amor, está onde?”. Ela: “Em um homicídio, fazendo matéria. E ai, está tudo bem? A Beatriz (nossa filha) está dormindo?”. Eu: “Tudo tranqüilo”. Tudo tranqüilo para quem cara pálida? Encaramos a morte todos os dias, da forma mais violenta e cruel possível. A cidade grande passou a ser uma roleta russa. A cada dia está mais próximo. Quem será a próxima vítima?

O cenário propício para o terror está montado. A qualquer momento poderemos ser o protagonista. Basta olhar para os lados e percebemos que já somos personagens secundários desta história. Quando não se é vítima – diretamente – da grande bolha na qual estamos inseridos, sabemos de um caso muito próximo que nos afeta. São 22h30 quando encerro este texto. Minha mulher me aguarda no quarto para assistirmos um DVD. Minha filha já se encontra dormindo. Eu estou na sala com uma sensação estranha de que sobrevivi a uma guerra civil. Não, eu não venci a guerra, mas sai vivo da batalha. Hoje poderia ter sido eu! Escapei por pouco. Estou pelo fio da navalha.

Definitivamente, a cada dia que passa estar vivo tem sido um milagre. E o milagre tem ficado cada vez mais notório, cada vez mais nítido, nesta loteria de acontecimentos. Se você ainda não foi nem assalto por pelo menos um menor de rua, eis que faz parte de um grupo seleto. E olhe que eu me considero um homem de sorte, pois já fui vítima de seqüestro relâmpago, fui assaltado duas vezes e tive um carro – sem seguro – furtado. Mas, hoje é domingo, e cheguei vivo em casa. É um milagre.

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