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Crônicas e Agudas por Walmar Brêda

Walmar Coelho Breda Junior é formado em odontologia pela Ufal, mas também é um observador atento do cotidiano. Em 2015 lançou o livro "Crônicas e Agudas" onde pôde registrar suas impressões sobre o mundo sob um olhar bem-humorado, sagaz e original. No blog do mesmo nome é possível conferir sua verve de escritor e sua visão interessante sobre o cotidiano.

Todas as postagens são de inteira responsabilidade do blogueiro.

Grupo de risco

Um amigo chega para mim e diz:

-Rapaz, ontem mataram um cara quase em frente ao meu prédio!
-Putz, mataram? Sabe por que ?
-Soube que foi um assalto!
-Meu Deus.  Morreu num assalto? -comento estarrecido.
O latrocínio é uma das piores violências que existe,  pois trata-se de uma morte violenta, injustificável e aleatória.  É a foice do destino ceifando uma vida que estava no lugar errado, na hora errada e esbarrando com a  pessoa errada – ou seja, pode ser com qualquer um de nós.
Na outra semana encontro o mesmo amigo que me revela:
-Sabe aquele cara que mataram na frente do meu prédio? Não foi assalto. Soube que foi bronca. O sujeito era metido numas paradas meio complicadas e então o mataram.
-Ufa! -deixo escapar um suspiro de alívio.
Não há como não  sentir essa sensação quando se percebe que a aleatoriedade absurda e fatal fora substituída por uma casualidade  em tese,  justificada.  O tal homem encontrou o seu destino nas mãos de alguém que o matou por uma razão qualquer anterior ao encontro que, definitivamente,  não foi aleatório.
 Em tempos de pandemia ouvimos de vez em quando:
-Olha, um amigo meu faleceu ontem vítima de coronavírus!
-Poxa, qual a idade dele?
-Muito novo. Tinha apenas 30 anos!
-Trinta anos???? -demonstro todo meu espanto diante daquela informação inquietante .
-Sim, mas ele era gordo, asmático  e diabético!
-Ah tá! -falo escondendo um aliviado  “Ufa!”.
Nossa mente aceita melhor uma justificativa que amenize nossos receios -por exemplo, o de que esse vírus maldito não obedeça a um padrão de gravidade e letalidade. Então saber que o tal homem era gordo, asmático e diabético devolve as coisas a um padrão de crenças que criamos para que as coisas não sejam piores do que já são.  Foi essa mente humana inquieta que descobriu e classificou eventos da natureza, dando um pouco mais de sentido e previsibilidade ao mundo louco ao nosso redor.
  Mas, não esqueçamos que eventualmente morre-se de latrocínio e de Coronavírus sem uma comorbidade aparente ou conhecida.  Esses fatos bagunçam nossos temores e crenças e tornam nossa vida mais perigosa e imprevisível do que já é.
Respirar aliviado por perceber-se fora do “grupo de risco” tanto por não ser envolvido em broncas, quanto por não  possuir comorbidade alguma, nos dá um certo poder sobre o destino -ou um pequeno controle sobre ele.
Até que de repente acontece o inesperado, o imprevisível, o incognoscível e nos damos conta que viver é correr risco, ainda que não façamos parte deste grupo.

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